Aperte verde e confirme: o discurso ambiental dos presidenciáveis
ELEIÇÃO
ACERVO ONLINE | BRASIL por Luiz Enrique Vieira de Souza outubro 2, 2018 Imagem por Arquivo Agência Brasil
O despreparo e ausência de estratégias para lidar com os problemas ambientais evidenciam-se em ambos os polos do espectro ideológico
Um raro consenso entre os candidatos à presidência da República é a percepção de que em outubro os brasileiros irão às urnas em meio a um cenário de grave crise econômica, política e ética. Não deixa de ser paradoxal, no entanto, que os problemas ambientais fiquem em segundo plano no confronto democrático, mesmo em face dos preocupantes prognósticos a respeito das mudanças climáticas, dos elevados índices de desmatamento e de uma longa lista de desequilíbrios ecossistêmicos provocados pela ação humana. Aliás, nem mesmo as tragédias de Mariana e Barcarena conseguiram elevar o meio ambiente ao mesmo nível de importância que se confere aos debates sobre desemprego, segurança pública e corrupção.
Em contraposição a essa tendência, tomei a iniciativa de ler os planos de governo que os presidenciáveis registraram na justiça eleitoral e analisar seus respectivos discursos sobre o meio ambiente. É claro que o eleitor mais cético levantará a objeção de que existe uma grande diferença entre as promessas dos candidatos e suas ações práticas quando eleitos, por isso orientei meu olhar não apenas para identificar as contradições presentes nesses documentos, como também o eventual descompasso entre as declarações de compromisso com o meio ambiente e a trajetória política dos candidatos.
O despreparo e ausência de estratégias para lidar com os problemas ambientais evidenciam-se em ambos os polos do espectro ideológico – desde o conservador Cabo Daciolo (Patriota), em cujo plano de governo não se encontra qualquer diretriz para a garantia da sustentabilidade, até a revolucionária Vera Lúcia (PSTU), que apresenta tão somente a “nacionalização e estatização do grande latifúndio” como milagre capaz de resolver as várias formas de poluição e riscos ambientais em toda a sua complexidade.
O (des)compromisso com a sustentabilidade tampouco se explica em função da expressividade eleitoral dos candidatos, já que tanto o pouco conhecido Eymael (DC) como o relativamente competitivo ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB) pouco oferecem ao leitor nesse quesito. Enquanto Eymael limita-se ao clichê de que “a Terra é a pátria dos homens”, o tucano compromete-se vagamente com as metas do acordo de Paris, sem detalhar os meios pelos quais o Brasil deve persegui-las.
Ao afirmar que “seremos firmes e técnicos na questão ambiental”, Alckmin vira as costas não apenas à sustentabilidade como à própria democracia, pois esvazia o debate público sobre a questão e transfere o poder decisório do eleitor para os experts de gabinete (lembrando-se que em seu período no Palácio dos Bandeirantes, Alckmin aparelhou a pasta de meio ambiente com seus aliados políticos e interferiu em pareceres técnicos).
Uma crítica análoga também vale para Álvaro Dias (Podemos), cujo eixo consiste em utilizar a “tecnologia como aliada para preservar o meio ambiente”, mas sem apresentar as mediações pelas quais essa diretriz poderia concretizar-se num programa concreto de modernização ecológica para o país. Tal como formulada, a proposta legitima a continuidade do atual modelo predatório de desenvolvimento, reforçando as perigosas representações do senso comum, segundo as quais sempre existiria alguma inovação tecnológica no horizonte como salvaguarda perante a catástrofe ecológica.
Com o propósito de reduzir as emissões de CO2, Jair Bolsonaro (PSL) destaca o potencial da região Nordeste para os investimentos em energia solar e eólica, fontes intermitentes que, segundo ele, poderiam ser integradas à matriz brasileira com a complementação do gás natural. O aspecto mais controverso diz respeito, no entanto, à intenção de limitar os processos de licenciamento ambiental a “um prazo máximo de três meses”. Dessa maneira, Bolsonaro sinaliza a disposição de exercer pressão política e assim comprometer a autonomia dos órgãos que devem fiscalizar para que o planejamento de obras públicas e privadas leve em consideração o equilíbrio dos ecossistemas.
João Goulart Filho (PPL) parte do diagnóstico que nossos problemas ambientais são fruto da posição dependente da economia brasileira no cenário internacional. Contudo, ao mesmo tempo em que critica o desmatamento e outros fatores de degradação ecológica resultantes da exportação de alimentos e recursos naturais, Goulart Filho celebra a expansão da soja e do gado bovino no Cerrado e na região Norte do país; reconhece que o Brasil deve assumir suas responsabilidades no combate às mudanças climáticas, mas compromete-se a explorar as reservas de pré-sal da Amazônia. Seu programa consiste numa justaposição errática de diretrizes que visam preservar o meio ambiente e outras propostas que, se implementadas, aprofundariam os impactos que o candidato pretende mitigar.
Por sua trajetória vinculada aos seringueiros da Amazônia e atuação no Ministério do Meio Ambiente, Marina Silva (Rede) é a candidata mais explicitamente associada com a pauta socioambiental. Essa identificação reflete-se em seu plano de governo, que confere à sustentabilidade uma abordagem transversal e aponta para a descarbonização da economia. Marina pretende investir em eficiência energética e criar um programa de massificação de painéis fotovoltaicos que represente uma potência operacional de 3,5 GW em 2020. Além disso, a candidata enfatiza as medidas que favorecem a recuperação da vegetação nativa e que promovem a economia florestal em associação com as populações tradicionais. As ressalvas que pairam sobre ela dizem respeito, porém, à (in)compatibilidade dessas propostas com a orientação ortodoxa de sua política econômica, como as declarações favoráveis à privatização da Eletrobrás e à manutenção do superávit primário.
João Amoêdo (Novo) apoia-se na retórica da “responsabilidade com as gerações futuras”, mas celebra o agronegócio como “moderno indutor do desenvolvimento”, escamoteando o impacto do latifúndio monocultor sobre a biodiversidade. Entre os postulantes à presidência, Amoêdo é o mais afinado com o discurso neoliberal e privatista, então caberia a ele explicar como pretende relegar ao mercado a universalização do saneamento básico, dado que os cidadãos que ainda não possuem acesso aos serviços de água e esgoto tratados são justamente as populações pobres e afastadas que não suportariam pagar tarifas altas que atendam a margem de lucros exigida pelas empresas.
A contradição de Henrique Meirelles (MDB) manifesta-se no descompasso entre seu compromisso com a criação de unidades de conservação e redução do desmatamento na Amazônia e os retrocessos verificados nessas questões durante o governo de seu correligionário Michel Temer. Além de maquiar os dados para encobrir o fracasso do governo em cumprir as metas de redução do desmatamento, Temer recuou do propósito de liberar a exploração de minérios em reservas ambientais da região Amazônica – RENCA e Jamanxim – apenas em decorrência da pressão de movimentos socioambientais e da comunidade internacional.
A coligação encabeçada por Fernando Haddad (PT) elaborou um documento que confere centralidade à questão ambiental e apresenta um balanço crítico da gestão Temer nessa área. Em seu quinto capítulo (“Transição ecológica para a nova sociedade do século XXI”), argumenta-se que “o governo ilegítimo introduziu medidas e reformas que […] liberam a exploração desenfreada da nossa riqueza natural, inclusive vendendo nossas terras e ativos ambientais aos estrangeiros”. Nesse sentido, o candidato reconhece que a humanidade atravessa uma crise ambiental e propõe mudanças na estrutura produtiva e agrícola para fomentar a transição da economia brasileira rumo ao paradigma da sustentabilidade: reforma fiscal verde, retomada dos programas de biocombustíveis, ampliação da infraestrutura para a oferta de água, entre outras. A ironia reside no fato de que em nenhuma passagem são lembrados os enfrentamentos que os movimentos socioambientais travaram com os governos de Lula e Dilma, quando se promoveram a construção de Belo Monte, a flexibilização do Código Florestal, o aumento vertiginoso do uso de agrotóxicos, etc.
No entender de Ciro Gomes (PDT), a maior parte dos conflitos ambientais é “fruto de uma oposição artificial” entre ecologia e economia, de modo que tais impasses poderiam ser satisfatoriamente equacionados por meio de Zoneamento Ecológico-Econômico. Seu programa para a sustentabilidade é vago, por exemplo ao defender um “desenho de modelo de precificação da poluição” ou “desenho de estratégia para a redução do desmatamento”. Isso significa que Ciro pretende intervir nessas questões, mas somente no decorrer de seu mandato o eleitor saberia exatamente qual o conteúdo de suas medidas. Além disso, um aspecto que o desabona é a influência de sua vice, Kátia Abreu, protagonista das principais ofensivas do agronegócio pela flexibilização do Código Florestal e dos conflitos com populações indígenas em torno da demarcação de territórios.
Liderança indígena e co-candidata ao lado de Guilherme Boulos (PSOL), Sônia Guajajara representa a antípoda de Kátia Abreu nessas eleições. Seu perfil transparece na proposta de reforma agrária agroecológica e na centralidade das pautas indígenas na seção dedicada ao meio ambiente (“Terra, Território e Meio Ambiente: Um Novo e Urgente Modelo de Desenvolvimento”). O documento apoia-se numa análise sistêmica que associa a crise ambiental ao modo de produção capitalista e afirma que a alternativa para a sustentabilidade “não passa pela chamada economia verde, cujo principal objetivo é gerar novos mercados e lucros”. Talvez o aspecto ambientalmente mais controverso da candidatura Boulos sejam as declarações públicas sobre a importância do pré-sal como fonte de recursos para investimentos públicos, colocando em segundo plano a obsolescência dos combustíveis fósseis em tempos de mudanças climáticas.
*Luiz Enrique Vieira de Souza é Professor do Departamento de Sociologia/Universidade Federal da Bahia