Análise do processo de lavra da pedra Um modo de ver e sentir a Pedra

A Pedra é o material de construção por excelência e a ela se recorreu sempre em busca de solidez e durabilidade. A sua resistência às intempéries, permite-nos recolher uma grande quantidade de dados históricos que se convertem em fontes documentais de grande importância. A Pedra regista o modo de vida e adquire os vestígios das vicissitudes da Arquitectura ao longo do tempo. A estas características materiais acrescenta-se o carácter histórico e social. A dificuldade de extracção, transformação, transporte e manuseamento conferiram à Pedra grande valor material, pelo que só os que gozavam de elevada posição social e económica poderiam sonhar com grandes construções em pedra.

A Pedra é um material natural. Desde sempre terá sido utilizado, a par da madeira e dos materiais argilosos ou de terra, para a construção e/ou marcação de espaços e sítios com as mais variadas funções. Considerando que o carácter essencial da Arquitectura reside no uso de um vocabulário tridimensional que inclui o homem, podemos afirmar que os primeiros exemplos da Arquitectura que nos chegam são de natureza pétrea: a caverna, o dólmen, o menhir e outros elementos similares existentes na área mediterrânea. Tais construções prescindem da função habitar, antes assumindo fins, principalmente, rituais e religiosos. Estando a pedra apenas levemente aparelhada, toda a expressão arquitectónica resume-se na sua expressividade, dimensões e disposição das peças.

O processo construtivo segue o impulso da Arquitectura. As necessidades da construção obrigam a diversificar a disposição das pedras. A exigência de estabilidade das construções obrigou ao início do processo de regularizar as peças de pedra de modo a facilitar a sua justaposição e travamento. O passo seguinte, resulta da necessidade de criar vãos, Origina o aparelhamento das pedras de modo a criar superfícies regulares, em que um grande elemento horizontal se apoia em dois verticais – está assim criado o pórtico (a grande invenção da Arquitectura), limitado apenas pelas características de resistência do material.

A capacidade de aparelhar pedras e o uso de grampos metálicos permite um novo desenvolvimento técnico que passa pela possibilidade de por um lado, construir paredes de blocos aparelhados e por outro a fixação de peças de materiais de melhor qualidade, cortadas com menores espessuras para revestimento de paredes executadas com elementos pétreos de grandes dimensões apenas esquadriadas.

Todas as evoluções técnicas e regras criadas ao longo do tempo para o trabalho com Pedra começam a cair no esquecimento, devido às novas correntes racionalistas associadas ao aparecimento de novos materiais como o aço, o betão e o vidro. Este esquecimento implica uma falta de aprofundamento, ou mesmo uma quebra no processo da evolução técnica e científica do uso da pedra. Estes novos materiais, que ao permitirem uma Arquitectura quase sem fronteiras associadas a conceitos universais da razão e da técnica, faz com que a Pedra quase deixe de ser utilizada como material estrutural e seja relegado a mero material de revestimento.

Poderá considerar-se como razão não menos importante, a constante procura de novos materiais ou mais ligeiros, que permitam uma maior rentabilidade quer em termos de maior produtividade e / ou melhores resistências com menor quantidade de material empregue. Assim, urge repensar o processo de lavra da Pedra, bem como reavaliar o vazio no campo da estereotomia e da sua leitura actual.


Ao conceito clássico de que a estereotomia é uma ciência que por intermédio da geometria descritiva, trata do corte e/ou divisão dos materiais empregues na indústria ou construção, deverá acrescentar-se o método e sistema de aplicação das partes no todo. Assim, deveria desenvolver-se o reconhecimento das regras de relação e proporção geométrica clássicas, no uso e aplicação construtiva da Pedra de modo a permitir na Obra, uma estereotomia adequada ao material e servindo o objectivo da concepção projectual.

Actualmente, o ponto fulcral da estereotomia passa principalmente pelo uso da Pedra em revestimento de elementos verticais, segundo normas técnicas recentes. Pressupõe-se a necessidade da cobertura do vazio existente no campo da estereotomia e sua leitura actual, bem como a interligação dos campos teóricos (técnico-científico) e prático (empírico) no âmbito das pedras e suas aplicações construtivas.

A tecnologia do trabalho da Pedra evoluiu e permite responder ao projecto de Arquitectura de forma diferente das do passado. Existem contudo relações geométricas nas aplicações da Pedra, como material de revestimento, que sendo importantes na estereotomia moderna, tem sido ora esquecidas ou mesmo ignoradas. Existe por outro lado a necessidade de sistematizar o conhecimento da Arquitectura ao nível do projecto, de um ramo industrial fornecedor dos materiais para as obras, da técnica da aplicação da Pedra, bem como do acompanhamento da aplicação da Pedra como material de revestimento.

Torna-se necessário estabelecer um conjunto de regras que possam interligar-se com os actuais trabalhos de revestimento de edifícios com pedras naturais que passam pelos seguintes pontos, suas condicionantes e interligações:

01 – Tipo de edifício / obra

01.1 – Sistemas construtivos e materiais empregues.

01.2 – Idade do edifício – Construção nova ou recuperação.

01.3 – Dimensões do edifício e sua localização.

02     – Material a utilizar.

02.1 – Caracterização das pedras e a sua adequabilidade ao uso, no que diz respeito às suas características mecânicas, de absorção de água e de durabilidade.

02.2 – Verificação da existência das quantidades de pedra necessárias (stock’s antigos ou possibilidade e exploração em tempo útil.

02.3  - Opções estéticas.

03     – Dimensionamento

03.1 – Depende do tipo de pedra a utilizar.

03.2  - A espessura das placas de pedra, para além do tipo desta, é função das áreas das mesmas.

04     – Processo de aplicação e / ou sistema de fixação

04.1 – Análise dos sistemas de fixação comercializados.

04.2 – Depende do tipo de pedra a utilizar

04.3 – Deverá considerar-se a localização do edifício bem como as condições climatéricas (vento, amplitude térmica, acção de ar marítimo, etc.).

04.4 – No caso da utilização de sistemas de fixação mecânica, deverá ser analisada a composição dos elementos metálicos e sua resistência à corrosão.

04.5 – Possível necessidade de concepção de elementos e/ou sistemas de fixação.

05     – Tipo de formação do pessoal que fará a aplicação.

Para o estabelecimento deste conjunto de regras, há que relacionar os pontos atrás descritos, analisá-los individualmente e equacioná-los em conjunto.

A universalização de um padrão estético exige que haja, da parte dos intervenientes no processo construtivo, uma elevada consciência das regras e das limitações que estão na sua génese. Exige ainda que o cidadão comum aprenda a ver e a ser crítico, não bastando apenas gostar mas também compreender. De modo a evitar que o gosto pela utilização da Pedra na Arquitectura se torne no principal instrumento da sua desvalorização, será indispensável a educação visual, a melhoria da qualificação dos projectistas e construtores e ainda um uso correcto e adequado das tecnologias de produção e aplicação dos materiais construtivos.

Seria deveras interessante a análise da evolução e transmissão dos conhecimentos técnico-científicos e empíricos, no âmbito da Pedra e suas aplicações construtivas bem como a sua interligação. Não deverá ser descurada a manutenção do conhecimento e informação junto das memórias do conhecimento prático acumulado.

Da análise da estereotomia de construções em Pedra ou com elementos construtivos em Pedra (embasamentos, entablamentos, cunhais, vãos de porta e de janela, varandas, etc.), notam-se semelhanças, sempre relacionadas com o tipo de material, sendo possível relacionar as medidas e as proporções dos elementos construtivos com as do corpo humano e / ou sistemas de medição (palmo, mão travéssa, braça, etc.). É ainda possível estabelecer relações de proporção em elementos construtivos de diferentes materiais como seja o caso das relações comprimento/largura/espessura de 3:2:1, 5:2:1, 5:4:3, ou relação base/altura de 1:10.


Existem muitos livros e publicações sobre pedras como material de construção. Neles pode ler-se sobre: a) as características físicas, químicas e mecânicas b) o universo de temas relacionados com pedreiras, métodos de extracção e aparelhamento de blocos c) os métodos de redução da pedra a pequenos fragmentos d) os diferentes tipos de transformação e acabamentos que podem ter as pedras. Há outro tipo de publicações mais escasso, que falam sobre os elementos em Pedra que podem ser utilizados em Arquitectura, bem como sobre os sistemas construtivos e de fixação. Torna-se no entanto difícil encontrar documentação sobre a síntese e a sistematização do processo de lavra da Pedra desde a pedreira até à sua aplicação em obra.

Do mesmo modo, a excessiva especialização e sectorização da indústria extractiva, transformadora e aplicação, faz com que a pedra seja considerada como mais um material de revestimento dentro do universo do comércio de materiais para que caminha a construção.

A Pedra é um material nobre devendo continuar a sê-lo. Não há pedras bonitas ou feias, boas ou más, havendo isso sim boas e más aplicações da Pedra. Torna-se assim importante que a indústria regresse à construção, não como mero fornecedor de materiais de construção, mas sim como um elemento integrante activo nas obras, aproveitando todo o conhecimento e experiência adquirida, ou porventura não esquecida.


Muito bem escrito. É um prazer ver alguém descrever tão bem um material e as suas características

Entre para ver ou adicionar um comentário

Outras pessoas também visualizaram

Conferir tópicos