Atenção Primária à Saúde e Saúde Corporativa: uma integração necessária e definitiva.

Atenção Primária à Saúde e Saúde Corporativa: uma integração necessária e definitiva.

A globalização, os cenários políticos, econômicos e sociais que vêm se desenhando no Brasil e no mundo na última década , a velocidade com que as mudanças tecnológicas e de gestão têm influenciado nos processos de produção e nas relações humanas no âmbito do trabalho, ao exigirem competências, comprometimentos e responsabilidades cada vez maiores e complexas dos profissionais, têm produzido ambientes laborais cada vez mais dinâmicos e diferenciados, que acarretam como consequência, novos e importantes impactos físicos e emocionais nos colaboradores em todas as atividades laborais nos mais diversos segmentos econômicos empresariais.

Os custos relativos à segurança e saúde no trabalho tais como: absenteísmo por adoecimento do trabalhador, contribuições previdenciárias por parte das empresas, acidentes de trabalho, sinistralidade do plano de saúde, dentre outros, só têm aumentado a cada ano.

A consultoria global Aon estima que a inflação médica no Brasil fechará o ano de 2019 com algo em torno de 17%, ou seja, quatro vezes a taxa do IPCA(4,31%). Isto significa que a situação ficará insustentável para as empresas que oferecem Plano/Seguro Saúde para os seus funcionários logo em breve, pois depois da folha de pagamento os custos com este dito “benefício” é o que vem logo atrás; quando se trata de custos com RH. Vale lembrar ainda os prejuízos com o absenteísmo por adoecimentos dos funcionários, que geram muitas vezes passivos previdenciários e trabalhistas para as empresas nos mais diversos níveis.

As tentativas de controle de diminuição dos gastos com "Saúde"(onde na realidade estes gastos são com "Doença") mostram-se cada vez mais infrutíferas. Isto não sofrerá alteração enquanto o foco principal destas ações estiver sobre as doenças já instaladas e não sobre a Promoção de Saúde e a Prevenção de Doenças. Conceitos estes que ainda são confundidos, pois a “promoção” impulsiona, fomenta, gera e origina medidas que não se atêm às doenças de forma específica, mas objetivam aumentar a saúde e o bem estar de maneira geral capacitando os indivíduos para que estes modifiquem suas determinantes de saúde em benefício da própria qualidade de vida, enquanto que a “prevenção” preconiza uma ação antecipada que se baseia no conhecimento da história natural da doença interferindo no seu processo de instalação, ou seja, implica em conhecimento epidemiológico de uma doença impedindo que ela se manifeste(a prevenção está alicerçada em recomendações normativas).

O modelo de negócio de saúde no Brasil desde o final da década de 80, início de 90, até há pouco, foi e ainda é centrado num modelo hospitalocêntrico, de uma escala quase infindável de realização de inúmeros exames complementares(muitas vezes desnecessários) e numa forma de remuneração dos serviços baseada no volume(produção), o chamado fee for service, e não no de valor/qualidade(produtividade), o chamado Value Based Healthcare, de desfecho clínico/cirúrgico, ou seja: quanto mais doenças/doentes, quanto mais internações, quanto mais exames(laboratoriais, imagens e gráficos), quanto mais procedimentos médicos, quanto mais hospitais gerais com grandes emergências e muitos leitos de CTI, melhor para os “negócios da saúde”. O markenting da doença foi e ainda é muito potente!

Costumo dizer, e esta frase não é minha, que as pessoas e porque não dizer também as empresas, só mudam de atitude por dois motivos: ou por convencimento ou por constrangimento. De dois anos para cá, talvez um pouco mais ou um pouco menos, parece que por mais constrangimento(altos custos) do que pelo convencimento, mas o importante é que está mudando, estamos observando uma alteração no modelo do negócio da saúde, onde uma forma de atenção à saúde vem se destacando de maneira mais premente, tanto no setor público quanto no setor privado. Atenção à saúde esta que prioriza um cuidado mais centrado na pessoa/paciente e na família, onde a boa medicina clínica alicerçada em: mais tempo para a escuta do paciente, uma boa anamnese e um bom exame clínico/físico, ganha novamente protagonismo. Digo novamente porque há 35 anos praticávamos uma medicina high touch e low tech, quando hoje a medicina está high tech e low touch. Devemos trabalhar para equalizar melhor esta dinâmica, fomentando uma prática médica high tech e high touch.

Estamos falando do ressurgimento da Atenção Primária à Saúde(APS), não só no Brasil mas em outros países mais desenvolvidos também. O nome não é muito “glamouroso”, pois o primário pode parecer ser básico de mais, simples de mais, sem muito charme, o brasileiro não gosta de nada muito básico não é mesmo? Mas o conceito e a prática da APS são fatores cruciais para a retomada da prática da boa medicina com o uso mais racional e menos comercial dos recursos(humanos, de propedêutica e terapêutica) de saúde. APS predispõe em sua essência o “cuidado da pessoa” no seu contexto familiar, com a identificação de suas ideias e emoções a respeito do adoecer e a resposta a elas. Busca relacionar e identificar objetivos comuns entre profissionais de saúde e pacientes sobre a doença e sua abordagem, com o compartilhamento de decisões e responsabilidades. O atendimento centrado no paciente deve orientar todos os aspectos do planejamento, prestação e avaliação dos serviços de saúde.

Isto posto e olhando para o mundo corporativo, podemos observar que existe uma oportunidade enorme de convergência entre a APS e a Medicina do Trabalho, também denominada há algum tempo por empresas e profissionais da área de saúde e segurança do trabalho como: Saúde Ocupacional ou ainda Saúde Corporativa, pois a visão já não está mais restrita ao gerenciamento e a exposição ao risco ocupacional(físico, químico e biológico) stricto sensu. A Saúde Ocupacional/Corporativa vem se firmando como um fator cada vez mais estratégico para a obtenção de uma maior produtividade e competitividade empresarial, por meio de uma gestão integral da saúde do trabalhador nos mais diversos ambientes laborais. Segundo a Buck Consultants já chegamos à era do Weelbeing 3.0, onde a saúde corporativa deve fazer parte do drive business performance empresarial. Grupos corporativos que não implementarem ou não absorverem este conceito num curto espaço de tempo poderão sofrer perdas de produtividade importantes e como consequência perderão competitividade no mercado. As empresas devem voltar o olhar para seus serviços próprios ou contratados de Saúde Ocupacional e observarem em que nível de qualidade estes serviços estão. São serviços eminentemente “cartoriais”, ou seja, só “carimbam ASO(Atestado de Saúde Ocupacional)” ou efetivamente fazem uma boa avaliação clínica e integral da saúde de seus funcionários? Estes serviços devem estar no mínimo alicerçados e em convergência com os Atributos Essenciais da APS: acesso, continuidade, abrangência e coordenação do cuidado, assim como dos Atributos Derivados da APS: orientação familiar, orientação comunitária e competência cultural; além logicamente de fazerem parte de todo um Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional(PCMSO) dentro dos preceitos regulatórios e dos conceitos de prevenção de doenças e promoção de saúde de forma global.          

“Ambiente de trabalho saudável é aquele em que os trabalhadores e os empregadores colaboram no uso de um processo de melhoria contínua para proteger e promover a saúde, a segurança e o bem-estar de todos os trabalhadores e a sustentabilidade do local de trabalho” (OMS, 2002).

Sendo assim, a Atenção Primária à Saúde e a Saúde Ocupacional/Corporativa devem estar sempre integradas visando a mudança para um comportamento mais saudável do funcionário e seus familiares, numa velocidade progressiva, factível, individualizada e que se torne perene. Desta forma o processo do adoecimento estará sendo “atacado” na sua raiz e não mais na linha final da terapêutica médica. Com isto teremos mais saúde, um menor custo com doenças e uma maior sustentabilidade para os negócios das empresas e porque não dizer da sociedade como um todo.  

Rodrigo Tetsuo Maruoka Nishi

Medico do Trabalho/Coordenador de PCMSO/Título de Medicina do Trabalho pela ANAMT e AMB/Palestrante/Gestor Médico/Diretor Médico

4 a

Excelente artigo! Parabéns! Temática extremamente relevante e moderna!

Excelente texto mesmo Welmer Carneiro, a altura dos textos do Ricardo De Marchi que também gostou e o elogiou. Além da qualidade do texto, da temática extremamente atual e relevante, me apaixonei pelas imagens selecionadas na ilustração! A saúde é parte da Gestão Estratégica da empresa, do negócio, sempre foi, mas agora está explicitada.

Angela Ozabor

Enfermeira/Gestão de Saúde/Enfermagem do Trabalho- Gestão de Afastados- Atenção Primária

4 a

Excelente conteúdo

gilberto zamboni junior

Consultor de gestão em medicina e segurança ocupacional - AMG SAÚDE

4 a

Excelente matéria.

Excelente artigo Welmer Carneiro. Vamos à vitalização de materiais como este que só agregam..🙏🏻

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