Artigo: “Mudança no regime fiscal tem déficit de credibilidade” ( "Change in fiscal regime has credibility deficit).

Artigo: “Mudança no regime fiscal tem déficit de credibilidade” ( "Change in fiscal regime has credibility deficit).

My article published "Change in fiscal regime has credibility deficit” in Valor Econômico newspaper of February 18, 2016. Segue o meu artigo publicado “Mudança no regime fiscal tem déficit de credibilidade” no Jornal Valor Econômico de 18 de fevereiro de 2016.

Por Eduardo Velho

O governo tem defendido uma mudança do regime fiscal, com a proposta de substituir o cumprimento da meta de superávit primário pelo resultado condicionado ao ciclo econômico e às variações não esperadas da arrecadação. A ideia é simples: quando o ritmo do crescimento do Produto Interno Bruto registrar taxas inferiores às estimativas iniciais com efeito também na arrecadação, a meta de superávit seria ajustada para baixo. O diferencial entre a arrecadação estimada e a efetiva seria descontada da meta fiscal. Nessa visão, seria mais importante as bandas de flutuação do esforço fiscal comparativamente à reversão do déficit público ou ampliação do superávit primário. É louvável e racional adaptar a meta fiscal às flutuações do PIB, mas no panorama atual, não podemos evitar o questionamento de se essa regra de aprimoramento sancionaria transparência e confiabilidade.

O atual regime fiscal incentiva de forma implícita que o excesso de arrecadação seja transformado em mais gasto público, com repercussões na demanda agregada. Há um consenso de que nas recessões a probabilidade de obter um superávit ou recuo do déficit público é reduzida, inclusive para estabilizar a trajetória da dívida pública. Não discordo disso.

Para o investidor, a meta flexível não garante uma nova atitude, mas sinaliza menor esforço fiscal. O desafio é ampliado quando o governo tem pouco apoio político para aprovar projetos de cortes de despesas e/ou de aumento das receitas. Muitos integrantes da base governista são contrários à aprovação da receita da CPMF e à reforma estrutural da Previdência que defina o aumento da idade mínima de aposentadoria e o estabelecimento de uma regra de transição. São temas relevantes, mas polêmicos, que exigem tempo de discussão no Congresso para analisar a distribuição dos custos do ajuste.

As evidências internacionais apontam que o contexto econômico nos países que adotaram bandas fiscais era de estabilidade inflacionária e de endividamento público reduzido ou controlado. No Chile por exemplo, a relação dívida total do governo/PIB recuou de uma faixa de 45% em 1990 para 15% em 1997. O comprometimento com a geração de poupança fiscal por meio do Fundo de Estabilização do Cobre - cujos recursos são utilizados para pagar a dívida fiscal - evitou a dominância fiscal sobre a política monetária e proporcionou a reputação da política anticíclica. Na economia peruana, a banda fiscal acomoda uma cláusula de relaxamento no ano em caso de crise nacional ou crise internacional, mas reduziu drasticamente a hiperinflação na transição dos anos 2000. Nos Estados Unidos, as regras fiscais são respeitadas de forma estrita, com corte imediato de despesas, inclusive de salários (medida mais drástica) quando a dívida pública atinge o teto permitido.

Entretanto, no Brasil, o endividamento público não parou de crescer nos últimos anos. A nossa dívida pública bruta aumentou de 51,3% em 2011 para uma faixa de 67% do PIB entre 2011 e 2015 e as estimativas apontam para uma proporção de 80% do PIB até 2017. Na ausência de melhoria do primário, manutenção de uma inflação elevada, rigidez no mercado de juros e ausência de confiança na retomada, será difícil interromper novos rebaixamentos do rating do crédito da dívida brasileira pelas agências internacionais.

As taxas elevadas de crescimento econômico doméstico e da arrecadação fiscal entre 2003 até meados de 2012 foram beneficiadas pela expansão extraordinária do comércio e do PIB mundial, que se refletiram no ingresso robusto de divisas cambiais e de receita fiscal nas economias emergentes e exportadoras de commodities, como o Brasil, no contexto de um crescimento dos Estados Unidos inferior ao potencial e dólar fraco. Entretanto, as configurações do motorzinho chinês e das taxas de câmbio foram alteradas nos anos recentes e combinadas com a deterioração rápida das contas públicas, exigindo ajustes emergenciais na economia brasileira.

Sou defensor de uma política fiscal e monetária anticíclica, mas não se pode adotar um novo regime flexível de bandas apenas com boas intenções. Precisamos sair da crise política, aprovar reformas e recuperar a credibilidade da política econômica, como a gestão do gasto público e o combate à inflação, pois essa confiança, refletida na curva dos ativos financeiros, não será conquistada por decreto. O governo respeitará o limite de expansão dos gastos? Qual a garantia no caso do crescimento econômico superar as estimativas, de que o governo priorizará a poupança pública e não utilizará os recursos excedentes para estímulos pontuais? O horizonte de cumprimento das metas flexíveis serão indefinidos, como é adotado na prática na meta de inflação de médio prazo? Os intervalos para o resultado primário condicionados à arrecadação são racionais, mas no momento, tendem a sinalizar dificuldades de aprovação dos ajustes estruturais no Congresso e limites do contingenciamento do corte de gasto público, com a concentração do ajuste pelo lado da receita.

A questão relevante não é propriamente a mudança do regime, mas a sua credibilidade. Se o cumprimento da meta flexível e o respeito à regra do limite de gastos forem críveis para o mercado, ocorrerá naturalmente o recuo dos juros futuros e das projeções da dívida pública. Esse limite beneficiaria a cultura de zelo na política fiscal, mas hoje, um dos principais problemas é a trajetória de elevação da proporção da despesa primária obrigatória, que já supera 90% do total.

Seria fácil a adoção das metas fiscais flexíveis em uma economia sem contabilidade fiscal criativa, com regras adequadas de expansão dos gastos fiscais, com critérios de eficiência do gasto público, com reputação de cumprimento das metas fiscais e de inflação, estabilidade inflacionária etc. O regime fiscal pode ser aprimorado de forma a conciliar uma gestão anticíclica fiscal em convergência com a política monetária. Entretanto, na ótica atual do investidor, a meta flexível não garante uma nova postura de política econômica, mas uma sinalização de menor esforço fiscal e de combate à inflação no curto prazo com ausência de reformas estruturais. Tempo para reputação fiscal!

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