Apertem os cintos, o piloto sumiu!
Foto: Karim Nafatni

Apertem os cintos, o piloto sumiu!

"Atenção senhores passageiros...", começava assim a frase do piloto (ingênua, eu asseguro!). Nenhum passageiro estava desatento, não depois daquele barulho e do solavanco brusco após a decolagem. Era um dia quente de verão, com um 'céu de brigadeiro' acima de Fortaleza e tudo antes daqueles minutos indicavam que seria um vôo agradável, previsível e dentro da mais realista expectativa de um bom vôo. Expectativa interrompida pelo solavanco, mas também, e principalmente, pelo discurso do piloto, transformando a dúvida em certeza, aquele era mesmo um incidente aéreo.

As pessoas que estavam no vôo vão assegurar que se passaram 30 minutos até pisarmos em segurança de volta em solo cearense, mas certamente não eu. Para mim se passaram horas, talvez dias dentro daquela cabine. Tempo suficiente para mãos suadas, coração a mil, momentos importantes da vida relembrados e promessas de me tornar alguém melhor.

Quem além de mim tem medo de avião? Não tenho a menor vergonha de assumir, eu tenho (ou tinha, não sei!). Um medo irracional é verdade! Voar é seguro, mas esse saber não me ajudou durante arremetidas, aves sugadas por turbinas, panes de motor, fumaça a bordo, mãos suadas e corações a mil. Como já viajei muito, já vivi algumas experiências (digamos) interessantes.

As estatísticas para vôos comerciais ao redor do mundo são imensamente reconfortantes, e embora tenha vivido poucas experiências fora do comum em vôos, considerando o montante total de viagens, a porção racional da minha mente reconhece que aquele é um ambiente seguro, que centenas de milhares de vôos decolam e pousam em seus destinos diariamente dentro da margem de segurança.


A pergunta que cabe aqui é a seguinte: porque então, esse diálogo tão enfraquecido entre razão e emoção em minha mente, todas as vezes que entrego o cartão de embarque à comissária de bordo e procuro o número do meu assento?

A resposta para essa pergunta me custou alguns anos e sessões de terapia, evidentemente. A memória mais antiga que tenho sobre o tema era um filme no melhor estilo de comédia dos anos 80 chamado “Apertem os cintos, o piloto sumiu!”. No enredo, por alguma razão piloto e co-piloto ficavam incapacitados de conduzir a aeronave ao seu destino e cabia a um passageiro comum, fazê-lo. Entre as risadas garantidas (apenas para a época, que fique claro!) e a curiosidade de esperar o desfecho do filme, o que se via era alguém despreparado realizar algo antes impensado, desatar o cinto, atravessar o corredor, abrir a porta da cabine e sentar, sem habilidade alguma, na cadeira do piloto de um enorme avião comercial, pousando em segurança.

Desde então, alimento uma fantasia distante e paradoxal de pilotar um avião e a julgar pela quantidade de fotos de crianças super incentivadas pelos sorridentes pais a sentarem na cadeira do piloto, antes da decolagem, não sou a única a alimentar a fantasia.

Foram muitos anos olhando a paisagem das viagens (reais e experienciais) pela janela, me perguntando para onde estava indo e quem estava sentado na cadeira do piloto da minha vida. Quem estava me levando por caminhos calmos ou turbulentos? Minha razão ou minha emoção? O pensamento emocional tem cores próprias, que não necessariamente refletem com nitidez a realidade. Sofremos, sorrimos, escolhemos, caminhamos e até paramos, comandados por quem se senta na cadeira do piloto.

A primeira vez que sentei na cadeira de paciente de um processo terapêutico foi como se olhasse pelo corredor e flertasse com a possibilidade de desatar o cinto de segurança e caminhar em direção à cabine e à medida que as sessões vão avançando me vejo cada vez mais perto desse objetivo. E estou falando de coisas mais profundas do que medo de voar de avião, assumir o comando da aeronave da minha vida, retirar da cadeira do piloto o pensamento emocional e pouco reflexivo e me sentar lá. Sou eu quem controlo meus sentimentos ou são os meus sentimentos que me controlam? Apertem os cintos, o piloto sumiu e quem está cada vez mais perto de comandar a aeronave sou eu!

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