_A Arte da Positivação
“A Arte da Positivação”
por Ricardo Ruzzarin
PORTO ALEGRE 2013
Administrador de Empresas (PUCRS), Professor Universitário (UNISC/UPF/FAPA/FADERGS), com especialização em Administração de Recursos Humanos (FDRH) e formação em Dinâmica dos Grupos (SBDG). Idealizador do curso de Pós-Graduação em Gestão do Capital Humano (GESCAPH-FAPA). Mais de duas décadas de experiência em RH, atuando como consultor interno em empresas nacionais e internacionais. Coautor de 3 publicações na área de gestão por competências e ganhador de 4 premiações Top Ser Humano - categoria Empresa. Dirige a Divisão de Carreira e Performance da Resolution, onde já implantou dezenas de projetos de gestão de cargos e carreira.
R951s Ruzzarin, Ricardo
Competências: uma base para a governança corporativa / Ricardo Ruzzarin, Marcelo Simionovschi. – Porto Alegre, RS: AGE, 2017. Segunda Edição
ISBN 85-7497-308-4
Por definição, todo e qualquer processo de gerenciamento da avaliação e performance nas organizações é formado minimamente por três atores: o funcionário avaliado, o gestor avaliador e a empresa, que é a patrocinadora do processo.
Em várias incursões profissionais, realizando capacitações de lideranças para o processo de avaliação, seguidamente provoco os participantes com a pergunta:
“- Quem é o principal beneficiado do processo de avaliação? O funcionário, o gestor ou a empresa? Quem é que mais ganha com o processo?”
A resposta mais comum vinda das lideranças é que o “funcionário” é o principal ator beneficiado. Não que exista algo totalmente errado nisso, mas, talvez, por trás desta resposta, ainda resida uma herança muito paternalista nas relações de gestão em nossas organizações. É claro que o funcionário será beneficiado, afinal se sentirá valorizado, irá perceber que o seu gestor se interessa por sua carreira, terá reconhecimento pelo trabalho realizado e/ou será orientado a realizar as correções de rumo necessárias etc.
E a empresa? Também é óbvio que ganha com isso, desde que o processo seja desenvolvido com maturidade, ética, densidade e competência. Alguns ganhos em potencial serão a melhoria da qualidade das entregas e da produtividade por parte dos funcionários, um maior conhecimento da força de trabalho, através do mapeamento geral das competências de seus colaboradores etc.
Por fim, e o ator “gestor”? O que ele pode ganhar com a formalização do processo de gestão da performance na organização? Algumas respostas comumente encontradas são maiores informações e conhecimento da equipe de trabalho, melhores condições de reduzir a subjetividade nas tomadas das decisões relacionadas às pessoas e mais transparência na relação com a sua equipe de trabalho.
Todos estes pontos listados acima seguem sendo a mais pura verdade e realidade potencial de um processo de gerenciamento da performance. Todavia, um dos pontos seguidamente esquecidos e não citados em minhas provocações às lideranças é o RESULTADO que pode ser conquistado com uma correta e justa avaliação. Raramente algum gestor ao ser indagado pela pergunta sobre os benefícios do processo de avaliação tende a responder que conseguir melhores resultados dos indicadores de sua área pode vir a ser um potencial saldo do ciclo de avaliação.
E porque motivo esta resposta não aparece?
Podemos ter aí várias hipóteses a serem estudadas, que estão associadas ao clima organizacional, à cultura e estilo de gestão e aos objetivos mirados pela sistemática de avaliação em cada empresa. Mas podemos aqui colocar mais uma hipótese, a qual, pelas observações de campo, tende a ser um motivo importante para o fator RESULTADO não ser percebido como um dos principais ganhos do processo de avaliação: justamente pela não observância de resultados mais concretos nos indicadores de desempenho da área após o ciclo de avaliação.
Segue o raciocínio desta tese: e porque a liderança não observa resultados práticos, como melhoria dos indicadores de produtividade, de redução de retrabalho, de melhoria de clima, de satisfação dos clientes, entre outros?
Para responder a estas questões talvez tenhamos que investigar em nossas organizações a forma com que o processo de avaliação e feedback se desenvolve. Idealizamos que este processo seja feito da forma mais intensa possível por parte dos atores, todavia, é comum verificarmos a área de Recursos Humanos tendo que cobrar e correr atrás dos gestores para que cumpram o prazo estipulado para encerramento do prazo para a avaliação de efetivação de novos colaboradores ou para o ciclo formal de avaliação e feedback. E, se isso precisa acontecer, é um sinal claro de que o processo ainda é pouco valorizado, faz pouco sentido, agrega baixo valor, ou tem baixa credibilidade na empresa.
Sendo um processo pouco valorizado, e que talvez não aconteça caso o RH não mendigue o seu cumprimento por parte das lideranças, é um bom indício de que, dificilmente, ele trará resultados concretos para a gestão. Forma-se aí o círculo vicioso do processo.
Se não temos o hábito real e efetivo da autoavaliação, quem dirá de heteroavaliação? O que dirá receber do outro uma visão sobre algo, se eu não conheço a mim mesmo? Se eu conheço de mim e alguém diz algo, eu tenho condições de realmente ver se isso realmente é meu, se isso me pertence, se eu posso rever isso, se isso faz sentindo etc. Então aí eu posso construir e se tornar uma aprendizagem. Mas se eu não tenho o autoconhecimento o que vem do outro é percebido como um ataque, como algo que não é para construir, que vem de alguma forma para desestabilizar. Não fica caracterizado como um processo de aprendizagem e de troca.
Paralelo a isso não podemos ignorar que os introdutores da avaliação nas empresas, na década de 60, tinham um objetivo central que era o controle, e aqui não podemos nos enganar que a área de Recursos Humanos surgiu no mundo como uma atividade de controle. Depois é que vem, a partir da sua evolução, ganhando espaço mais nobre na gestão organizacional, com um foco mais estratégico. Mas no início dos tempos, há mais de 50 anos, a finalidade era controlar pontualidade, assiduidade, conhecimento do trabalho, qualidade do trabalho e quantidade de trabalho, e que tinha, algumas vezes, até o objetivo de identificar os potenciais funcionários a serem demitidos. Temos, então, essa herança cultural ainda presente em nossas relações de trabalho.
Percebe-se, com estas abordagens acima, que podem existir muito mais razões que vão além da desculpa tradicional de que a liderança está sem tempo para realizar as suas avaliações...
Em algumas organizações o processo acaba forçadamente acontecendo por estar atrelado visceralmente ao subsistema remuneração. Neste caso o RH não precisa cobrar muito para que ele aconteça, todavia, segue o circulo vicioso, onde o resultado prático da avaliação (geração de resultados nos indicadores de gestão) acaba também não se confirmando.
O estado da arte neste sentido, ou, em outras palavras, o círculo virtuoso do processo de avaliação e feedback será o dia em que a empresa, representada pela área de RH, seja cobrada pelo início do ciclo formal de gestão da performance. É a situação em que os gestores passam a cobrar da área de Recursos Humanos o start do processo, pois querem, novamente, formalizar um novo ciclo de avaliação, feedback e construção / revisão do plano de ação de desenvolvimento. Quando isso acontece, é porque o gestor viu e pôde mensurar resultados práticos desde o ciclo anterior. Não só resultados de mobilização e desenvolvimento da equipe, mas, também, resultados positivos dos seus indicadores de resultado. É aquele estágio onde a liderança em questão passa a ser percebido pela organização como um líder diferenciado, e que consegue, através das ferramentas estratégicas de RH, catapultar suas ações de gestão para novos patamares.
Quando a liderança consegue tais resultados concretos, é o que costumamos alcunhar de POSITIVAÇÃO DO PROCESSO DE AVALIAÇÃO. A positivação acontece quando, a partir de um resultado que estava NEUTRO, aparecem indícios subjetivos e resultados concretos de que a pessoa e os indicadores melhoraram.
Quando este efeito acontece, acaba se tornando um círculo virtuoso, contaminando positivamente as lideranças e fazendo com que estas entrem de forma ainda mais madura, ética, densa e competente no ciclo seguinte de avaliação.
Já a negativação acontece quando o ciclo de gestão da performance piora o estado neutro em que este assunto estava. No estado neutro as pessoas não tinham muita noção de onde estavam, nem como eram percebidas no contexto da organização. Caso o gestor, mal preparado ou mal orientado pelo RH, entre na sessão de feedback com baixa competência, imaturo ou superficial no que tange às suas convicções e argumentações acerca do gerenciamento das competências de seu colaborador, o resultado da avaliação será muito ruim.
Além de não gerar nenhum resultado concreto, pior do que isso, é gerar resultados inferiores àqueles que já eram observados no anterior estado neutro das coisas relacionadas a este assunto. É como se a empresa abrisse uma janela que sempre esteve fechada na organização e, depois de aberta, a paisagem vislumbrada fosse absolutamente escura e confusa. É quando os gestores realizam as avaliações pela tarefa e pelo prazo, e não pela crença.
Quando este cenário é observado em algumas minorias dentro da empresa, é sinal de que a mudança chegou, e faz-se necessário atuar sobre ela. Cabe ao RH acolher as eventuais dificuldades da gestão em questão e apoiá-la na melhoria de suas práticas de condução de feedback. Traduzimos este modelo de relacionamento descrito acima como a realização de um “contrato de mediocridade”, isto é, o ator gestor propõe que o processo de gestão da performance seja realizado de forma superficial (apenas para cumprir um procedimento de RH), e o ator colaborador (o elo mais fraco da corrente) acaba tendo que se obrigar a pactuar com tal mediocridade.
Normalmente, nestas situações, o ciclo de avaliação ocorre uma vez só, depois o assunto é “esquecido” pela organização e descontinuado. Em outras palavras, a negativação do processo de avaliação compromete frontalmente a continuidade de um programa de gestão de carreira e a mensagem que a empresa passa para seu corpo de funcionários é a pior possível...