"Ausência de Evidência não é Evidência de Ausência": A falácia da ausência de anomalias

"Ausência de Evidência não é Evidência de Ausência": A falácia da ausência de anomalias

Eng.º Me. Marcus Vinícius Fernandes Grossi

É comum em nossa área de construção civil chegarmos à seguinte conclusão: "Não identifiquei anomalias no elemento durante a vistoria, logo, ele está conforme." Será?! Será que a ausência de evidência de anomalias é, de fato, uma evidência da ausência de problemas? Embora a discussão filosófica possa se estender, é possível demonstrar facilmente na prática, por meio de exemplos:

  1. Considerando que havia um tijolo na baia, e após observação visual, nenhum tijolo foi encontrado, logo, conclui-se que não há tijolo na baia.
  2. Considerando que havia um grão de areia na baia, e após observação visual, não se encontrou o grão de areia, logo, conclui-se que não há grão de areia na baia.

Ambos os exemplos chegam a conclusões logicamente válidas, mas será que possuem o mesmo nível de precisão? Eles se baseiam no mesmo método de coleta de dados, a vistoria sensorial, e utilizam a dedução para chegar a uma conclusão. No entanto, no caso do grão de areia, o método sensorial parece não ser suficientemente preciso para demonstrar a evidência de ausência.

Portanto, devemos proceder com cautela a tirada de conclusões sobre ausências. A chave está na confiabilidade do método e no objeto em análise. No caso de anomalias de construção, não é possível afirmar a ausência de problemas em uma construção simplesmente porque não se observaram anomalias sensorialmente. Contudo, com métodos adequados, essa incerteza pode ser significativamente reduzida, aumentando o nível de confiança na conclusão.

Na maioria dos casos, haverá algum grau de incerteza na coleta de dados. Nos casos de ausência, essa incerteza se amplia, pois geralmente é mais fácil provar a existência de algo do que sua inexistência. Para o existente, basta apresentar uma evidência factual; para a ausência, a conclusão vem por eliminação.

Essa conceituação pode ser aplicada de várias maneiras na área de engenharia diagnóstica. Por exemplo, é comum surgirem dúvidas sobre a existência de determinada prescrição normativa, como no caso de pingadeiras em peitoris de janelas. Se existisse uma norma, bastaria apresentar a referência. Na ausência, permanece a dúvida: "Será que pesquisei o suficiente para chegar a essa conclusão, ou existe alguma norma 'escondida' que contém essa prescrição?"

Outro exemplo ocorre nos processos de diagnóstico, nos quais se busca levantar hipóteses e testá-las por meio de demonstração (ensaios ou simulações). Nos casos de negligência, onde a "causa" seria a omissão ou ausência de ação, estabelecer a relação causal 'contrafactual' torna-se muito mais complicado. Por exemplo, considerando a ausência de manutenção de fachada, frequentemente resta a dúvida na mente do perito se uma fissura é decorrente de um problema construtivo ou da falta de repintura. Demonstrar que a não realização de manutenção que permitiu a ocorrência da fissura não é possível de ser feita experimentalmente, pelo menos não num caso de investigação pericial. 

Portanto, no caso de "ausência de evidência", é preciso redobrar a atenção antes de concluir que esta é uma "evidência de ausência". Na realidade, no cenário de ausência, nunca teremos certeza absoluta da conclusão a que chegamos, sendo necessário trabalhar compulsoriamente com a mentalidade estatística ou de probabilidades.

Rafael Martins

Auditor TCU | Perito | Professor | Escritor | Mentor

10 m

Como muitas vezes é complicado dar um passo rumo às probabilidades - seja pela escassez de dados, seja pela complicação que isso poderia acarretar a um juízo - eu pontuo, explicitamente que dada conclusão é baseada na "ausência de evidência", num tom em que dou margem às partes trazerem documentações "perdidas". Mais que isso, explico a distinção que há para "evidência de ausência". Quando é o caso, trago se algum outro normativo prescreve se deveria ou não existir uma evidenciação de um dado procedimento, no ensejo de o juízo valorar isso lá na responsabilização. Lá no Direito, há as dificuldades inerentes às posturas omissas contempladas no que se chama "prova diabólica". Para a nova NBR 13752, até onde tinha visto, surgirá a tipologia "vício de informação" para representar esses casos que muitas vezes conduzem a análise para uma "ausência de evidência"

Entre para ver ou adicionar um comentário

Outros artigos de Marcus Vinícius Fernandes Grossi, Eng. M.Sc.

Outras pessoas também visualizaram

Conferir tópicos