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Helena Chagas: As torcidas estão ficando violentas

“Com a contaminação de tudo e de todos pelo clima de radicalização e beligerância no Fla-Flu que tomou conta da política, ninguém mais acredita no juiz nem em decisão técnica, e a maioria quer mesmo é jogar para a platéia”

 

POLÍTICA

 

      O enfrentamento entre manifestantes pró e contra Lula em frente ao Fórum da Barra Funda, que deixou feridos e gerou imagens de violência, não foi surpresa para ninguém. Antes mesmo de marcado o depoimento de Lula e D.Marisa sobre o triplex no Guarujá - que não houve – o andar da carruagem da radicalização política já indicava que em algum momento haveria confrontos desse tipo. O pior é que é possível supor que, a continuarem as coisas no passo em que estão, corremos o risco de novos conflitos, distúrbios, confusões e sabe-se lá mais o quê.

       As razões de fundo podem ser muitas e complexas, tendo raízes nas falhas do sistema político, nas divisões, nas dificuldades econômicas e nas insatisfações sociais que se acirraram ao longo dos últimos meses. Mas o detonador do momento é a inclusão do ex-presidente Lula no centro das investigações da Lava Jato.

      Ainda que sua imagem esteja arranhada, o PT desgastado e o governo impopular, Lula ainda tem capacidade para mobilizar a militância do PT, seus movimentos sociais e, quem sabe até, muito mais gente. Nas sociedades divididas e radicalizadas, as coisas funcionam assim, e os 20% de Lula sabem fazer barulho.

      O outro lado, que defende o impeachment e a erradicação do projeto petista, não conseguiu até hoje levar grandes massas às ruas para pressionar por seus objetivos de forma irreversível. Mas tomou gosto pelas manifestações, juntou-se à oposição e tem apoio da classe média insatisfeita e de setores do empresariado.  

      É bem provável que essas duas turmas continuem a se encontrar, cada vez com mais freqüência, nas ruas de grandes cidades como São Paulo. Se isso vai se transformar numa escalada de violência e confrontos entre grupos políticos, numa situação de insegurança que pode dificultar a governabilidade - algo absolutamente impensável da sociedade brasileira até pouco tempo atrás - não se sabe. Mas há um risco.

     Só o que se sabe é que cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém, inclusive às instituições e forças políticas que, na democracia representativa, têm obrigação de agir com responsabilidade para preservar o patrimônio de todos – físico e moral. Se não houver equilíbrio nas investigações, justiça nos julgamentos e serenidade de investigadores e investigados, o caminho do confronto é inevitável.

      Queremos dizer com isso que o ex-presidente Lula não pode ser investigado e nem prestar depoimento? Claro que não. É preciso repetir à exaustão: nem Lula nem ninguém está acima da lei. Mas também não está abaixo. O ex-presidente pode e deve responder pelos seus atos e, se errou, deve pagar por isso. Como qualquer brasileiro, porém, merece tratamento justo e imparcial por parte das autoridades de investigação, incluindo aí o direito de não ser exposto e execrado em praça pública antes de qualquer julgamento. Só isso. Sem entrar no mérito do triplex, do sítio de Atibaia, etc.

      No caso específico do depoimento ao Ministério Público de São Paulo, anteriormente marcado para esta quarta, não houve maiores surpresas nos meios jurídicos em relação à liminar concedida pelo conselheiro do Conselho Nacional do Ministério Público, o juiz federal Valter Araújo. Órgão de fiscalização interna do Ministério Público, o Conselho costuma advertir promotores e procuradores que têm comportamento midiático – acusação que pesa sobre Cássio Conserino, o acusador de Lula, por ter dado entrevista à Veja informando ter elementos para processar o ex-presidente por ocultação de patrimônio antes mesmo de ouvi-lo.

       Também será avaliado pelo CNPM se o promotor seguiu ou não a Resolução 13, que regulamenta a investigação criminal no âmbito do Ministério Público para evitar desvios ou abuso de poder, preservando o "princípio do promotor natural". Ou seja, ninguém pode escolher pessoalmente quem vai avaliar uma representação, investigar um fato, e nem um membro do MP pode invadir as atribuições de outro. Por isso existem regras internas para a distribuição de processos.

       Mas nada disso quer dizer que Lula não prestará o depoimento, que foi apenas suspenso, e nem o conselheiro entrou no mérito das acusações contra o ex-presidente. Ele apenas sustou a data de um depoimento para que a situação seja examinada e se certifique que nenhuma injustiça ou irregularidade esteja sendo cometida. Valter Araújo é um juiz técnico que tomou uma decisão técnica e a vida continua dentro dos trâmites e ritos normais da Justiça, como deve ser.

 

       É aí que está o nó dessa situação: a contaminação de tudo e de todos pelo clima de radicalização e beligerância. No Fla-Flu que tomou conta da política brasileira, ninguém mais acredita em decisão técnica e a maioria quer mesmo é jogar para a platéia, em transmissões ao vivo. O perigo agora é que as torcidas estão ficando violentas.

 

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