Afroempreendedorismo: onda ou oportunidade?

Afroempreendedorismo: onda ou oportunidade?

A última prova do Enem trouxe para os estudantes, como tema da redação, os desafios para a valorização da herança africana no Brasil. Por si só, uma baita provocação para as novas gerações de profissionais estarem atentas à riqueza, muitas vezes despercebida, de valores, cultura e conhecimento que herdamos da miscigenação com os povos africanos. Ainda mais neste primeiro ano em que o país terá o dia da consciência negra como feriado nacional.

O reflexo do aproveitamento dessa herança pode ser visto nas empresas. Um levantamento do Sebrae aponta que, nos últimos 20 anos, pessoas pretas e pardas à frente de pequenos negócios cresceram 22%, somando 15 milhões de empreendedores. Lideranças que compreendam e expressem em seus produtos e serviços, aspectos que valorizem essa herança cultural, serão reconhecidas no mercado de forma diferenciada, trazendo valores como autenticidade e resgate de crenças e costumes ancestrais. 

É neste contexto que surge o conceito de afroempreendedorismo, fenômeno de caráter econômico, político e social que incentiva a pessoa negra a desenvolver uma atividade empreendedora, criativa e inovadora, com ou sem o auxílio de colaboradores diretos e indiretos. São negócios construídos e gerenciados nos mais diferentes nichos de mercado, tendo como público toda a sociedade. Também incentiva o black money, estimulando a compra e venda de produtos e serviços entre pessoas negras, ou seja, pretas e pardas, incluindo e empoderando estes consumidores numa perspectiva mais identitária e comunitária.

Como tendência e não apenas como onda, há um crescimento do consumo de produtos e serviços por várias razões. Uma delas porque os afroempreendedores conhecem de maneira mais profunda e por experiência própria, as necessidades e lacunas de consumo da população negra, que é de fato majoritária. O mercado ainda é muito centrado nas necessidades das pessoas brancas e pelos padrões e referenciais de consumo pasteurizados por uma indústria de escala que predomina há décadas e até séculos.

Outra razão é o fato de muitos serviços e produtos de afroempreendedores trazerem aspectos de valorização de influências ancestrais, seja a moda africana, as tranças e cortes de cabelo black power, a culinária e seus elementos de diferenciação, além do olhar captado por centenas de pintores, artistas plásticos, fotógrafos, produtores audiovisuais e outras categorias da econômica criativa e também na economia tradicional.

Ressalto ainda que o afroempreendedorismo é um movimento que também vem de encontro ao racismo estrutural que ainda enrijece relações, corporações e a sociedade como um todo, cheia de resquícios de um tempo de desigualdades explícitas e naturalizadas. A própria contratação de pessoas negras, oportunizando talentos que “normalmente” têm mais dificuldades para ocupar os mesmos espaços públicos e de trabalho de pessoas brancas, é algo cada vez mais percebido como ação afirmativa não apenas de governos e políticas públicas, mas da própria sociedade civil.

Startups surgem para diversificar os modelos de negócios incluindo necessidades e resolução de problemas para a população negra. Comunidades quilombolas resgatam sua identidade por meio de atividades culturais e de negócios que valorizam a ancestralidade de seu povo. Assim, o afroempreendedorismo vai trançando seu caminho, apontando cada vez mais oportunidades e minimizando desigualdades ainda gritantes na sociedade brasileira.

Carolina Candeia

Empreendedora e Mentora | Ajudo pequenos negócios a crescerem combinando estratégia e inovação na prática.

1 m

Excelente reflexão, Renata!

Entre para ver ou adicionar um comentário

Outros artigos de Renata Câmara Avelino

  • Saúde cerebral em 2025: você está atento?

    Saúde cerebral em 2025: você está atento?

    2024 se foi e muitos de seus rastros permanecem: a inteligência artificial ganhou a boca do povo, a economia brasileira…

    2 comentários
  • Circulando uma nova economia

    Circulando uma nova economia

    A Organização das Nações Unidas (ONU) já anunciou: até 2050, a população mundial tende a crescer 25% e a geração de…

    2 comentários
  • Diversidade: a fonte imperceptível de produtividade

    Diversidade: a fonte imperceptível de produtividade

    Nos últimos anos, além das oscilações próprias do mercado, foram os extremos climáticos que começaram a assustar…

    8 comentários
  • A decolagem das startups nordestinas

    A decolagem das startups nordestinas

    O Banco Central anunciou estes dias que o Nordeste foi a região que mais cresceu no nível de atividade econômica no…

    4 comentários
  • A vibrante força do artesanato

    A vibrante força do artesanato

    Das passadeiras de mesa bordadas às passarelas da moda, o artesanato há muito vem quebrando barreiras de percepção e…

  • Empreender: verbo feminino?

    Empreender: verbo feminino?

    Em meio aos desafios da crise climática e da retomada da economia pós-pandemia, às mulheres parece que está cabendo uma…

  • Nas trilhas do desenvolvimento local sustentável

    Nas trilhas do desenvolvimento local sustentável

    Antes de afirmar, vou começar indagando. Qual a sua referência de cidade desenvolvida? Por quais ângulos você analisa e…

    1 comentário
  • Carnavalizando com a inteligência artificial

    Carnavalizando com a inteligência artificial

    Depois do “uau” exclamado por quem usou pela primeira vez o ChatGPT da empresa OpenAI ano passado, estamos diante…

  • Futuro, futebol e a força feminina

    Futuro, futebol e a força feminina

    2024 vai dando seus primeiros passos e apontando horizonte de crescimento gradativo da economia do país. O Instituto de…

  • Que economia você deseja para 2024?

    Que economia você deseja para 2024?

    Estamos na Paraíba, verão a todo vapor, pancadas de chuvas de vez em quando surgem pra dar um refresco, mas a cada ano…

Outras pessoas também visualizaram

Conferir tópicos