Ainda precisamos de tantos processos que demandem papel nas operações de seguros?
Trabalho há uns 25 anos com seguro, segmento em que possuo 17 livros publicados, incluindo minha tese de mestrado, e posso garantir que durante muito tempo assistimos, de certa forma bastante incomodados, o mundo inteiro comentar que o mercado de seguros brasileiro era altamente regulamentado pela “mão forte” dos agentes reguladores e consequentemente do governo. A atuação de livre economia e dos mercados era um posicionamento da moda até então inquestionável.
Neste contexto, com o “advento” do modelo de regulação adotado pelo mercado segurador do mesmo modo que protege o mercado, por vezes, inibe ações na direção de melhores práticas e novos processos, especialmente os de cunho tecnológicos.
Sempre ouvi dizer que o mercado de seguros apresentava um atraso estrutural de, pelo menos, 10 anos quando comparado ao financeiro. Concordava com este diagnóstico, mas hoje a experiência me possibilita enxergar outras nuances deste cenário.
Creio que ainda exista significativa diferença em questões tecnológicas e adequação a novos formatos, embora em menor proporção. Desta forma, não seria nenhuma heresia provocar este tema por aqui ...
Considerando que o mercado de seguros é constantemente “desafiado” por novas tecnologias, notadamente ainda há uma clara divisão quando olhamos o posicionamento da SUSEP e da ANS. Explico:
Recentemente, tive a oportunidade de assistir uma palestra do Dr. Joaquim Mendanha – Superintendente da SUSEP, em um evento organizado pelo CVG de SP. Na ocasião, diversos executivos do mercado falaram sobre a importância de estarmos atentos às novas tecnologias e sua ampla utilização em um mercado altamente regulamentado como o nosso. Para minha alegria, observei nas palavras do Superintendente da SUSEP, ações no sentido de entender este movimento e, naturalmente, dar-lhe o arcabouço legal.
Creio que durante este largo tempo vivenciando as operações de seguros nunca fizemos ou propomos tantas novidades em prol de melhores práticas, salientando que é sempre bom saber que pelo menos a SUSEP está atenta a isso.
O número de Startups no segmento cresce e, não falta dinheiro, para novas oportunidades.
No geral estas “novas ações” focam a relação com o consumidor e já consideram algum avanço (tímido) nas relações digitais.
Logo, não me parece razoável que ainda tenhamos que lidar com processos manuais e muito cruéis para as seguradoras e, especialmente, operadoras de seguro saúde e odontológico que precisam lidar com uma quantidade enorme de papéis e controles ao invés de dados digitais.
Neste quesito me parece que a SUSEP já trata o assunto com maior maturidade e está à frente da ANS, afinal já disciplinou novos processos eletrônicos que melhoraram muito as operações do mercado de seguros.
Poderia citar diversos processos em que a SUSEP já se pronunciou e, ao fazê-lo, possibilitou melhoras substanciais nos processos das seguradoras. Está 100%? Não porque a evolução é contínua, tendo sempre algo melhor a fazer, porém é inegável sua incansável reavaliação em busca de melhores práticas.
Já em relação à ANS, creio que há uma necessidade de maior velocidade no endereçamento deste assunto relativo ao tratamento dos processos que envolvam papel por eletrônicos.
Sei que a ANS é uma agência nova e que tem sob sua supervisão um grau superlativo de complexidade e dimensão de seus números e processos derivados. Entendo que não deve ser fácil conjugar e equilibrar os interesses em um mercado tão grande quanto idiossincrático.
Porém, o que me incomoda é ver que o mercado de seguro saúde e odontológico tem obtido poucos resultados na implantação de melhores e mais saudáveis práticas, como, por exemplo, ao exigir que as operadoras do segmento tenham que apresentar comprovante de recebimento físico para diversos tipos de processo.
Sei que o rito litúrgico de comprovação do aviso de inadimplência e/ou cancelamento merece atenção, mas exigir que exista um processo físico aberto para este controle não é razoável, diante da crescente tecnologia à disposição, facilitadora dos meios de controle e, naturalmente, redução de custo.
Hoje as operadoras que estão sob a égide da ANS têm um procedimento arcaico, que em muito dificulta o controle dos processos de aviso de cancelamento, porque o atual controle manual depende de terceiros, como o correio, fazendo com que a logística reversa se torne ainda mais complexa diante da incidência das diversas variáveis incontroláveis que dificultam e impactam na qualidade e a efetividade da operação.
Para que se dê o aviso de cancelamento, a ANS exige que as empresas enviem uma carta com aviso de recebimento para o endereço do segurado e que este documento retorne assinado para que a operadora abra um processo administrativo e tenha este documento disponível, entretanto este procedimento é frágil pelo alto índice de variáveis de difícil controle, uma vez que depende de outros agentes para a sua efetividade.
Muitas considerações se fazem necessárias neste procedimento, tais como, e se o cliente não estiver? E se quem assinar o documento não for o próprio? E se o segurado tiver mudado, ou o caminhão dos correios roubado? Como é que a operadora pode defender-se deste inúmero quantitativo de variáveis ingovernáveis?
Lógico que não dá para controlar tais variáveis, especialmente a de roubo de veículos dos Correios, onde, por exemplo, apenas na cidade do Rio de Janeiro são roubados 5 veículos diariamente. Você leu corretamente sim, o número de veículos roubados a cada dia é alarmante e impactante nas operações.
Pergunto: é justo ter que fazer este bárbaro e altamente custoso processo manualmente se já temos condições tecnológicas para verificarmos o recebimento do aviso por meio eletrônico? A resposta está no meio empregado, ou seja, no processo eletrônico, observa-se maior efetividade com a eliminação dos “tempos mortos” ou “tempos em branco”, pois o processo se torna mais ágil, contudo, sem deixar de obedecer às regras próprias do sistema em que esta inserido, além de trazer o benefício de redução de custos.
O custo de um processo desta natureza é cruel e pode inviabilizar as operações de seguro odontológico, uma vez que seus tickets são de baixo valor, e, em muitas vezes, não cobrem sequer os custos de postagem da logística reversa.
A ANS já começou a se movimentar na direção de disciplinar o assunto e, quero crer, a sua área de regulação já deve ter este assunto em seu pipeline, bem como ter sido questionada pelas entidades do setor.
No entanto, os normativos existentes não são taxativos para dizer que é possível a assunção de meios eletrônicos para confirmar o aviso de recebimento por parte dos clientes. Do mesmo modo tais normativos também não são claros o suficiente para permitir que tais meios eletrônicos sejam utilizados e possam, então, melhorar exponencialmente este frágil e sensível processo que incomoda todas as operadoras do segmento.
Levando-se em conta que as multas da ANS são elevadas, porque não disciplinar este assunto e permitir uma melhora processual e mais econômica para as operadoras que de forma árdua necessitam controlar tal processo atendendo à toda a normativa existente?
Vamos combinar: temos muitos elefantes na sala... mas este dá para tirar ...
Com a palavra à ANS.