Ascensão e Queda da Curva de Vail na Estratigrafia: Limitações e Contribuições

Ascensão e Queda da Curva de Vail na Estratigrafia: Limitações e Contribuições

A estratigrafia é uma ciência fundamental na Geologia, que realiza o estudo das camadas rochosas e dos processos que moldaram a Terra ao longo de sua história geológica. Desde que Steno postulou os princípios básicos da estratigrafia no século XVII, nenhum outro modelo foi mais influente e controverso que a Curva de Vail para a estratigrafia sedimentar.

Desenvolvida na década de 1970, ela representou um marco na interpretação das variações do nível do mar ao longo das eras geológicas, através da identificação de padrões  de deposição de sedimentos, agrupando-os em sequências limitadas por superfícies de não deposição ou erosão (desconformidades) que é o princípio básico da estratigrafia de sequências

Porém, desde sua proposição, a Curva de Vail foi amplamente questionada, sendo posteriormente substituída por abordagens mais refinadas.


Mas o que é a Curva de Vail?

A Curva de Vail (ou curva da Exxon) foi proposta por Peter Vail e sua equipe da Exxon Production Research, com base no conceito de estratigrafia de sequências, no início dos anos 70. Ela representava as variações globais do nível do mar (eustasia), ao longo das eras geológicas. O modelo foi desenvolvido com base na interpretação de dados sísmicos, particularmente de bacias sedimentares da margem continental. A premissa central era que: a sucessão de camadas sedimentares registrava ciclos de subidas e descidas do nível do mar, que poderiam ser correlacionados globalmente.

A curva representava oscilações cíclicas do nível do mar ao longo dos últimos 250 milhões de anos, e foi rapidamente adotada na indústria do petróleo, para ajudar na prospecção de reservatórios sedimentares e na exploração de hidrocarbonetos. A curva de baseava na ideia de que essas variações eram, em grande parte, controladas por processos globais, oferecendo um método preditivo para identificar zonas de acumulação de hidrocarbonetos.


Como a curva foi criada?

No desenvolvimento da Curva de Vail foi utilizado um grande banco de dados de perfis sísmicos adquiridos durante as campanhas de exploração de petróleo. A interpretação dos dados sísmicos foi associada à ideia de que as mudanças no nível do mar estavam ligadas a ciclos tectônicos e climáticos de longa duração e de amplitude global.

A curva de Vail foi visualizada como uma ferramenta para correlacionar seções geológicas de diferentes partes do mundo. A metodologia central era a identificação de superfícies de discordância sísmica, interpretadas como eventos de exposição subaérea de áreas costeiras durante períodos de queda do nível do mar. Estas discordâncias foram usadas como referências das flutuações eustáticas globais.


Por que criar uma curva global era importante?

A possibilidade de correlacionar eventos sedimentares globais a partir de variações no nível do mar tinha uma aplicação direta na indústria do petróleo, onde a compreensão dos padrões de deposição sedimentar é essencial para a exploração de reservas de hidrocarbonetos. Além disso, os geólogos buscavam uma ferramenta preditiva que permitisse a correlação entre bacias sedimentares, o que  ajudaria a estimar a localização de sistemas petrolíferos favoráveis nas bacias menos estudadas.


Por que e como ela foi questionada?

Embora tenha se tornado uma ferramenta popular na exploração de petróleo, a Curva de Vail foi gradualmente sendo questionada por diversos pesquisadores. A principal crítica centrava-se na falta de evidências empíricas globais para suportar as grandes flutuações eustáticas então postuladas. As discordâncias sísmicas, que eram vistas mais como o resultado de processos locais, como subsidência tectônica e variações climáticas regionais, do que variações eustáticas globais. Pesquisadores independentes, como Sloss (1979) e Miall (1992), questionaram também a generalização das discordâncias sísmicas e a extrapolação delas para um modelo global.

Assim, estudos posteriores confirmaram que muitos dos eventos identificados como mudanças no nível do mar não eram globais, mas sim locais e restritos a certas bacias sedimentares.


Mas afinal, o nível do mar controla a sedimentação em bacias?

Sim, a variação do nível do mar é real e é um fator importante para a deposição ou erosão de superfícies, mas sua atuação não é homogênea em todo o globo. Fatores locais podem amplificar ou mesmo neutralizar e a bacia não apresentar nenhuma mudança perceptível em resposta à elevação ou queda do nível do mar. Por isso, em vez de um modelo global único para variações eustáticas, os geocientistas agora reconhecem que cada bacia sedimentar tem uma história única, moldada por múltiplos fatores, tendo caráter relativo. Dessa forma, os ciclos de deposição não podem ser generalizados globalmente apenas considerando superfícies de erosão ou de não deposição, mas sim considerando o histórico de cada bacia, como na Curva Eustática de Haq (2014)


Conclusão

A Curva de Vail foi pioneira ao propor uma relação direta entre as variações eustáticas globais e os ciclos de deposição sedimentar. No entanto, sua ênfase às variações do nível do mar em escala global, uma superestimação da influência eustática, mostrou-se com o tempo insuficiente para explicar completamente a diversidade dos registros sedimentares globais, pois as bacias sedimentares também são fortemente controladas por processos tectônicos, variações climáticas e dinâmicas de sedimentação de caráter mais local, como mostraram estudos posteriores que incorporaram mais claramente a influência de fatores regionais e locais.

Porém, é notória a contribuição da Curva de Vail na divulgação e na consolidação da estratigrafia de sequências como um novo paradigma, que passou a incorporar uma abordagem estratigráfica mais detalhada, considerando a variedade de processos, como  tectônica, clima, eustasia e dinâmica de sedimentação, gerando um enorme avanço no conhecimento e no entendimento da dinâmica de sedimentação de bacias e de seus múltiplos controles.


Referências

- Miall, A. D. (1992). "Exxon Global Cycle Chart: An Event for Every Occasion?" Geology,  vol. 20, no. 8, pp. 787-790.

- Sloss, L. L. (1979). "Sequences in the Cratonic Interior of North America." Geological Society of America Bulletin, vol. 90, pp. 1-12.

- Vail, P. R., Mitchum, R. M., & Thompson, S. (1977). "Seismic Stratigraphy and Global Changes of Sea Level: Part 4. Global Cycles of Relative Changes of Sea Level." AAPG Memoir 26, pp. 83-97.

- Catuneanu, O. (2006). Principles of Sequence Stratigraphy. Elsevier.

Haq, B. U. (2014). Cretaceous eustasy revisited. Global and Planetary Change, 113, 44-58

AIMAR NICOLETTI

Geólogo | Especialista em Gerenciamento de Áreas Contaminadas

5 m

Geólogo geologando ... não tem preço! Que sensação boa! Parabéns Sérgio.

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