Artigo: Conselho de Administração: caos ou céu de brigadeiro?

Artigo: Conselho de Administração: caos ou céu de brigadeiro?

Como dois leões mostrando suas garras e dentes afiados, naquele instante que precede a brutal luta pela vida e morte, Alberto e Bernardo vociferavam um contra o outro sobre algum tema irrelevante.

Só que não estávamos na savana, nem estávamos em um safari lutando pelas nossas vidas, estávamos todos confortavelmente sentados em uma mesa, debaixo de um ar condicionado que, de tão frio, me dava arrepios, lá fora um calor quente e úmido, típico de uma tarde de verão curitibana. 

Cinco conselheiros, um diretor e eu redigindo aquela ata caótica em que os dois leões faziam questão que eu escrevesse as injúrias proferidas um para o outro naquela sala montada especialmente para a reunião do conselho de administração do grupo Novo. 

Vindo de multinacionais, nas quais os executivos se esforçam para parecer inteligentes e competentes, eu não entendia aquele embate vigoroso entre esses dois formidáveis oponentes que lutavam, não pela vida nem pela morte, mas, ferrenhamente pelos seus pontos de vista. 

Aquele foi o ano de 2006, o ano que mudei para a minha adorada Curitiba, cidade onde tudo funciona e os parques são bem cuidados.

Ajudar na implantação daquele conselho de administração me parecia uma tarefa muito simples para alguém que já estava acostumado a preparar quarterly reports auditados por uma das, na época, Big Five. E, para a minha surpresa, que tinha até mesmo que providenciar o cafezinho e encontrar um restaurante para o almoço dos conselheiros, de repente, encontrei um mundo diferente daquele ambiente corporativo que eu estava acostumado.

De um lado, os ex presidentes da GVT e da IBM e de outro lado três sócio-irmãos de um grupo de empresas familiar. Era pauta comum naquelas reuniões, analisar empresas à venda, analisar concessões governamentais, discutir decisões políticas que poderiam afetar os negócios e também promover oportunidades.

O negócio de energia surgiu por causa da futura demanda da lenda do desejado metrô de Curitiba. Descobriu-se mais tarde que energia, embora demande capital intensivo para construir a usina, tornou-se um dos negócios mais lucrativos do grupo. E eu, na minha ignorância corporativa, estava naquele momento olhando por trás da cortina dos negócios empresariais que saem nas notícias de revistas especializadas, anos depois. 

A minha tarefa, que parecia simples, foi muito mais desafiadora do que eu pensei: cobrar diretores que, ao mesmo tempo que eram sócios do negócio, não estavam acostumados a prestar contas. Entender o ciclo financeiro da operação que deixava os sócios com os olhos brilhando naquelas empresas que, na minha cabeça contábil, só davam prejuízo.

Foi naquele momento que aprendi que o conhecimento financeiro que eu tinha adquirido em controladoria de multinacionais era muito pequeno frente à visão de negócios daqueles empresários. Balanço e DRE não faziam sentido, Fluxo de caixa e ciclo da operação, coisas que não se ensinam na faculdade, são assuntos que o empresário domina quase como um superpoder. 

Passei a respeitar aqueles que, na minha visão inicial, eram iletrados nas matérias que eu dominava. Passei a reverenciar aqueles que estavam me ensinando, e pagando para isso, a dominar um conhecimento que vai além das salas de aula. 

Sim, pessoas normais, que se alegram e se lamentam. Pessoas normais com necessidades normais, mas, ao mesmo tempo, pessoas com conhecimento financeiro sofisticado. 

A implantação do Conselho não foi uma das tarefas mais simples. Houve muita resistência por parte dos diretores e até mesmo dos gerentes abaixo daqueles diretores.

Era natural, porque cada diretor encontrava na empresa que comandava o seu feudo e o gerente era o seu fiel escudeiro. 

A regularidade e fluidez das informações era outro desafio, porque os diretores sempre tinham “algo mais importante para fazer”. 

Mas com o passar do tempo, essas barreiras foram vencidas, e, pouco a pouco começou-se a colher os frutos daquela empreitada que, até então, parecia hercúlea.

Diretores e gerentes familiares que não se adaptaram à nova gestão ou não apresentavam performance adequada foram substituídos por profissionais de mercado reduzindo as tensões familiares.

Empresas que sem sinergia foram vendidas e o grupo focou sua atenção nos negócios estratégicos. Tudo isso porque a governança corporativa fora estabelecida e o Conselho tornou-se o grande guardião desse sistema. 

Vez por outra, esbarro em um ou outro membro daquela família empresária. E, sempre que vejo a marca daquele grupo em algum empreendimento, sei que aquele trabalho, iniciado há 18 anos atrás, rende frutos até hoje permitindo que as empresas naveguem em céu de brigadeiro e a riqueza seja mantida e transferida para as gerações futuras daquela família.

Que relato interessante e inspirador . Obrigada por compartilhar conosco sua experiência.

Legal saber que participou desse momento nesse grupo empresarial e faz todo sentido aproveitar os aprendizados para identificar qual o céu que quer a sua frente! Ter a clareza da turbulência o fará mais forte para enfrentá-la.

Excelente abordagem e comparações, Wener Yamada!

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