Atrito Parte I/III
Renato Vargas, Junho 2017.
Contato com atrito é um fenômeno presente em todas as atividades humanas, desde aquelas relacionadas à criação de produtos e processos, passando pelos transportes, comunicações e lazer. A sua importância está nos complexos estudos sobre a entrada de uma aeronave espacial na atmosfera, assim como no simples caminhar ou no abrir de uma garrafa.
Na área de mecânica há uma preocupação especial com este fenômeno porque o sucesso de qualquer processo de fabricação ou desenvolvimento de produto depende dos efeitos do atrito. Projeto de mancais, usinagem, conformação mecânica, máquinas, motores, segurança veicular e bioengenharia (Vargas, 2003) são algumas das aplicações onde é fundamental o conhecimento do atrito. Embora ocupe esta importância em todos os cálculos, o atrito ainda deve ser objeto de pesquisas por um bom tempo, porque encerra uma complexidade de fenômenos diferentes que torna difícil a sua representação por modelos matemáticos.
Entretanto, esta dificuldade não justifica o atraso atual na modelagem do atrito. A quase totalidade dos cálculos de engenharia, analíticos ou computacionais são modelados pela lei de Coulomb, proposta em 1781. Esta limitação lentamente recebe incrementos, mas ainda são insuficientes para as boas práticas dos calculistas, e são responsáveis por imprecisões e assimetrias significativas nas definições dos modelos de engenharia, como nos casos de conformação mecânica. Todos os engenheiros devem estar cientes da importância desta simplificação nos cálculos.
A conformação de metais para fabricação de componentes mecânicos comporta dois problemas fundamentais na mecânica dos sólidos: a deformação elastoplástica e o contato com atrito entre as superfícies. A modelagem matemática destes fenômenos define a especificação do equipamento de conformação, as forças necessárias para o mecanismo de sujeição da peça e da ferramenta de conformação, em acordo com a precisão dimensional, qualidade do produto e produtividade prescrita.
A evolução da modelagem do fenômeno de elastoplascidade material e contato com atrito ocorreram de maneira assimétrica. O estado da arte das leis constitutivas elastoplásticas possui modelos complexos, dependentes da temperatura e da taxa de deformação, e intensas pesquisas são realizadas para definição de modelos constitutivos e a sua implementação numérica para os novos materiais. Por outro lado, na área de contato com atrito a definição das propriedades mecânicas de contato com atrito e sua implementação, praticamente foram relegadas à modelagem por meio de uma lei com mais de 200 anos. Este tratamento assimétrico dispensado pela comunidade científica tem como consequência a impossibilidade da boa representação de alguns processos de fabricação.
Para exemplificar a importância da correta representação dos fenômenos nos processos de conformação, são apresentados 2 exemplos onde correm plastificação e contato com atrito.
O primeiro exercício é referente a um caso típico de conformação mecânica de chapa. As figuras abaixo apresentadam a simulação de um processo de estampagem e as curvas de energias dissipadas por atrito, e plastificação, em função do deslocamento da ferramenta. Neste caso é possível perceber que a plastificação é a forma dominante de dissipação de energia (85%).
Foi realizado um segundo exercício de simulação de extrusão para comparação.
As figuras apresentam o processo de extrusão e as curvas das energias dissipadas por atrito e plastificação no processo. A energia dissipada por atrito representa 80 % da energia total dissipada no sistema!
Estes exemplos demonstram que há uma variação significativa dos fenômenos de dissipação nos processos de fabricação e, portanto, a utilização de modelos constitutivos e de atrito semelhantes para os diversos casos de conformação não significa que a precisão dos resultados será similar. No exemplo de estampagem, a utilização de uma lei de atrito imprecisa não implica no comprometimento dos resultados porque o atrito não é o fenômeno mais importante. Na extrusão, se o atrito não for bem representado, os resultados estarão comprometidos porque sua importância é fundamental no processo. Por outro lado, uma lei constitutiva de material bem representada qualifica a análise de estampagem, mas não influencia significativamente na extrusão.
Os exemplos demonstram a necessidade de aprimorar os modelos de atrito e leva-los ao nível do estado da arte das leis constitutivas da elastoplasticidade. Até porque, surgem dificuldades para justificar a utilização de sofisticadas leis constitutivas de plasticidade, se o efeito predominante é do atrito, e das sérias limitações de sua representação matemática.
Vargas, R. T. (2003) Modelos Constitutivos de Atrito Bi-dimensionais para Condições de Deslizamento Isotrópicas, Cinemáticas e Anisotrópicas. Tese de Doutorado. São Paulo, 2003.