Armadilhas do crescimento constante – cuidado com as metas e objetivos que você estabelece para a sua empresa
Todas as empresas têm, ou deveriam ter, objetivos e metas claramente definidos. De uma forma simples, pode-se dizer que os objetivos se referem ao que queremos que a companhia seja no futuro (aonde chegar), e estão intimamente atrelados à visão e missão da empresa. Por sua vez, as metas correspondem às ações necessárias para alcançar esses objetivos (como chegar).
Neste sentido, um dos objetivos mais comumente encontrado no planejamento estratégico das organizações é o de “ser a principal, ou uma das principais, empresas no segmento em que atua”. E, vinculadas a esse objetivo, as metas estão, normalmente, relacionadas ao volume de vendas (físico e/ou financeiro) e ao market share da companhia.
Sem dúvida alguma, ver a sua companhia figurando entre as “500 maiores” é o sonho de quase todo empreendedor. E, para tanto, crescer, crescer e crescer passa a ser o grande norte a ser perseguido por muitos empresários. É muito comum ouvir desses empreendedores: “amplia as fábricas e aumenta a produção que o comercial vende”. Mas, quais são os riscos que as empresas podem enfrentar quando focam nesse objetivo e perseguem essas metas cegamente?
Um dos primeiros efeitos geralmente encontrado nessas companhias é uma mudança significativa no comportamento da equipe comercial. A cobrança constante pelo atingimento das metas mensais de venda, bem como a premiação daqueles que conseguem superá-las, vai, paulatinamente, pressionando os preços de venda para baixo e forjando um novo perfil de profissional na equipe comercial: o “tirador de pedidos”. Uma característica usual desse profissional é a constante reclamação em relação ao preço de venda da empresa, pois ele só consegue “vender”, isto é, tirar pedido, se o seu preço for um dos menores do mercado.
Se considerarmos que muitas organizações não contam com um sistema de gerenciamento de clientes (CRM) estruturado, que lhes permitam saber quais são, de fato, os melhores clientes e vendedores, isto é, aqueles que trazem o maior retorno para a empresa; o “melhor vendedor” passa a ser aquele que simplesmente vende mais, mesmo que isso traga prejuízo à organização. Dessa forma, se essas metas de crescimento do faturamento e ganho de market share não forem acompanhadas de um controle rígido do preço de vendas e das margens, o resultado será uma queda significativa na lucratividade da empresa.
Aqui, é importante que se faça algumas considerações em relação a essa queda nas margens: i) essa queda em termos percentuais não é necessariamente ruim, visto que ela pode ser mais do que compensada pelo volume maior das vendas, resultando, assim, em lucro maior em termos absolutos; ii) mesmo que haja um controle rigoroso do preço de venda, é de se esperar que a margem caia em razão dos custos marginais crescentes, decorrentes desse processo de conquistar novos mercados e clientes em regiões cada vez mais distantes; iii) nesse processo para fomentar as vendas e “manter margens”, também é comum que a companhia passe a oferecer condições de pagamento mais elásticas, juntamente com uma política de crédito mais condescendente.
O segundo efeito é o mais crítico e, também, um dos menos compreendido. Ele resulta da tempestade perfeita formada pela conjugação de vendas crescentes, prazos de recebimento mais elásticos e política de crédito mais agressiva, resultando em forte dreno de capital em giro.
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Explicando, praticamente todas as empresas, em graus diferentes de intensidade, precisam financiar parte do seu capital em giro. O capital em giro é formado pelos ativos operacionais, tais como: estoques, contas a receber, impostos pagos antecipadamente e adiantamentos a fornecedores. Parte desse capital em giro é financiada pela própria atividade operacional da empresa, como por exemplo: fornecedores, funcionários (folha de pagamento), impostos a recolher e adiantamento de clientes. A diferença entre os ativos e passivos em giro é chamada de necessidade de capital de giro (net WC).
Mas por que é tão importante entender a lógica da formação dessa necessidade de capital de giro? Primeiro, porque como o próprio nome diz, essa necessidade de capital precisa ser financiada de alguma forma e, principalmente, porque o investimento em capital em giro cresce numa relação quase que direta com o aumento das vendas[1].
Em relação à forma de financiamento da necessidade de capital de giro, é bom lembrar que a grande maioria das empresas brasileiras não possuem public rating para acessar o mercado de capitais. Desta forma, ou financiam o crescimento das vendas com recursos próprios dos acionistas (dividendos retidos e/ou capitalização), ou terão que recorrer a recursos de terceiros de curto prazo (normalmente bancos).
Assim, nesse cenário, à medida que a empresa passa a vender mais e concede mais prazo aos seus clientes, o que se observa é um aumento expressivo do endividamento (relação recursos onerosos de terceiros e capital próprio), juntamente com um forte aperto na liquidez (concentração do endividamento no curto prazo). Esse constante crescimento do endividamento, principalmente no curto prazo, pressiona a saúde financeira da empresa e, basta uma pequena crise de liquidez no mercado financeiro e/ou aumento na inadimplência, para que a companhia entre em default.
Parece incoerente dizer que uma empresa que vende mais e lucra mais, pode estar rumando para uma grave crise de liquidez. Mas a razão é simples, nenhum indicador de lucratividade (lucro bruto, operacional, líquido...), nem mesmo o EBITDA, são medidas de geração de caixa. Todos esses indicadores desconsideram os investimentos necessários em CAPEX e no capital em giro. Sempre é bom lembra: "empresas não quebram por falta de lucro, mas, sim, por falta de caixa".
[1] Para fins de simplificação, imagine uma empresa que precise financiar apenas o seu contas a receber (e.g. paga tudo à vista, inclusive tributos e folha; não tem adiantamentos, não mantém estoque; e vende tudo a prazo com 45dd). Se a sua venda mensal for de R$100k, seu contas a receber e net WC será de R$150K. E, se a empresa resolver aumentar as vendas em 20% para R$120K, sua net WC passará para R$180k e, para tanto, será necessário buscar recursos para financiar esses R$30k adicionais de net WC. Essa relação também pode ser facilmente observada ao apurarmos, mês a mês, a necessidade de capital de giro e a venda do respectivo mês. O número resultante indicará, em média, quantos meses de vendas a empresa precisa financiar o seu ciclo operacional. Esse indicador só irá variar se a companhia vier a alterar o prazo médio dos itens de giro - recebimento, estoque, fornecedores, ...
Diretor da empresa DIMAT Solutions
1 aMuito bom Jorge Zanette. Artigo esclarecedor e importante. Parabéns e sucesso.