Aposentadoria, o que temos de desaprender
Pessoas de 50 anos de idade ou mais viveram a totalidade de suas vidas em ambientes de rápidas e dramáticas mudanças. A mais radical delas é a passagem do pensamento analógico ao digital e a incorporação das tecnologias de informação na vida cotidiana. Mas não apenas isto. As hierarquias tradicionais vão sendo descontruídas ou invertidas, as organizações verticais substituídas por redes, a ideia de nação dá lugar ao internacionalismo irreversível da globalização. As identidades de gênero estão sendo reinventadas, as configurações familiares, as ideologias, a espiritualidade, quase tudo, enfim, está em permanente mudança.
Com a expansão do tempo de vida e a melhoria de sua qualidade – outra radical mudança pelo qual passa a humanidade nestas últimas décadas – chegamos a idade madura ainda sem termos abandonado muitos dos sonhos de infância. Com o aumento da longevidade, fomos desaprendendo a envelhecer e a morrer. Em outros tempos, convivia-se com as doenças incuráveis e letais em toda família, as crianças tinham grandes chances de não chegar à vida adulta, e os adultos de encontrar o fim no auge de sua produtividade.
Sim, vivemos mais e melhor. Atingimos idades mais longevas e com mais saúde que nossos antepassados. Entretanto, será que os modelos que serviam a nossos pais para garantir uma velhice segura – que em geral era muito mais breve que a nossa – ainda nos servem? Ou o que aprendemos com eles já está em tempo de ser desaprendido?
Breve história da aposentadoria
Enquanto eram caçadores-coletores, os humanos viviam somente durante o tempo em que tinham condições de participar ativamente das atividades de sobrevivência. Os velhos pereciam. Com o advento da agricultura, há aproximadamente 12 mil anos, as comunidades humanas tornaram-se mais sedentárias e, além disso, capazes de armazenar alimentos para as épocas de escassez. Uma vida mais longa tornou-se possível, e os idosos começaram a fazer parte do tecido social, ainda que em proporções muito pequenas.
Na medida em que passou a existir idosos improdutivos, também surgiu o problema de como mantê-los; como suprir suas necessidades básicas. Para isso criou-se um pacto intergeracional: os pais deixavam a terra e os meios de produção para os filhos, através da herança, e em contrapartida estes assumiam um compromisso tácito de sustentar os pais que eventualmente ficassem velhos.
A propriedade da terra, deixada como herança, era o plano de previdência das sociedades agrícolas. Pais que não tivessem esse capital a ser transferido, e que porventura ficassem velhos, representavam uma sobrecarga financeira na vida dos filhos. Porém, como na maior parte das famílias existiam muitos filhos e poucos pais ficavam velhos, era possível suportar o peso de ter de cuidar dos velhos.
Com a revolução industrial, no início do século XIX, surgem mudanças importantes também no âmbito da transmissão de bens entre gerações. A propriedade da terra perde a importância histórica, e deixa de ser um lastro para a manutenção das pessoas mais velhas. Além disso, com o trabalho transferido para as indústrias, agora no contexto urbano, ficou muito mais difícil para as famílias cuidarem de seus idosos.
Em 1889, o chanceler alemão Otto von Bismarck estabeleceu um sistema nacional que assegurava o pagamento de uma pensão a todos os trabalhadores que atingissem 70 anos e que não tivessem meios para se sustentar com seu trabalho. Assim, o Estado passou a assumir parte da responsabilidade que outrora era exclusiva das famílias. Essa ideia foi logo adotada pela Áustria, depois pela Hungria, e se espalhou por outros países da Europa. É importante lembrar que em 1900 a expectativa de vida na Europa era 42,7 anos, portanto pouquíssimos trabalhadores chegavam aos 70 anos.
Posteriormente à revolução industrial, várias inovações médicas e sanitárias ocorreram fazendo com que houvesse um progressivo aumento da expectativa de vida das populações. Essa tendência, que ganhou força na Europa e na América do Norte, em meados do século passado, vem se estendendo a todos os países em desenvolvimento. Desse modo, a aposentadoria integralmente custeada pelos Estados se mostrou inviável, e estes passaram a cobrar dos cidadãos uma contribuição para suas próprias aposentadorias.
Estas eram as bases em que se assentavam as garantias para a vida das pessoas idosas. A transmissão de um patrimônio na forma de herança, e depois, ou na falta deste, o recolhimento de contribuições para o sistema de previdência social.
Novos tempos
A era industrial deu lugar à era do conhecimento, e esta já se abre para algo novo que ainda não sabemos bem o que será. Na medida em que a pirâmide etária se inverte, que a segurança do emprego deixa de existir, que a família perde coesão, o que temos de desaprender sobre nossa aposentadoria?
Muitos de nós já entendemos que a milenar obrigação moral dos filhos cuidarem dos pais deixou de ser qualquer garantia para a velhice. Tampouco os Estados, por mais fortes financeiramente que sejam, poderão manter aposentadorias confortáveis para suas populações cada vez mais velhas.
Quando deixamos de contar com as heranças, e percebemos que as aposentadorias oficiais não nos seriam suficientes, corremos para formar um pecúlio para aposentadoria via planos de previdência privada. Mas mal aprendemos a fazer isto e já estamos tendo de desaprender. Infelizmente, precisamos ter coragem de reconhecer que todos os nossos planos de aposentadoria construídos em torno de taxas de rentabilidade na casa dos 6% ao ano estão totalmente desatualizados.
Como viver em um mundo em que o capital perde seu valor? Como viver em um mundo de taxas de juros muito baixas ou até mesmo negativas? O desafio é imenso para aqueles que conseguem entender o tamanho e a complexidade do problema. Tanto maior será para uma parte expressiva da população que ainda acredita que os filhos e o Estado darão conta da sua velhice.
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5 aÓtimo texto professor, pena que não deu pra ler inteiro. Gostaria de saber quais são as nossas alternativas. Abraço!
Prof. Ph.D. Teaches subjects related to Strategic Management and Strategic Intuition at ESPM. Ph.D. at FEI.
5 aÓtimas reflexões Jurandir. Saudades