Adriano fez uma escolha que a sociedade impelida ao ‘sucesso’ não consegue admitir

Adriano fez uma escolha que a sociedade impelida ao ‘sucesso’ não consegue admitir

Muito se comentou nos últimos dias sobre Adriano Imperador, personalidade futebolística de tal renome que, mesmo há tempos sem jogar de forma competitiva por um grande clube, ainda gera, constantemente, buchichos e manchetes de todos os tipos.

Mais recentemente, o ponto causador de todo falatório foi uma matéria, já um tanto predisposta, do experiente jornalista Cosme Rímole, que hoje possui um blog no R7 e por diversas vezes, sempre com seus títulos intermináveis, lança algumas polêmicas baseadas em comentários, fatos e rumores no dia-a-dia do noticiário da bola. No texto, Cosme, sem medir muitos esteriótipos de como as favelas do Rio e as pessoas que lá vivem são, discorre sobre a personalidade de Adriano como a de um caráter incorrigível, um homem senhor de seu destino que se afundou na depressão e no provável alcoolismo pelas próprias más escolhas e por sua grande irresponsabilidade.

Claro que é um tanto quanto fácil falar dessa forma de Adriano nos últimos anos, levando-se em conta que o atacante não teve sucesso em boas oportunidades em times que realmente lhe deram boa estrutura para trabalhar. Isso é inegável. Mas até que ponto essa crítica ao profissional de futebol e, talvez, à pessoa sem tanta noção de suas responsabilidades por diversas circustâncias é realmente uma análise e não passa a ser uma simples catapulta desenfreada no apedrejamento daqueles que, sem grandes satisfações, deixam de seguir o estimado american dream?

Adriano talvez tenha sido o maior atacante do futebol brasileiro desde Ronaldo Fenômeno. Foi uma realidade, indiscutivelmente, mas tinha potencial para muito mais — como a imensa dos comentaristas/profetas do óbvio dizem, pelo menos mais duas Copas do Mundo com a titularidade garantida. Mas o Imperador não seguiu esse caminho. Por quê? Sem conhecermos pessoalmente o homem como ele é, em seu dia-a-dia, é difícil traçar respostas que fujam de hipóteses, suposições e elucidações de uma mistureba que engloba boatos, manchetes sensacionalistas, entrevistas remendadas e, claro, fatos que realmente podemos considerar.

Começando pelo que aparenta ser claro: Adriano, nascido na Vila Cruzeiro e criado entre família e amigos, ama suas origens. E sim, isso deve incluir parceiros que um dia, na infância, jogaram bola e empinaram pipa com ele e hoje, digamos, talvez não tenham seguido um caminho tão bom assim — dentro da perspectiva que os cidadãos deste contexto têm, algo infelizmente comum. E também parece bastante claro que Adriano é o típico “amigo de todo mundo”. Vira e mexe posta fotos rodeados de crianças, em grandes turmas de amigos e por aí vai. E pelo pouco que o conhecemos em poucas entrevistas e participações, não se assemelha ao tipo antipático.

Um segundo fato é que Adriano sempre foi muito apegado ao pai. Extremamente apegado. Daquele tipo de pai que é mentor, conselheiro, companheiro. O Imperador dedicou a ele a conquista da Copa América de 2003 (quando foi decisivo), inclusive.

E essa mesma relação foi o grande marco entre o sucesso e o declínio de sua carreira: o falecimento de Almir Leite Ribeiro desmoronou o castelo do jogador.

Em pouco tempo a depressão e o alcoolismo atingiram Adriano — e o fato ‘curioso’ é que, mesmo após tanto esse fato ter sido exposto, poucos são os que tratam o ex-atleta como vítima de duas doenças. E isso não é novidade para ninguém, a depressão é constantemente tratada na sociedade como falta de ocupação, uma simples tristeza ou até como frescura; e o alcoolismo, então, como apenas irresponsabilidade, libertinagem, pura devassidão daqueles que não possuem psicológico para enfrentar situações difíceis. Um absurdo. E assim Adriano foi e é tratado desde que o fim de sua carreira como futebolista começou.

E o que ele fez diante do buraco que sua vida se tornou? Algo tão simples e óbvio que se tornou uma ofensa para muitos: retornou para seu ninho. A volta para a Vila Cruzeiro, onde se via cercado de amigos e família e longe da solidão dolorosa que encerrou sua brilhante carreira na Europa, foi a resposta que Adriano encontrou para enfrentar seus próprios problemas, o julgamento nacional e o bombardeamento midiático. Sua presença no mundo do futebol nunca foi a mesma, é verdade (uma grande temporada pelo Flamengo foi o máximo que conseguiu), mas seu sumiço dos grandes círculos da mídia, que vai e volta de tempos em tempos, parece ter acalmado o mar de Adriano, que hoje vive, de certo modo, tranquilamente.

Mas, ainda assim, muitos dentro do grande circo midiático e das arquibancadas promotoras tentam apontar para a escolha de Adriano como apenas uma mixórdia libertina de abusos e desordem. Afinal, como uma sociedade capitalista, guiada exclusivamente para o consumo e para a ilusão da ascenção dentro de um mundo desigual, poderia admitir a escolha de um homem que preferiu a favela ao que eles estão impelidos a desejar e consumir sempre: riquezas, fama e sucesso profissional? É intolerável para círculos de valores burgueses alguém que rejeite a trilha até o topo. E que o faça por um motivo: porque quis.

Sim, eu sei que Adriano Imperador não é um santo. A foto com os fuzis? Sim, eu vi. A que ele faz ‘CV’ com os dedos? Vi também. Mas e o recorte de classe que devemos ter nesse momento? De um menino que nasceu pobre numa das comunidades em estado mais precário no Rio, em meio à malandragem, aos amigos que seguiram em caminhos diferentes do seu, ao tráfico, em meio ao conjunto de elementos que compõem o que ele pode chamar de lar; algo que qualquer um que mora em uma quebrada sabe ser normal. Ninguém nasce em lugar pobre e cresce só amigo de pastor — e talvez a maior hipocrisia dos que torcem o nariz para isso sejam as várias questionáveis amizades de alto padrão que muitos destes possuem.

Uma sociedade impelida ao sucesso incansável e necessário, não importando em quem pisar ou o que fazer, dificilmente um dia conseguirá entender as opções de Adriano. Que, apesar de ser considerado rei na Zona Norte do Rio de Janeiro, talvez não seja um dos primeiros exemplos a se mostrar aos jovens dessa e das próximas gerações. Mas que pode muito bem ser símbolo de que a paz de espírito não é comprável e de que fugir dos planos que os outros têm para você incomoda, e muito. Se ‘Didico’ vai voltar aos campos? Acho difícil, mas torço para que aconteça. Digamos que as pessoas não estão muito preocupadas em alimentar sua auto-estima — exatamente o inverso. E isso embaça a visão que podemos ter da carreira de um dos últimos grandes atacantes do futebol brasileiro.

Interessante. Resta saber, entretanto, se a tal paz de espírito realmente alcançou Adriano.... A julgar pelo que acontece com alguns sambistas famosos, como Zeca Pagodinho, que jamais abandonou suas origens e suas pessoas mesmo sendo extremamente bem sucedido, há de se pensar se o sucesso profissional e a vida simples não poderiam ser mesmo compatíveis. Mas não há uma resposta única pra cada ser humano. Cada vida é uma vida.

Sandro Silva Costa, MBA

Analista de sistemas sênior | Analista PowerBI | DAX | Power Query | Especialista ERP Protheus | Gestão CRM Sales Force

7 a

Muito bom o artigo. Muito bom mesmo. Acho que serve para refletirmos sobre a moeda TEMPO, pois na prática, nós vendemos o nosso tempo para alguém em troca de dinheiro e benefícios. Ou seja, para vivermos em sociedade, temos que vender o nosso tempo, mas tem que ter limite, e sei, é muito difícil. Em resumo, quanto vale seu tempo ?

Excelente artigo Gabriel. Mozart comentário perfeito. É sintese do que vivemos nos dias de hoje. A vida contém vários planos. A carreira, profissão é só um deles. E não necessariamente construir uma carreira, dita "perfeita" pela sociedade, quer dizer que estamos satisfeitos com ela, nem muito menos significa sucesso pessoal.

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