No alto da montanha: Literatura, Filosofia, Cultura, Futebol e Amizade: o que aproxima brasileiros e bolivianos
Saudações ao povo boliviano. Agradeço a Feira do Livro de La Paz, à Embaixada do Brasil na Bolívia, ao Itamaraty, ao Ministério das Relações Exteriores e ao governo brasileiro a oportunidade concedida de representar o Brasil neste importante evento literário e cultural deste país tão especial que é a Bolívia.
Dizer que Bolívia entrou em meus tímpanos na idade de 6 anos. Minha mãe, Conceição, era empregada doméstica. Trabalhava para uma família, sendo o patrão um renomado engenheiro da Odebrecht. Morávamos em Conselheiro Lafaiete, minha cidade atual, e em 1980 o patrão fez a proposta à minha mãe para que fosse trabalhar para a família na Bolívia. Minha mãe à época, na sua maneira simples e humilde de analisar as coisas, entendeu que seria um lugar muito longe. Dessa forma, aconteceu a ruptura do vínculo empregatício e sempre a Bolívia entrou para o meu imaginário como um idílio de possibilidades, daquilo que poderia ter sido. Acerca deste entendimento de minha mãe, com o passar dos tempos trocaria apenas o “muito longe” aventado por ela por “muito alto”.
Falando nisso, no início de minha apresentação, e em homenagem ao lindo Estado do Rio Grande do Sul, província que viveu recentemente uma enchente histórica, estando ao Sul do meu país, quero expressar e apresentar uma música de uma banda de rock que se chama Engenheiros do Hawaii e, no preparo desta minha conferência, associei a canção a seguir com La Paz. A música que vamos ouvir é A Montanha.
A Montanha
Nem tão longe que eu não possa ver
Nem tão perto que eu possa tocar
Nem tão longe que eu não possa crer
Que um dia chego lá
Nem tão perto que eu possa acreditar
Que o dia já chegou
No alto da montanha, num arranha-céu
No alto da montanha, num arranha-céu
Se eu pudesse, ao menos te contar
O que se enxerga lá do alto
Com céu aberto, limpo e claro
Ou com os olhos fechados
Se eu pudesse ao menos te levar comigo lá
Pro alto da montanha, num arranha-céu
Pro alto da montanha, num arranha-céu
Sem final feliz ou infeliz, atores sem papel
No alto da montanha, à toa, ao léu
Nem tão longe, impossível
Nem tampouco lá, já
No alto da montanha, num arranha-céu
No alto da montanha, num arranha-céu
Sem final feliz ou infeliz, atores sem papel
No alto da montanha, num arranha-céu
Outra importante forma de expressão do convívio entre os povos é a nossa paixão pelo futebol. Com 11 anos, acompanhei com atenção e preocupação as Eliminatórias para a Copa do Mundo no México de 1986, quando a Seleção Brasileira estava no grupo que tinha o Paraguai e a Bolívia. Jogo de estreia tenso contra a Bolívia, em Santa Cruz de la Sierra. Hoje, analisando em retrospectiva aquele jogo de 1985, penso que se a partida fosse disputada aqui, em La Paz, o desfecho poderia ter sido outro. Lembro-me até hoje do time brasileiro: Carlos, Leandro, Oscar, Edinho e Júnior; Toninho Cerezo, Sócrates e Zico; Renato Gaúcho, Casagrande (Careca) e Éder. Técnico: Telê Santana. O time boliviano formado com Luis Galarza; Jhonny Herrera, Edgar Vaca (Miguel Noro), Rolando Coimbra e Roberto Pérez; Edgar Castillo, Milton Melgar e Erwin Romero; Roly Paniagua, Carlos Sánchez e Silvio Rojas - Técnico: Raúl Pino. Com dignidade, na partida de volta disputada no Morumbi, estádio do São Paulo, a Bolívia se despediu honrosamente com um empate de 1 x 1 com a nossa seleção.
Anos mais tarde, saúdo o povo boliviano pela campanha nas Eliminatórias para a Copa do Mundo de 1994 nos Estados Unidos, quando impôs ao Brasil, no ano anterior, a sua primeira derrota nas Eliminatórias, no time que se superou e encantou a todos: Carlos Trucco; Rimba, Quinteros, Sandy e Cristaldo; Borja, Melgar, Sánchez (Peña) e Baldiviezo; Ramallo (Castillo) e Etcheverry. Técnico: Xabier Francisco Azkargorta. O Brasil foi vencido com Taffarel; Cafu, Válber, Márcio Santos e Leonardo; Mauro Silva, Luis Henrique (Jorginho), Raí (Palhinha) e Zinho; Bebeto e Muller. Técnico: Carlos Alberto Parreira.
Aos olhos do mundo, na abertura da Copa do Mundo nos Estados Unidos, coube a Bolívia a partida de abertura, contra a então atual campeã Alemanha, na sua primeira Copa como país reunificado. Minha paixão pelo futebol me levou a abraçar a missão de ser um treinador mental para auxiliar atletas individuais de ponta e comissões técnicas. Com métodos científicos baseados em Filosofia, ofereço sabedorias milenares objetivando a manutenção do foco, da concentração, do objetivo em comum e de oferecer ferramentas para potencializar o jogo, Apoiado também no meu exercício prático de jogar futebol. Sou um goleiro amador que aos 50 anos ainda insiste em enfrentar adversários de 20 e poucos. Não me cobrem excelência neste meu jogo diletante.
Migrando para a literatura, data deste período as reminiscências que compuseram o meu primeiro livro infantil, chamado Do Pequeno Ao Grande Mundo. Inédito ainda no Brasil, a não ser por uma publicação na Revista da qual sou editor, a Conhece-te, foi um livro que fez enorme sucesso na Costa Rica, América Central. Do que se trata? Um menino aficionado por estudos, geografia e futebol compreende que uma Copa do Mundo de Futebol é uma imensa possibilidade de intercâmbio com outros povos e cultura. Abordando as 24 seleções que participaram da Copa do México em 1986, ele imagina, na sua cidadezinha de 3 mil habitantes, como seria visitar, conhecer e aprender com outros povos. Decorava as capitais dos países mundiais e a sua imaginação o levava a viajar no tapete voador das Mil e Uma Noites. Fica o convite para que uma boa editora boliviana se interesse por este meu livro e que permita a muitos meninos bolivianos sonharem, assim como eu sonhei um dia. Uma crítica literária foi feita pela estudante costarriquenha Priscilla Solano Siles, cito:
O conto Do Pequeno ao Grande Mundo nos permite apreciar como esta leitura deixa um grande ensinamento e lição de vida a partir da valentia e da vontade de vencer de um garoto de apenas dez anos e de escassos recursos. E ainda, como isto não significou nenhum obstáculo ou problema para ele, ao conseguir seguir adiante em seus objetivos.
Esta leitura nos faz refletir sobre o poder que pode chegar a ser a imaginação do ser humano. Esta pequena criança, através de um livro de geografia, se pôs a imaginar como seriam todos aqueles países e continentes tão distantes a ele, só com o fim de separar-se um pouco da realidade tão miserável em que se encontrava. Mas, o que não imaginou foi que, desta forma, conseguiu treinar sua memória e ao cabo de pouco tempo aprendeu mais de dez países com sua respectiva capital.
Com o passar dos anos, aquele menino pobre se tornou um grande escritor, que andava em excursão a promover o seu novo livro nos países europeus, muitos dos quais, sonhava quando criança. Naquele momento, todas aquelas viagens da sua imaginação tinham se tornado reais; ele havia conseguido cumprir o que tanto desejava.
É importante ressaltar a relevância e o impacto que tem a imaginação do ser humano em cada pessoa e, como esta afeta a vida, seja de maneira negativa ou positiva. Também é importante refletir que todos temos a capacidade de ser e de chegar onde nós quisermos, não importa as circunstâncias que nos encontremos; se o desejarmos e nos esforçarmos a isso, em algum momento de nossa vida, chegará.
Devo a Costa Rica, aos seus estudantes e ao povo como um todo, a compreensão do desbravamento de meus escritos, sentindo-me cada vez mais um autor latino-americano, expandindo as minhas ideias e realizando intercâmbios culturais e literários. Com que alegria li conto meu publicado em uma importante revista da Colômbia. Que satisfação ter história minha publicada em periódico da Venezuela. Que honra ter deixado meus livros em livraria de Lima (Peru) e no Centro Cultural do Brasil naquele país. Que satisfação ter visitado os mesmos lugares onde Juan Carlos Onetti frequentou em Montevidéu, Uruguai. Que satisfação ter enviado meus originais a editores do Paraguai. Que satisfação ter tomado conhecimento da cena literária independente em Santiago, Chile. Que orgulho ter participado da Feira do Livro da Guatemala. Que satisfação ter lançado um dos meus títulos, a novela “Tolerância”, durante a Feira do Livro de Buenos Aires, Argentina, no ano passado, e foi neste evento que tive a honra de conhecer um importante guardador de tesouros deste país tão maravilhoso quanto a Bolívia: pois todo livreiro é para mim um importante guardador de tesouros, disseminador de cultura e literatura, o senhor Jorge Dorval. Numa conversa amigável e fraterna, onde ele tolerou o meu mau espanhol, conversamos e partiu dele a pergunta se eu gostaria de apresentar o meu trabalho no seu país. E cá estamos.
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Nós escritores tratamos os nossos livros como se fossem filhos. Deste modo, nomear é uma forma de chamar ao coração e menciono aqui todos os meus livros, a ver: Muito Humano Demais, Nós; 23 horas, 59 minutos: reminiscências do que está por vir; Um Café com Sartre, Pimenta, Sal & Alho, Minhas Mulheres; O Filósofo Idiota: o livro proibido na UFSJ; Acústico MPR: os piores sucessos & os melhores fracassos de Marcelo Pereira Rodrigues; Corda Sobre o Abismo; Perfume de Mulher; A Queda; Fernando, o Lusitano Brasileiro; Um Mergulho na Literatura Clássica; O Dia de Folga; Tolerância; Ensaios de Filosofia.
Mais do que um escritor, me vejo como um leitor. Amante dos livros de Balzac, Dickens, Oscar Wilde, Dostoievski, Sartre, Camus, Borges e outros, como ficcionista meu compromisso é com a composição de boas estórias (nem sempre se cumpre a contento). Fora dos modismos ideológicos, da escrita panfletária, o compromisso é com uma história bem elaborada, que faça refletir além do simples entretenimento, que seja profunda e incomode a leitores dispostos a se confrontarem consigo mesmos, afinal, aprendi com Franz Kafka que todo bom livro deve ser um machado que vá quebrar o gelo de nossa indiferença.
Estando eu em vias de completar 50 anos, no próximo dia 20, neste momento emociono-me ao cumprir um rito de passagem e fazer do idílio outrora sonhado a concretude neste trabalho tão importante de representar o Brasil mundo afora. Mundo do alto, vista de cima, e remeto aqui a uma outra faceta de minha personalidade, a de filósofo, lembrando Friedrich Nietzsche, pensador alemão nascido em 1844 e falecido em 1900. Tinha ele uma metáfora associando os seus escritos e as suas ideias à uma montanha bastante alta. Alertava ele: minha forma de pensar não é para todos. O risco de se resfriarem é muito alto. Pois penso que a montanha significa excelência, para além da simples altitude. Felicito o povo boliviano e os moradores de La Paz por este olhar de águia, o condor da Cordilheira dos Andes que tudo observa e analisa.
Fazendo uma interseção de filosofia com tolerância, tema de uma de minhas mais importantes novelas, que é homônimo, foi um livro preparado para participar de um dos mais importantes prêmios de língua espanhola, o Alfaguara, em 2020. Escrito primeiramente em espanhol, a posteriori traduzido e publicado no Brasil e em Portugal, Tolerância trata exatamente do seu oposto: da intolerância que observamos no nosso dia a dia, da xenofobia que significa quase eliminação, traindo os ideais dos Direitos Universais e ideologizando tudo, a despeito de qualquer aproximação possível. A amizade, a igualdade, a fraternidade e a liberdade são diariamente bombardeadas, de modo implícito e explícito, assim, esta minha novela que tem como cenário Lisboa, Paris, Madrid, Emirados Árabes Unidos, Congo Belga e Venezuela, findando numa fazenda do interior de minha província, Minas Gerais, dá a volta ao mundo para expressar a preocupação com essa intolerância reinante. Este livro traz um portal e serve como exemplo a todos nós escritores.
Como estamos na era do parecer ser que se sobrepõe ao ser, pura e simplesmente, o protagonista, Luís, trabalha como garçom em um requintado restaurante da capital portuguesa, o Martinho da Arcada. Lavando copos, servindo mesas, auxiliando na cozinha, nas horas vagas escreve e o resultado disso é que se transforma num escritor de ofício, vivendo pela e para a literatura. Certamente inspirador para todos nós que sonhamos um dia galgar os degraus da fama, mas, como a missão de um filósofo escritor é problematizar o enredo, o sucesso traz-lhe dissabores, numa época irrefletida e que o torna alvo de fundamentalistas islâmicos, numa história que antecedeu o ocorrido ao escritor Salman Rushdie. Aqui, infelizmente, a ficção anteviu a realidade. Disponível na Amazon, Tolerância merece ser publicada por uma boa editora daqui. Vamos negociar?
Nestas minhas andanças pelo mundo, imaginárias, editoriais e presenciais, sendo estas últimas as mais marcantes, pois sentimos o contato direto com as pessoas e aprendemos tanto com elas, cito meus escritos em países tão distantes quanto Uzbequistão, Paquistão, Rússia, Portugal (onde tive dois livros publicados e trabalhei para uma revista cultural e literária, O Barrete, por 4 anos), Suíça, Espanha, México, El Salvador, Porto Rico, Estados Unidos (onde sou membro da Academia Brasileira Internacional de Letras com sede em Nova York), lembro-me de visitar a casa do escritor laureado com o Prêmio Nobel Pablo Neruda, na casa em que ele vivia com a sua Descabelada, e ver um mapa com alguns pontos coloridos assinalando os países onde o escritor havia estado. Quem diria que aquele menino pobre nascido no árido deserto chileno ganharia o mundo por intermédio de suas palavras e emoções! Retornando ao meu livro infantil Do Pequeno Ao Grande Mundo, esta cena foi inspirada e eu mesmo criei o hábito de colocar botõezinhos no mapa emoldurado em vidro e agora, estando na Bolívia, os senhores e senhoras me impõem tarefa árdua, que será a de encomendar um botão em forma de coração para cravar no nome La Paz, significando a minha alegria de estar aqui neste maravilhoso e literário dia.
Ao ser questionado pela Embaixada do meu país aqui na Bolívia, mais do que racionalizar um tema e soar pedante, elenquei no título tópicos para uma conversação informal que, espero de coração, possa não ter soado chata e maçante. Agradeço mais uma vez a atenção, às pessoas que fizeram um esforço para contratarem a minha humilde apresentação e levarei sempre ao mundo as impressões tão felizes da Bolívia.
Ressaltando um grande músico de minha província, Minas Gerais, feliz ao fazer esta ponte Minas-La Paz, convido a ouvirmos este verdadeiro hino de Milton Nascimento que discorre sobre amizade. Sinto-me a partir de hoje um pouquinho boliviano, e assim me despeço:
Canção da América
Milton Nascimento
Amigo é coisa pra se guardar
Debaixo de sete chaves
Dentro do coração
Assim falava a canção que na América ouvi
Mas quem cantava chorou
Ao ver o seu amigo partir
Mas quem ficou, no pensamento voou
Com seu canto que o outro lembrou
E quem voou, no pensamento ficou
Com a lembrança que o outro cantou
Amigo é coisa pra se guardar
No lado esquerdo do peito
Mesmo que o tempo e a distância digam: Não
Mesmo esquecendo a canção
O que importa é ouvir
A voz que vem do coração
Pois seja o que vier (seja o que vier)
Venha o que vier (venha o que vier)
Qualquer dia, amigo, eu volto a te encontrar
Qualquer dia, amigo, a gente vai se encontrar
Seja o que vier (seja o que vier)
Venha o que vier (venha o que vier)
Qualquer dia, amigo, eu volto a te encontrar
Qualquer dia, amigo, a gente vai se encontrar