Alfabetização, um desafio a ser abraçado
Inês Kisil Miskalo*
Hoje, 14 de novembro, é comemorado o Dia Nacional da Alfabetização. Essa é uma data importante para refletir, e principalmente agir, sobre o dever de casa a ser feito pelo Brasil para garantir o sucesso dos milhões de estudantes brasileiros de 4 a 17 anos que estão na Educação Básica. A universalização da alfabetização é uma questão que tem desafiado o país historicamente, governo após governo, e se tornou um enorme entrave ao desenvolvimento pessoal e coletivo de nossa sociedade.
No universo escolar, de acordo com dados da pesquisa Alfabetiza Brasil do Ministério da Educação (MEC), apenas quatro em cada dez crianças cursando o 2º ano do Ensino Fundamental em 2021 estavam alfabetizadas na língua materna. Para além desse ambiente, ainda há quase 10 milhões de pessoas adultas que não sabem ler e escrever no Brasil, segundo IBGE. Estes são alguns dados que revelam a exclusão de parcela significativa da população no exercício da sua cidadania, pois numa sociedade letrada, ser analfabeto absoluto ou funcional equivale à redução do direito de ser protagonista de sua própria história.
Este cenário, já repleto de desafios, foi agravado pela pandemia e consequente fechamento das escolas: segundo dados da UNESCO e Banco Mundial, a porcentagem de crianças de dez anos que têm dificuldades para compreender um texto simples passou de 57% para 70% em países de baixa e média renda, com impactos negativos imediatos e futuros.
Como estudante, a não alfabetização tende a levar à reprovação, à distorção entre a idade ideal e o ano escolar, à desmotivação e ao consequente abandono ou evasão, ampliando os dados apontados pelo IBGE. Os impactos negativos na vida do estudante se transformam numa espécie de bola de neve que limita severamente as oportunidades futuras de emprego e renda dos indivíduos, o que resulta em maior probabilidade de perpetuação da pobreza e da desigualdade social.
Esses argumentos impõem a urgência de um grande pacto nacional para a aprendizagem e sua recomposição, para que todos tenham acesso a um futuro mais promissor e com mais oportunidades para o pleno exercício da cidadania. Embora diferentes governos ao longo da história brasileira tenham apresentado programas para a superação da defasagem em alfabetização, os resultados até hoje foram insuficientes para transformar fracassos em sucessos, e cabe à sociedade aproveitar a nova oportunidade que se abre agora com o Programa Compromisso Criança Alfabetizadar, recém lançado pelo Ministério da Educação. A iniciativa alia o protagonismo dos entes da federação na estruturação de políticas de alfabetização efetivas e eficazes a incentivos financeiros e apoio técnico.
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É preciso reconhecer que a presente proposta parte de evidências das avaliações já realizadas e abre espaço para que as diferentes realidades regionais sejam contempladas e respeitadas em sua autonomia. Este modelo também permite olhar o estudante como um todo, ou seja, quais as competências que precisam ser garantidas para que uma criança seja considerada alfabetizada.
Na missão de contribuir com a superação desse desafio, o Instituto Ayrton Senna se dedica há quase 30 anos a desenvolver soluções em alfabetização com base em evidências. Esta jornada gerou a certeza de que o país apenas alcançará resultados de sucesso priorizando a alfabetização como política pública educacional, cuja gestão inclui o ciclo contínuo das ações de diagnosticar, planejar e monitorar as ações, com foco nos ajustes necessários ao longo de sua execução.
Assim, para ser eficaz, uma política de alfabetização precisa ser acompanhada em todas as fases e por todas as instâncias, desde o planejamento pedagógico executado em sala de aula, a adequação e a rotina no ambiente escolar e às ações e decisões que cabem à secretaria de educação, como a infraestrutura e qualificação de professores e gestores escolares. Nessas instâncias, sala de aula, escola e secretaria de educação, se encontram os pilares da política: definição e clareza do currículo e das competências a serem incorporadas pelos alunos, com referência na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), formação dos profissionais educadores, rede física favorável à aprendizagem, processos de avaliação e monitoramento sistemático de indicadores de sucesso.
Além dessas questões tão fundamentais, o período da alfabetização também deve ser abordado na ótica da educação integral, onde o aluno é visto nas múltiplas dimensões que o compõe e o formam, entre elas a intelectual, a relacional, a produtiva e a pessoal. Desta forma será possível conectá-lo aos desafios do século 21 e às novas habilidades trazidas pelo avanço tecnológico e a inteligência artificial, necessárias para que os alunos cresçam capazes de fazer escolhas conscientes e exercer sua cidadania. Em suma, é preciso promover uma alfabetização que olhe para todos os aspectos e dimensões dos estudantes de forma integral, que contemple não apenas o desenvolvimento de habilidades de leitura e escrita e cálculos matemáticos, mas também o seu fortalecimento socioemocional.
A alfabetização, portanto, trata-se de uma tarefa desafiadora, a ser abraçada pela sociedade em geral. Ela precisa acreditar no potencial de cada aluno e acolhê-lo em sua diversidade, ao mesmo tempo em que disponibiliza aos educadores respostas às suas dúvidas e inquietações, pois é a somatória dos resultados de cada aluno, cada turma e cada escola que garantirá a universalidade do sucesso no país.
*Diretora de Disseminação e Qualidade no Instituto Ayrton Senna