Aprendendo a investir em presença
Foto: Bruno Leite - Brumadinho/MG

Aprendendo a investir em presença

Outro dia encontrei com um amigo que eu não via há muito tempo. Entre aquelas perguntas que surgem quando reencontramos alguém (como vai, quanto tempo, e a família, e os filhos, e o trabalho...) veio dele uma pergunta que, apesar de esperada, me fez nos dias seguintes pensar muito, não na pergunta, mas na resposta que dei. Ele me perguntou: "E você, em que anda investindo seu tempo?" Eu respondi: "Investindo? Em nada! Está tudo tão corrido que não anda sobrando tempo para investir em nada."

E lá fui eu, refletir sobre isso.

Investir é estar de posse ou tomar posse de algo. Significa aplicar capital com expectativa de um benefício futuro.

Tempo é considerado por muitos o capital mais valioso da atualidade e não tem nada a ver com a quantidade de horas que temos, mas com o que desejamos fazer versus o que estamos efetivamente fazendo com essas horas. Queremos ter controle sobre o tempo, que ele renda, que seja economizado ou otimizado na mesma proporção de nossa vontade, mas na contramão dessa vontade, boa parte do nosso tempo é desperdiçado em função dos vícios que temos, das dívidas que cultivamos, dos trabalhos que não priorizamos, das obrigações assumidas, das crenças limitantes que moldam nossos comportamentos e nos mantém refém, não de uma, mas de todas essas dívidas, juntas, a dívida com o nosso próprio capital, o capital humano.

E a pergunta que surgiu dessa reflexão foi: quanto tempo estou investindo em mim? Em me conhecer, me desenvolver e me equilibrar?

Se eu não estava encontrando tempo para investir em nada, logo me percebia aprisionada pela rotina, escrava de uma vida estressante e com raros momentos significativos. Em débito comigo mesma, via o relógio passando num ritmo acelerado. De repente, vi minha mãe partir, num trágico acidente de carro. Ela que sonhava com o dia em que iria aposentar para ter mais tempo para ser feliz, para estar mais tempo com os filhos e netos, não teve tempo de realizar seu maior desejo, mas me deixou uma lição: a felicidade, seja ela qual for, só pode ser vivida no presente, estando presente. Esteja presente.

Foi então que a ficha caiu. Consciente do meu estado de escravidão, decidi começar a investir em mim, em minha própria felicidade e comecei ressignificando a presença.

Descobri que presença é uma habilidade humana, conhecida pela neurociência como uma das habilidades constituintes do estado de felicidade e da percepção de bem-estar, juntamente com Generosidade, Resiliência e Savouring.

Segundo Richard Davidson, neurocientista e fundador do Centro de Investigação de Mentes Saudáveis na Universidade de Wisconsin-Madison, a prática dessas quatros habilidades pode fornecer o substrato para uma mudança duradoura, o que pode ajudar a promover níveis mais altos de bem-estar em nossas vidas. 

Não foi fornecido texto alternativo para esta imagem

A habilidade de trazer de volta uma atenção distraída, de novo e de novo, voluntariamente, é a própria raiz do julgamento, do caráter e da força de vontade. Contudo, como toda habilidade, requer treino, muito treino.

Passei a exercitar a presença com doses diárias de meditação e comecei a tomar consciência de que quando estava no trabalho, ao invés de só produzir, eu estava a pensar no que iria comer no jantar, a lembrar de como foram os dias anteriores e a me preocupar com os boletos que venceriam em breve. Quando estava com meu marido ou brincando com minha filha, ao invés de estar com eles, meus pensamentos me levavam à reunião do dia seguinte, ao trabalho que havia enviado ao chefe, às demandas que estavam pendentes comigo e às que poderiam chegar a qualquer momento. 

Sabemos que quando estamos preocupados, com medo, ansiosos, frustrados, é comum nos distrairmos e nossos pensamentos nos levarem para longe do presente. Mas o que nem todos sabem (pelo menos eu não sabia) é que ficamos, em média, 47% do nosso tempo divagando em ideias e pensamentos. Matt Killingsworth e Dan Gilbert, psicólogos sociais da Harvard, realizaram um estudo em 2010 que demonstrou que ficamos boa parte do tempo divagando em ideias e pensamentos. Decidi assistir esse TED Talk para entender melhor o resultado deste estudo:

Matt conta que eles monitoravam a felicidade em tempo real, mandavam perguntas para 15 mil pessoas em 80 países e os participantes respondiam o que estavam sentindo, fazendo e pensando momento a momento. Surpreendentemente, em 47% das vezes, os participantes afirmavam que estavam fazendo uma coisa e pensando em outra.  

O estudo demonstrou que nossa mente divaga mais quando estamos descansando e trabalhando e divaga menos quando estamos praticando atividade física ou conversando com outras pessoas

O estudo concluiu que a divagação não é só consequência, mas causa da infelicidade, pois mesmo quando estamos pensando em coisas agradáveis, nossa felicidade não aumenta e quando pensamos em coisas neutras ou ruins, ficamos mais infelizes, ou seja, uma mente distraída é uma mente infeliz. 

Vendo os resultados desta pesquisa, lembrei de uma amiga que, empiricamente, chegou à mesma conclusão. Ela diz que precisamos praticar mais presença no trabalho, que tem observado que muita gente entra numa reunião só "de corpo presente" e, poucos minutos depois, já está preocupada com a próxima, com a notificação do whatsapp, com as demandas urgentes, com os e-mails na caixa de entrada, com os comentários nas redes sociais. Estamos constantemente pulando de compromisso em compromisso, sem concluir as prioridades do aqui e agora, porque outros compromissos e demandas levam nossa atenção e pensamentos para o "oceano azul" de informações, muitas vezes, ao toque de um dedo na palma da mão.

Nesta correria, de compromisso em compromisso, de mais trabalho urgente para fazer do que as horas do dia permitem, de pressão por resultados imediatos, uma sensação estranha começou a me acompanhar. Meu coração batia no ouvido. Demorei para identificar de onde vinha essa sensação. Passados alguns dias, já estava quase me habituando com meu coração "cantando ao pé do ouvido", quando descobri que tudo começava pela manhã, quando eu apertava o botão do elevador, chegando ao trabalho.

E foi então que me deparei com a triste estatística das pessoas que sofrem de ansiedade.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil é o pais mais ansioso da América Latina, com 9,3% da população sofrendo deste distúrbio mental.

A ansiedade é uma doença grave relacionada com o futuro e afeta a autoconfiança, o entusiasmos, a expectativa e a imunidade. A pessoa sente receio em tudo o que vai fazer. 

Uma pesquisa de 2018 feita na empresa em que trabalho revelou o adoecimento crônico dos empregados: 1 em cada 3 participantes da pesquisa relataram que tiveram problema de saúde associado ao trabalho nos últimos 12 meses, sendo 60% dos casos relacionados a doenças psicológicas e 24% causados por estresse. Apesar de ser cada vez mais frequente ouvirmos falar do quanto a produtividade é impactada pelo adoecimento das pessoas, em se tratando de doença mental, muitos preferem o silêncio, com medo de demonstrar sofrimento e perder a função e, com isso, não entram para as estatísticas.

Depois de tomar consciência do mal que me acometia e de que não estava sozinha nessa "barca furada", entendi que assim como fazemos exercícios físicos para nos manter saudáveis, também podemos fazer exercícios mentais – como a meditação – para promover o bem-estar físico e emocional. E foi bem por aí que comecei a investir em mim, praticando 10 a 15 minutos diários de atenção plena.

Richard Davidson afirma que envolver-se em exercícios mentais, mesmo quando se está feliz, é essencial para desenvolver os recursos necessários para ser mais saudável e resiliente em meio aos desafios.

Os circuitos cerebrais engajados pela meditação da atenção plena estão associados à nossa consciência de estar consciente. Esta é uma das funções mais importantes da meditação de atenção plena – melhorar a qualidade do monitoramento e fortalecer os circuitos que desempenham um papel crítico nesse monitoramento. A função de monitoramento é fundamental, pois saber que se está consciente permite que você tenha uma escolha mais intencional em como você reage às oportunidades e desafios que enfrenta.

As práticas de atenção plena não promovem mudanças no conteúdo de nossas mentes. Em vez disso, elas nos convidam a trazer nossa consciência para o nosso corpo, nossa respiração, ou para o ambiente em nossa volta.

Ao cultivar intencionalmente nosso próprio bem-estar – se entendermos que isso é algo que pode ser melhorado, ampliando nossas respostas perante as adversidades –, estaremos prontos e resilientes quando enfrentarmos os desafios inevitáveis.

Mas como começar, se você nunca fez isso antes? Aí vão algumas dicas que segui e me ajudaram muito:

  • Dê a si mesmo um objetivo realmente alcançável. 15 minutos por dia. Trinta minutos a cada dois dias não funcionará.
  • Se você faz algo todos os dias durante 21 dias, isso se torna um hábito.
  • Pense na prática diária como férias.
  • Mantenha suas sessões na mesma parte da sua programação diária.
  • Tenha um lugar regular de prática para associá-lo à meditação. Nossos cérebros funcionam por associação.
  • Não adote uma abordagem perfeccionista ao praticar. Evite julgar sua mente enquanto a treina. 

Por fim, passei a usar o meu corpo e a minha consciência a favor do meu bem-estar, encontrando o melhor momento e a melhor técnica para colocar em prática este hábito. Respirando e prestando atenção na minha respiração, tentando não julgar meus pensamentos distraídos e dedicando esses minutos diários à prática da atenção plena. 

Ainda me considero uma iniciante na prática da presença, mas já percebo grande mudança em minha vida, na qualidade do meu dia e no aproveitamento do tempo. Se encontrar novamente com aquele amigo do começo de texto, que me perguntou em que eu estava investindo meu tempo, já tenho outra resposta para dar: estou investindo em meu próprio capital, em minha felicidade, começando pela presença.

A você que me acompanhou até aqui, tenho um último pedido a fazer: pratique também a presença e avalie você mesmo a sua evolução. Foque sua atenção no presente. Se perceba divagando e exercite voltar voluntariamente para o presente. Sem julgamento. Não é sua mente que te controla, mas a sua consciência. E se, em algum momento, você perceber que isto está gerando resultado e melhorando a sua percepção de bem-estar, dê o próximo passo e inspire outras pessoas a fazer o mesmo.

 



Augusto Vellasco

Corretor de Imóveis | RE/MAX Focus

5 a

Não me contive! "Repassei" seu post, que já não é só seu. E meu tbem! Rsrsrs

Natália Lima

Coach de Carreira | Analista de perfil comportamental | Palestrante | Analista de negócios | Ágil | Dona do Produto | Mentora | Treinadora | Requisitos TI

5 a

Ótimo texto. Muito obrigada!

Eva Seloi Santos Sarmento

Professora | Palestrante | Facilitadora FIB | Terapeuta Comunitária | Humanização de líderes e equipes | Conexões pelo bem comum | Desenvolvimento Humano Sustentável |

5 a

Gratidão pela partilha e pelo incentivo🙏 vou adotar suas dicas🙏

Cinthia Alves Prais

Psicologia Positiva | Saúde Mental | Medicina do Estilo de Vida | Segurança Psicológica | Neurociência do Comportamento

5 a

Levei. Coisa boa a gente compartilha.

Severina (Ina)

Supervisora Administrativa | Fórum de Ceilândia - TJDFT

5 a

Que texto inspirador Sandra! Gratidão por compartilhar comigo essas reflexões tão atuais... Com essa atitude faz reverberar felicidade no seu habitat... 💛🌷🙏

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