A ARTE DA ESTRATÉGIA PARA UM MUNDO VICA*

A ARTE DA ESTRATÉGIA PARA UM MUNDO VICA*

“Não são as espécies mais fortes as que sobrevivem, nem as mais inteligentes, mas sim as que melhor se adaptam às mudanças.”

A ideia aparentemente expressa na frase em epígrafe, por muitos atribuída a Charles Darwin, transcende o universo das ciências biológicas e se encaixa perfeitamente no ambiente corporativo atual.

Em um mundo Volátil, Incerto, Complexo e Ambíguo (VICA) como este que ora vivenciamos, onde a intensidade, diversidade e rapidez com que as mudanças ocorrem ditam novas regras ao jogo e promovem impactos intensos e contínuos no ecossistema socioeconômico que envolve e alimenta as nossas empresas, torna-se cada vez mais difícil a construção de cenários futuros (fator essencial a qualquer planejamento), até mesmo no curto prazo.

Mas há saída, grita em mim a experiência de décadas de consultoria em estratégia organizacional para empresas dos mais diferentes portes e segmentos. O problema é, onde ela (a saída) está? Que estratégia (o caminho) usar para alcança-la? E alcançando-a, como fazer para ser e se manter competitivo? Na busca por respostas factíveis, convém entender melhor esse contexto VICA.

Quando dizemos que o mundo se comporta de uma forma volátil, queremos afirmar que nele, nada é permanente; que mesmo as tecnologias mais avançadas, são inconstantes, mutáveis, aliás, automutáveis (o que chega a ser assustador); que o mundo que aí está é líquido, flui de um formato para outro muito rapidamente e ao sabor das suas conveniências. Planejar nesse novo mundo, não é tarefa para mentes fechadas no passado, exige mentes abertas ao novo.

O aspecto incerto, se mostra evidente na imprecisão e incompletude dos conhecimentos que adquirimos. Em constante evolução, os conhecimentos nos chegam sempre carentes de complementos, de atualizações. E isto nos traz mais incertezas quanto a projetar cenários com base no que acreditamos saber. Tudo se torna passado muito rápido. Acrescente-se o inesperado desastre trazido pela pandemia do coronavírus, e o contexto de caos está posto. Difícil dar os próximos passos quando sequer conseguimos imaginar o que virá, quando não enxergamos um único caminho viável.

O caráter complexo nos põe diante de frequentes dilemas. Há inúmeras variáveis interdependentes interagindo em qualquer processo que empreendemos, em qualquer relacionamento que promovemos, em qualquer problema com que nos deparamos e precisamos resolver de forma efetiva. E como não temos parâmetros anteriores, não há uma série histórica de dados, não há um exemplo já vivenciado, não há passado que se assemelhe, tomar decisão chega a ser um ato lotérico, com riscos incalculáveis.

E por fim, o lado ambíguo do mundo à nossa frente se revela a cada momento em que temos de dar uma resposta precisa, fazer uma escolha sobre que caminho seguir. Porque não há apenas uma única resposta possível. Para cada questão há múltiplas possibilidades, e os dados de que dispomos não nos são claros. E essa ambiguidade compromete a nossa interpretação do problema, não nos permite perceber a sua natureza com a necessária acurácia para uma tomada de decisão coerente. Assim, frente a tanta incerteza, acabamos sendo compelidos a arriscar no escuro.

Diante de tudo isso, frente às tantas novidades que surgem a cada momento, todas tão diferentes, tão diversas e novas para cada um de nós, manter as nossas empresas competitivas neste universo mutante, depende cada vez menos da nossa capacidade de antever o futuro (mesmo que no curto prazo) e cada vez mais da nossa capacidade para se adaptar ao novo, e se adaptar no menor tempo possível. Portanto, a saída estratégica para competir nesse mundo VICA, está na nossa capacidade adaptativa.

Precisamos entender como as mudanças externas acontecem, qual o impacto que elas provocam nos nossos negócios, focar na estrutura interna das nossas empresas, olhar para dentro delas, compreender como funcionam as relações entre as pessoas que nela trabalham, ensinar essas pessoas (e isso nos inclui) a serem mais maleáveis, a aceitarem e promoverem as mudanças necessárias.

Em “Capacidad Adaptativa, cómo las organizaciones pueden sobrevivir y desarrollarse en un mundo cambiante”, o chileno Juan Carlos Eichholz nos dá uma luz de como fazer isto. Ele sugere elegermos um conjunto de variáveis que, se aplicadas conscientemente, podem aumentar a capacidade de adaptação das nossas empresas. Para Eichholz, existem cinco dimensões que, juntas, formam um todo orgânico que dá vida a cada organização, e que, quando trabalhadas adequadamente, contribuem positivamente para a nossa capacidade de transitar diante do novo.

A primeira é o propósito, entendido como a alma da organização. A segunda, a estrutura organizacional, que forma o esqueleto sobre o qual se sustentam as operações; depois vem a cultura, tida como o sangue que alimenta e dá vida à empresa; em seguida vem o talento, representado nas pessoas, que são o coração a fazer pulsar e manter vivo o negócio; e por fim, a estratégia, que bem pode ser caracterizada como o cérebro da empresa.

Tal qual todo e qualquer organismo vivo, para manter-se competitiva neste ambiente em constante mudança, onde a cada momento um novo competidor ou uma nova forma de competir surge, uma nova e disruptiva tecnologia emerge, um novo modo de produção nasce, uma nova política passa a ditar as normas, a empresa precisa estar atenta a estas cinco dimensões.

Portanto, a arte da estratégia está em ter um propósito claro e inspirador; formatar uma estrutura compatível com os desafios por enfrentar; criar uma cultura motivadora, que anime as pessoas a aceitar as mudanças, aprender com elas e as realizarem juntas; e, por fim, traçar uma estratégia simultaneamente coerente com os anseios das pessoas, da empresa e do mercado.

Francilio Dourado Filho

Sócio Diretor da E2 Estratégias Empresariais

*Artigo originalmente publicado na Revista da FIEC, edição 135.

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