“Até na morte é triste ser-se miserável. Sobretudo quando se morre por o ser”!
Há 50 anos, na noite de 25 para 26 de Novembro de 1967, ocorria, na região de Lisboa, o maior desastre natural em Portugal depois do terramoto de 1755. Fortes chuvas provocaram enxurradas, desabamentos e inundações que terão causado um número indeterminado de vítimas. A ditadura não permitiu que se conhecessem os reais números da tragédia por recear que a comoção gerasse reações críticas contra regime. Terão sido bem mais do que os 462 mortos oficialmente reconhecidos, havendo estudos que apontam para perto de 700.
É exercício interessante verificar quem foram as vítimas:
No Estoril, onde se atingiram maiores índices de precipitação, não houve vítimas; nas zonas residenciais da cidade só se registaram 3 mortos; a desgraça abateu-se verdadeiramente nas zonas pobres, nos bairros de lata clandestinos, erguidos à volta de Lisboa pelos que fugiam à miséria do interior. “Sem saneamento básico nem canalizações, construíam barracas ou pequenas casas de adobe o mais perto de rios e ribeiras, de que dependiam diariamente para ter água. Um dia, mais tarde ou mais cedo, o pior haveria de acontecer. Era uma tragédia anunciada”, lamenta o geógrafo Francisco Costa a uma recente reportagem do Expresso.
Alguma imprensa conseguiu contornar a Censura e assinalar a base do problema. O “Comércio do Funchal”, por exemplo, contrariou o registo de fatalidade natural com que o Regime tentava minimizar a tragédia, apontando antes para a fatalidade social: “foi a miséria (…) que provocou a maioria das mortes. Até na morte é triste ser-se miserável. Sobretudo quando se morre por o ser”!
A historiadora Irene Pimentel conclui que esta tragédia evidenciou que Portugal “era um país que não cuidava dos seus próprios cidadãos”. 50 anos depois, perante os recentes e trágicos fogos que se abateram no centro do país, ouvimos de novo esta mesma queixa.
Lampedusa não podia estar mais certo quando explicou como é que tudo tem que mudar para que tudo fique na mesma…
(foto de Eduardo Gageiro)