Aquilo que nunca te falaram sobre a Uber (atualização)
Atenção: Você está diante de um dos melhores artigos por mim publicados. Para não soar arrogante: não quero dizer que o artigo é bom, mas sim que, dentre os meus, é um dos melhores. Faço esse alerta por dois motivos (1) o artigo é longo, mas vale a leitura, e (2) acabo de atualizá-lo – ele foi originalmente publicado em março de 2016, mas diante de tantas mudanças foi necessária uma nova edição – todas as atualizações estão sinalizadas.
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Antes que esse artigo gere qualquer tipo de polêmica a respeito da Uber, quero deixar bem claro que não tenho nada contra a empresa ou seus serviços prestados. Usei e uso seus serviços sempre que necessário.
- Atualização (Abr/2017): Não sou contra a entrada da Uber, muito pelo contrário, sou a favor da livre-concorrência. Mas o assunto é por demais complexo, envolve questões como: máfia dos alvarás, sindicatos, legislação, tecnologia ... Por isso, minha singela proposta com este artigo é ampliar nossa visão e, consequente reflexão, sobre o assunto.
Tenho percebido certo glamour em se defender o serviço da Uber. É como se quem defendesse os taxistas fosse retrógrado ou analfabeto tecnológico, no entanto, vejo algumas questões importantes que estão passando despercebidas pelos “fãs” do novo aplicativo. Aliás aqui já reside um ponto: (1) estão vendendo a empresa como se fosse uma empresa de tecnologia e que seu serviço nada tem a ver com o serviço de táxi – como se fosse apenas um aplicativo. Tenham certeza de uma coisa: trata-se de uma empresa, muito grande por sinal, e que se seus serviços não concorrem diretamente com os serviços de táxi, os de seus “parceiros” sim, concorrem diretamente.
- Atualização (Abr/2017): Esse glamour todo se acabou. Seus motoristas reclamam da pouca lucratividade, a qualidade dos carros (e atendimento) despencou, afinal, os melhores profissionais abandonam a Uber na primeira oportunidade de emprego que aparece, e problemas com a segurança tem sido destaque na imprensa.
(2) O Serviço é tecnicamente ilegal e foi proibido em países como França, Itália, Alemanha e muitos outros. E por possuir apenas uma forma de pagamento (cartão de crédito) fere o nosso código de defesa do consumidor.
- Atualização (Abr/2017): O aplicativo já oferece o pagamento em dinheiro. Na Franca a briga está muito boa e tem condenado a Uber a pagar multas milionárias e na Itália a proibição acaba de ser suspensa – mas a briga ainda continua pela Europa.
Antes da Uber, qualquer motorista que se propusesse a transportar passageiros recebendo algo em troca por isso era considerado transporte pirata. Como que num passe de mágica, depois da criação de um aplicativo, esse tipo de proposta se transformou em “carona compartilhada” ou mesmo em um serviço legal. Mas o que mudou na natureza dessa prestação de serviço para que o transformasse em algo legal? Nada! O mais interessante é que, por exemplo, prostituição não é crime, mas agenciar pessoas para esse tipo de “relação” o é. Pensando agora em Uber, uma atividade que já constituía-se como ilegal (o transporte clandestino de passageiros), depois de surgir um “agente” intermediador torna-se então lícita!?!
Duas grandes lendas surgiram: (3) o serviço é mais barato e (4) a qualidade é excelente.
O que acontece é que na interação: serviço x qualidade o preço é igual ou superior ao do táxi. A Uber tem dois serviços distintos: a Uber X e a Uber Black. O primeiro com a proposta de baixo preço e o segundo com a proposta de excelência no serviço, mas acontece que sua mensagem de marketing mostra como se essas duas características acontecessem simultaneamente, o que não é verdade – “vendem” a imagem do táxi preto, banco de couro, spotify – o que só acontece com a Uber Black. Além do mais, o preço é variável, existe um fator de correção (preço dinâmico) que ajusta o valor da corrida conforme a oferta e procura, portanto, em horários ou locais com maior procura o preço aumenta, de modo a não ser uma alternativa sempre mais barata (importante ressaltar que independente da dinâmica do preço, este é sempre previamente estimado quando da solicitação da corrida).
- Atualização (Abr/2017): A qualidade do Uber-X caiu muito. Tem muitos carros velhos, motoristas despreparados e até mal-educados (já tive que pedir para que ligasse o ar-condicionado). O spotify mesmo, até hoje não vi!
Aproveitando que estamos falando de qualidade, outros dois fatores (que inclusive já aconteceram comigo) interferem sobremaneira na experiência do usuário, a saber: (5) os motoristas podem escolher a corrida – é bastante desagradável encontrar um carro disponível à 10 – 15 minutos de distância. Sem falar quando após 1 minuto da solicitação você descobre que o motorista “sumiu”. E (6) muitos motoristas não são conhecedores da cidade de São Paulo e acabam por errar ou fazer piores caminhos (isso já aconteceu comigo duas vezes).
Estratégias e Posicionamento de Marketing
A empresa joga pesado (7), para não dizer sujo, em suas estratégias de marketing. Seus motoristas não estavam (e ainda estão) muito satisfeitos com a política de 15% de desconto (que já perdurava há 3 meses) adotada para ganhar mais clientes.
- Atualização (Abr/2017): Essa política de desconto ainda perdura. A insatisfação dos motoristas é tão grande que já estão se organizando, promovendo manifestações e até greves. Muitos motoristas descredenciados estão entrando na justiça do trabalho e já há relatos de ganho de causas.
Grande verbas são destinadas a programas como: primeira corrida de graça, ganhe chope de graça em bares ao ir de Uber, dentre outras campanhas. Eles investem muito em influenciadores nas redes sociais e Youtube. Há quem diga até sobre falsos ataques de taxistas, o que não chego a acreditar, mas tenho a certeza do forte empenho por parte da empresa em viralizar ou exagerar os incidentes ocorridos e minimizar ou abafar as mídias que explicam sobre a (8) concorrência desleal, por exemplo.
Não há como negar a concorrência desleal! O mesmo serviço é oferecido e por preços (no caso da Uber X) consideravelmente menores – sem falar nessas campanhas que facilmente poderiam ser consideradas com prática de dumping.
O problema é que os taxistas não exercem poder diretamente na precificação de seus serviços – quem cuida disso são as Prefeituras, através de suas Secretarias de Transportes, portanto, os motoristas de táxis estão de mãos atadas.
- Atualização (Abr/2017): Na verdade os taxistas não fazem pressão alguma no sentido de baixarem seu preço. Sempre digo: se o táxi fosse apenas 10%, quem sabe até 20% mais caro, em alguns casos. Com toda certeza eu optaria na maioria das vezes pelo Táxi! A frota de táxi de São Paulo e até mesmo a de Salvador não estão sucateadas. Claro que há casos de carros ruins, mas a maioria são carros com até 3 anos de vida, prazo pelo qual o taxista pode adquirir outro veículo com a isenção de impostos.
- Tenho visto pressão de sindicatos de taxistas pedindo pela regulamentação da atividade da Uber, alegando concorrência desleal, quando na verdade acredito que eles deveriam buscar igualdade de direitos só que desregulamentando o Táxi.
Subemprego
Vou finalizar minhas críticas com o ponto que mais me incomoda e que diz respeito a minha área de atuação: a Uber é para mim considerado (9) subemprego!
A empresa cobra 20% de todo o resultado de seus motoristas (o que para mim é uma taxa absurda) e é ela que dita os valores das corridas. Os custos (gasolina, manutenção, depreciação, pedágios, impostos) são todos de responsabilidade do motorista. Eles “vendem” a ideia de que você pode ganhar 7, 11, 15 mil Reais, mas não falam que isso só é possível com a Uber Black (que exige um carro padrão corola) ou trabalhando mais de 12 horas por dia. E o mais importante: a renda dos motoristas está diminuindo, isso porque no início havia menos carros. Na medida em que aumenta a quantidade de motoristas credenciados, diminui a quantidade de corridas possíveis e diminui o preço da corrida (devido à precificação dinâmica), impactando diretamente no faturamento bruto do “parceiro”.
Ouvi de mais de um motorista dizer que no início dava para ganhar mais dinheiro e que agora as coisas estão mais difíceis. Quem fazia R$ 8 mil agora faz R$ 6, por exemplo. E a tendência é diminuir ainda mais, haja visto a exponencialidade do crescimento da empresa.
Quando comparado com a jornada de trabalho normal um motorista de Uber X realizará aproximadamente R$ 12.000,00 bruto mensal, que descontado taxa da Uber, manutenção, combustível, impostos, depreciação não restará mais do que R$ 6.000 líquido. Acrescente a isso o fato do emprego oferecer 13º. salário, plano de saúde e férias e verás que o negócio não é tão bom assim – equivaleria a um salário de R$ 3.800,00. (Veja aqui as bases de cálculo)
- Atualização (Abr/2017): Esqueçam essa base de cálculo. Não precisamos mais. Já temos muitos depoimentos de motoristas informando uma receita média líquida semanal de R$ 750,00 -, logo, aproximadamente R$ 3.000,00 por mês. Mas tem um grande detalhe, nessa conta não está a depreciação do veículo. Portanto, o motorista tem a percepção de um lucro de 3 mil, quando na verdade, excluindo a deprecação, seu lucro é próximo dos 2 mil.
Pode até parecer um bom salário, mas imagine quando for preciso fazer uso da franquia do seguro ou mesmo quando o carro ficar parado para reparos e manutenções. E conforme dito anteriormente, a tendência é a concorrência aumentar e o rendimento do motorista cair.
O outro lado
De fato, (1) o consumidor foi favorecido. No meu caso, por exemplo, uma corrida para o Aeroporto de Guarulhos com a Uber, fica na faixa de R$ 55,00, enquanto que o táxi comum está na faixa dos R$ 100,00 e o Guarucoop não sai por menos de R$ 135,00.
Viajo com muita frequência e costumo voltar as sextas-feiras muito tarde, por volta da meia noite. Sempre encontro grandes filas no táxi do aeroporto. São duas filas na verdade: uma para pagar e outra para pegar o carro. Já cheguei a ficar 30 minutos nessa espera. Ou seja, quem me cobra o maior preço é quem me oferece o pior serviço.
A qualidade do serviço é muito superior quando tratamos do Uber Black e relativamente superior quando falamos de Uber X. Digo relativamente pois vejo que o serviço de táxi na cidade de São Paulo é muito bom. Dificilmente encontramos taxistas mal-humorados ou mal-educados, o que não posso afirmar quanto a outras praças, como o Rio de Janeiro, por exemplo, onde já tive muitos problemas com taxistas.
Outro ponto importante é que (2) subemprego é melhor que desemprego. Na atual situação do mercado de trabalho, a Uber aparece como uma boa fonte de trabalho e receita.
Por fim, entendo que (3) o grande problema reside na máfia que se formou em torno dos alvarás de licenças dos taxistas.
Conclusão:
- Atualização (Abril/2017): Se os taxistas tivessem se empenhado em baixar sua tarifa (10-20%) e melhorar a qualidade do atendimento (veículo, tecnologia e educação dos motoristas) em vez de brigarem e exigirem regulamentação da Uber, com certeza hoje estariam em melhores condição de competição.
A tecnologia, com suas infinitas possibilidades, está transformando o mundo. As regras criadas no passado não mais atendem as necessidades presentes e, principalmente, futuras. No caso dos Táxis, por exemplo, a regulamentação criada pela legislação e pelas secretarias de transportes foi necessária justamente para proteger os taxistas e os passageiros, legislando sobre preço, formação profissional, direção segura e rentabilidade da profissão. O que protegeu os taxistas no passado é o que está os matando no presente – devido a todo o aparato regulatório eles não têm como reagir à concorrência.
A Uber descortina o momento de ruptura pelo qual estamos passando. É impossível se chegar a uma conclusão a respeito dessa situação – não dá para apoiar 100% nenhuma das partes, todas carregam consigo boas razões e algumas sacanagens.
O que acho que está acontecendo é que a tecnologia está colocando em cheque o atual sistema econômico. Ela está extrovertendo o grande conflito interno do ser-humano: ego x self. Como animais somos egoístas, mas como humanos somos altruístas.
Ainda não percebemos que: ser rico enquanto a maioria é pobre, não é tão bom assim; ser saudável enquanto a maioria adoece, também não é tão bom assim; ser culto enquanto a maioria é ignorante, também não é tão bom assim.
De maneira mais poética e artística lhes digo: o amor existe para nos ensinar essa lição, é só trocar a palavra “maioria” pela palavra “irmão” no texto acima. Vamos lá faça o teste. Não vou reescrever o texto, quero que você o releia substituindo as palavras conforme sugeri... insisto – não vou seguir com o texto enquanto você não o fizer!
E ai, que achou?
Mas dito de maneira mais técnica: é como propôs Thomas Friedman, jornalista norte-americano em seu livro: O Mundo é Plano. Estamos vivendo um conflito de papéis:
O João empresário que reside aqui dentro de mim não quer pagar impostos, quer pagar os menores salários e vender seus produtos e serviços pelo maior preço possível. O João consumidor que também reside aqui comigo, quer comprar os produtos e serviços mais baratos possíveis. Já o João funcionário, que também reside cá comigo, quer o maior salário possível, com os maiores benefícios e com menores impostos. Por fim, o João cidadão brasileiro, quer saúde, educação, transporte ...
Quando vamos acordar para “o todo”? É chegada a hora de uma economia mais humana, uma economia de colaboração, com melhor distribuição do bem.