Ao invés de educar seu filho para enfrentar a dureza da vida, eduque-o para tornar a vida do outro menos dura
Por Ronaldo Duarte
Quando se fala em educar um filho, uma das frases mais comuns vindas de pais e cuidadores, considerando-se suas variações, é a seguinte: "Preciso educar o meu filho para saber lidar com a dureza da vida, porque a vida lá fora é dura."
Do alto dos meus 26 anos de idade, aprendi que a "vida" é uma abstração para definir pessoas. Pessoas que são duras.
E por que as pessoas são duras?
As pessoas são duras porque foi assim que seus pais as criaram, sendo ríspidos com elas quando erravam, pois: 1 - aprenderam assim com seus pais e/ou 2 - estavam preparando seus filhos para enfrentarem o rigor excessivo de outras pessoas fora de seu círculo familiar e/ou social, as quais também foram instruídas deste mesmo modo.
Na realidade, em essência, ninguém é duro.
As pessoas se tornam duras e hostis porque a educação de um filho para enfrentar a rudeza da "vida" leva os filhos a aprenderem dois conceitos, sendo o último o mais perigoso de todos.
O primeiro conceito é o de que o indivíduo que erra é merecedor de ser tratado com dureza, sem que haja empatia para com o erro, ensinando-o a não repeti-lo, não de forma dura, mas compreensiva e acolhedora.
O segundo é o de que, se quem erra merece ser tratado com aspereza, consequentemente, é um direito dele ser severo em julgar ou mesmo condenar o outro frente ao equívoco cometido. Afinal, se, quando ele erra, o outro é a "vida dura" dele, sendo ríspido para com este quando erra, logo, quando o erro é do outro, ele é a "vida dura" do interlocutor, podendo agir do mesmo modo.
Contudo, se observarmos alguns bebês numa incubadora, veremos a real essência do ser humano: ninguém é duro ou hostil. Nos tornamos duros e hostis porque fomos ensinados que os outros lá fora são assim, de modo que nos tornamos ásperos a fim de nos defendermos da rudeza do outro. Mas, não fosse este ensinamento passado de geração em geração até os dias de hoje, ninguém trataria o outro desta maneira, pois, no fundo, todos somos amáveis, compreensivos e empáticos.
"Quando você muda, o mundo muda."
Esta ideia é comumente apresentada a adolescentes que buscam mudar o mundo, mas, na imaturidade e inconsequência próprias da idade, não sabem como fazê-lo da melhor maneira. É comum ouvirmos ou lermos pessoas que, numa tentativa de enfraquecer o ímpeto dos jovens pela mudança, digam algo como: "Jovens querem arrumar o mundo, sendo que sequer arrumam a própria cama."
Humberto Gessinger, em sua música "Estranho Fetiche", lançada em 2019, cita no refrão: "O sonho de mudar o mundo ao menos muda o sonhador." Isto porque o sonhador passa a mudar sua forma de falar, pensar e agir, o que concatena com o seu discurso de transformação. Ao verem os resultados positivos na vida daquele que idealizou a modificação em algum setor da vida, é possível que algumas pessoas queiram seguir os mesmos passos, a fim de alcançar o mesmo êxito nas mesmas áreas de suas vidas.
Com isto, se todos nos esforçarmos para criar nossos filhos, presentes ou futuros, não para suportar a dureza da vida, mas para tornar mais leve a vida dos demais ao redor, ajudaremos, ainda que em parte, a construir um mundo melhor.
"Falar é fácil, o difícil é pôr em prática."
Ainda segundo Gessinger, de acordo com sua música "Vertical", lançada em 2007 no álbum "Novos Horizontes", "saber todo mundo sabe, querer todo mundo quer. Mais fácil falar do que fazer."
Sabemos o quanto pode ser difícil nos desvencilharmos da criação austera que alguns de nós tivemos. Todavia, nos esforçarmos para tornar o mundo melhor não deve ser visto como um fardo, mas sim como uma medida que tomamos em prol de um mundo melhor para as gerações de nossos descendentes.
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Também conhecemos as dificuldades de administrar diversos campos da vida e ainda se lembrar de tratar os filhos de modo diferente do que se era tratado quando se tinha a mesma idade. Mas a mudança vale a pena e trará, a longo prazo, resultados maravilhosos para o mundo como um todo. Caso você sinta qualquer sobrecarga, sempre é válido pedir e buscar ajuda.
"Se eu não ensinar o meu filho a enfrentar a dureza da vida, ele se tornará fraco, frágil, hipersensível, etc."
Compreendo a sua preocupação em criar filhos que suportem as frustrações e decepções, que, dado o livre arbítrio humano, são naturais e, hora ou outra, podem acontecer. É claro que devemos educar nossas crianças e nossos adolescentes para suportarem frustrações. No entanto, é preciso sermos cautelosos para não os submetermos a insatisfações desnecessárias apenas como "treinamento" para lidar com decepções.
Do contrário, você pode ter, no futuro, um filho que é super "vacinado" contra frustrações, mas que, em contrapartida, não sabe o que quer da vida, pois nunca pôde escolher nada, afinal, quando tentava fazer quaisquer escolhas, os pais logo se impunham e decidiam sempre o contrário do que ele queria, levando-o a crer que não é digno de nada e que, consequentemente, não pode ter vontades, estando sujeito a qualquer coisa: qualquer emprego, qualquer relacionamento, qualquer moradia, etc.
As pessoas lá fora farão o trabalho de prover as situações que desapontarão o seu filho em algum momento. Cabe a você, enquanto pai/mãe ou cuidador, ajudá-lo a administrar este sentimento e seguir em frente, não de maneira forçada ou mesmo anulando o que o jovem sente no momento, mas ajudando-o, de maneira inteligente, a extrair aprendizado da situação, analisar o que levou-o àquele desgosto e auxiliá-lo na composição de estratégias para evitar que tais desilusões ocorram, caso esteja ao seu alcance e sob seu controle, ou mesmo a lidar com os sentimentos provenientes de resultados inesperados, caso esteja além de suas forças e/ou possibilidades reverter o desfecho da situação em questão.
É perfeitamente possível saber administrar reveses intrínsecos aos caminhos da vida e, ao mesmo tempo, ser mais gentil, amável e compassivo para com o outro quando isto se fizer necessário. Caso tenha dificuldade em equilibrar os ensinamentos de tolerância à frustração e correção dos erros de forma amorosa e compreensiva na educação do seu filho, é sempre válido pedir e procurar ajuda. Fazê-lo não te fará menos humano, menos digno ou mesmo menos homem (caso você o seja) por causa disto.
Também é importante ficarmos atentos para ver se não estamos sendo duros com um jovem, de maneira que não seríamos com outra pessoa da qual dependêssemos, como um patrão, por exemplo. Se você tem um patrão e depende do sustento dele, ainda que condene seu erro, a menos que seja algo criminoso ou socialmente reprovável, dificilmente você o censurará de maneira dura. Então, por que fazer isto com alguém que é sangue do seu sangue e que, em caso de mães com filhos biológicos, veio ao mundo através de você?
"Se eu não for duro com o meu filho quando necessário, a vida lá fora será dura, e não terá a mesma compreensão que tenho com ele."
Para responder a esta questão, peço que você releia o segundo tópico em negrito. Obviamente que a mudança no mundo não acontecerá da noite para o dia, mas, com cada pai/mãe e/ou cuidador fazendo a sua parte, é possível que tenhamos um mundo melhor. É um "trabalho de formiga" que vale a pena.
"Você falou, falou, falou... mas o que tudo isto tem a ver com o mercado de trabalho? Afinal estamos no Linkedin. Isto aqui não é (ou não era para ser) um diário de desabafo seu."
Você tem razão.
Parece que nada que eu escrevo tem a ver com o mercado de trabalho, certo? Mas você se engana. No caso deste texto, bem como outros que escrevi, há uma estreita relação com o ambiente corporativo.
Neste artigo em específico, busco salientar que, se você educar seu filho, não para enfrentar a dureza da vida, mas sim para tornar a vida dos demais menos dura, isto terá fortes (e positivos) impactos no mercado de trabalho.
Isto porque ele será um colaborador mais amável, empático e compreensivo com o outro, o que se refletirá na maneira como trabalha e lida com o público. Caso, eventualmente, seja promovido, seu filho será um excelente gestor e líder, caso tenha sido educado para tornar menos dura a vida dos subordinados.
Deixar de ser duro para com o outro não é eximi-lo de obrigações, mas levá-lo a cumpri-las não por obrigação, e sim por motivação, de modo que a tarefa deixe de ser vista como uma carga e sim como um novo desafio.
E então, "bora" tornar a vida menos dura como um todo?