Atrás de um processo há uma pessoa e às vezes, uma família. Será só uma?

Atrás de um processo há uma pessoa e às vezes, uma família. Será só uma?

Quando li a notícia de 14/05/2020, sobre o inédito caso em que um trabalhador em sua residência, com o auxílio de uma servidora, em home office, ajuizou ação trabalhista, por meio remoto, usando apenas duas ferramentas populares WhatsApp e CISCO WEBEX, na Vara do Trabalho de Santa Luzia (MG), com o adendo importante do comentário da Juíza que transcrevo abaixo.

A experiência, que foi compartilhada com todos os servidores da vara, pode ser a motivação para que continuem desempenhando suas funções nesse momento de tantas adversidades, pois, apesar do volume imenso de trabalho, devemos sempre lembrar que atrás de cada número de processo está uma pessoa e, às vezes, toda sua família.

Pensei, chegou a hora de parar por alguns minutos, e me dedicar a escrever sobre esse fato histórico, que talvez enseja uma elevação da régua de propósito e compromissos, da burocracia estatal para com aqueles que a sustentam – os cidadãos brasileiros.

Quiçá a eficiência e o propósito emprestado por uma bela causa como “atrás de um processo há uma pessoa e às vezes, uma família”, conforme afirmado pela juíza, fosse o compromisso número 1 da maioria dos líderes da pesada burocracia estatal brasileira.

Como administrador de empresas, apresentado a Teoria da Burocracia de Max Weber (1864-1920), meu ceticismo impede, crer no início da era da racionalidade nos serviços públicos no Brasil, embora o fato inédito em MG, seja fundamental ao estudo do enorme crescimento da organização burocrática, em nossa República. A dúvida advém de fatos históricos recorrentes quando da acomodação no poder de maus políticos, sindicatos ideologizados, governantes gananciosos, representantes profissionais inescrupulosos e poder judiciário desconectado da realidade social brasileira, se unem para promover a ampliação da enorme lista de seus privilégios, entre outras chagas, drenando mais recursos de impostos para tal sustentação em detrimento de investimentos públicos básicos às ilhas menos favorecidas. Vejamos a razão disso.

A rainha-mãe das soluções para os problemas do pós-covid-19, foi diagnosticada pelos especialistas como sendo a busca da alta eficiência nas organizações privadas ou públicas, pela intensa aplicação de inovações tecnológicas, o que as levará a salvo ao novo modelo, totalmente digital. Aqui se insere o potencial disruptivo das soluções advindas das startups, do home office, do e-commerce, da impressora 3D, da Inteligência Artificial, dos drones e da robotização entre outras, já apresentadas em anos anteriores, em um pacote global de racionalidade econômica, porém, agora, recebe um apelido - novo normal, para nele marcá-lo, as transformações definitivas inseridas na vida pós-covid-19.

No Brasil, a poderosa união dos lobbies para com a burocracia estatal, sempre muito atentos e transversos entre os poderes, percebeu que algo precisava ser flexibilizado diante da necessidade de responder ao inovador e desconhecido e-government, sem perder a influência política, para salvar o seu establishment de uma reforma de fora para dentro.

Desde então, percebemos que pipocam nos imensos tentáculos da burocracia espraiados pelo Brasil, o esplendor de raios fugazes resultantes da aplicação tecnológica de baixo custo, dirigidos às ilhas abastadas, sob o domínio de quadras ideológicas e corporativistas, como no caso inspirador desse artigo. Por outro lado, espectadores atônitos reunidos em cidadãos comuns, trabalhadores formais e informais, servidores públicos da execução direta da saúde, educação e segurança, jubilados pelo INSS, pequenos empresários, entre tantos outros grupos, porém não menos importantes, apesar de calados, subjugados e alcançando uma parcela cada vez maior da sua renda ao pagamento dos tributos inseridos em seu consumo, assistem com interesse, na expectativa que rapidamente seja expandido o “efeito mágico” da eficiência tecnológica, expansão livre do alcance das velhas mazelas dos altos investimentos públicos, preferencialmente alocados em grandes projetos.

Diante da grande onda de eficiência tecnológica gerada pela transformação digital surge a dúvida. Será desta vez que uma burocracia estatal reinventada e ágil, suportada por um arcabouço jurídico contemporâneo e equilibrado, aproveitará para desembarcar em outras ilhas, menos opulentas, onde as largas quadras de miséria e pobreza, permanecem a décadas à espera da nação? Será a vez do reconhecimento e a inclusão dessas ilhas no mapa civilizatório do país, viabilizando a chegada de serviços públicos de segurança, saúde, saneamento e de educação de qualidade?

O marco civilizatório brasileiro do século XXI não poderá ser realizado, ao meu ver, sem uma reforma nas instâncias burocráticas do Estado brasileiro, com o fito de prepará-las aos projetos digitais capazes de levar os benefícios dos serviços públicos a toda base da nossa pirâmide social. Torço pela abertura de espaço ao surgimento da jovem e leve burocracia governamental digital no Brasil, quiçá do e-government. Conceitos como agilidade, inovação, competência e avaliação sejam incorporados como premissa para os novos projetos de digitalização dos serviços públicos orientados a incluir às redes dos atuais assistidos pelo Estado brasileiro, milhões de famílias carentes e marginalizadas dos serviços essenciais, como segurança, saúde e educação básica de qualidade, o que hoje é plenamente atingível, com o emprego dos enormes avanços tecnológicos dos últimos 30 anos.

Alheio as más escolhas de prioridades contaminadas de corporativismo, e, talvez, inspirado pela bela causa anunciada por uma juíza idealista de MG, um corolário possa ser adotado como nova prioridade, pela futura burocracia digital estatal : “Onde há miséria, há uma ou muitas famílias pedindo dignidade humana ao Estado brasileiro. Bora levar os serviços públicos essenciais de forma digital aos que precisam, mesmo que isso nos exija perda de privilégios.”.

Marcos Baldigen

Especialista Seguro Garantia na GemAway Seguros | Desenvolvimento Estratégico de Negócios, Gestão de Seguros

7 m

Rogério, obrigado por compartilhar!

Rogério Negruni

Diretor Comercial na Decision IT S.A.

4 a

O artigo publicado tem muita sintonia com o recente Decreto abaixo. Diário Oficial da União Publicado em: 29/05/2020 | Edição: 102 | Seção: 1 | Página: 3 DECRETO Nº 10.382, DE 28 DE MAIO DE 2020 Institui o Programa de Gestão Estratégica e Transformação do Estado, no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, altera o Decreto nº 9.739, de 28 de março de 2019, que estabelece medidas de eficiência organizacional para o aprimoramento da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, estabelece normas sobre concursos públicos e dispõe sobre o Sistema de Organização e Inovação Institucional do Governo Federal, e remaneja, em caráter temporário, Funções Comissionadas do Poder Executivo - FCPE para o Ministério da Economia. ..... D E C R E T A: Art. 1º Fica instituído o Programa de Gestão Estratégica e Transformação do Estado - TransformaGov, no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional. Parágrafo único. O disposto neste Decreto se aplica às instituições federais de ensino que aderirem expressamente ao TransformaGov. Art. 2º O TransformaGov tem por finalidade a implementação de medidas de transformação institucional, de modernização das estruturas regimentais e de aprimoramento da gestão estratégica nos órgãos e entidades para o alcance de melhores resultados e tem os seguintes objetivos: I - identificar as necessidades e as oportunidades de inovação e transformação institucional; II - definir prioridades de digitalização, de simplificação e de integração de processos; III - propor novos modelos institucionais com foco na entrega de resultados para os cidadãos; IV - estimular ganhos de eficiência; V - otimizar a implementação de políticas públicas que visem à oferta de melhores serviços à sociedade; VI - promover a atuação integrada e sistêmica entre os órgãos e entidades; e VII - incentivar a cultura de inovação. ....

Gabriela Miranda

Relacionamento com o Cliente e Gestão de Projetos MBA | PMP®| CSPO®| CSM®| CLF®

4 a

Bela abordagem, Rogerio! Vejo um movimento muito grande do governo atual para um, diria, pré e-Government. Criaram até um programa objetivando essa transformação. Mas, há de se pensar que é além de enlatar serviços públicos. É dar razão pela qual a coisa pública existe. E como alegar quando milhares de brasileiros ainda carecem de serviços essenciais? Em tempos de novo normal, tem muita gente que ainda continuará no limbo da tecnologia, descoberta do mínimo que lhes cabe para sobreviver e tentar viver esse novo que ainda lhes é velho.

Amigo Rogério Negruni, estamos em um momento bastante oportuno para falar deste tema. e-Gov não pode ser apenas embalar a burocracia pública em apps, sites e outras ferramentas tecnológicas, mais efetivamente usar a tecnologia para trazer eficiência e eficacia aos serviços públicos, democratizar e facilitar o acesso a todas as camadas da população e ter como foco sempre o cidadão, razão de existir da maquina pública.

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