Autismo e Mercado de Trabalho: Um Olhar de Mãe, Advogada e Empresária sobre Inclusão Verdadeira
Recentemente, a Justiça do Trabalho de São Paulo determinou a reintegração de uma funcionária autista demitida pela Coca-Cola, considerando a dispensa discriminatória. A empresa também foi condenada ao pagamento de R$ 50 mil em danos morais e ao restabelecimento do plano de saúde da funcionária.
Essa decisão não representa apenas mais um caso jurídico, mas remete a uma reflexão necessária sobre a inclusão de pessoas com deficiência, como o autismo, no ambiente de trabalho. Ela ressalta a importância de políticas inclusivas claras e bem estruturadas.
A Lei Brasileira de Inclusão (nº 13.146/2015) estabelece que empresas com 100 ou mais empregados devem contratar pessoas com deficiência, garantindo que essas tenham um ambiente de trabalho acessível e adequado. Já a Lei Berenice Piana (nº 12.764/2012) reconhece o autismo como deficiência, garantindo aos autistas os mesmos direitos de inclusão no mercado de trabalho.
Como mãe de um menino autista, advogada e empresária, conheço de perto os desafios da inclusão. Na prática, o que a lei determina nem sempre é fácil de conciliar com as demandas reais de uma empresa.
Na minha experiência como sócia de um escritório de advocacia empresarial, vejo o quão desafiador pode ser para as empresas adaptar-se à inclusão e, ao mesmo tempo, atender às pressões operacionais. Já na minha clínica multidisciplinar para autistas, vejo o outro lado: famílias lutando por espaços e oportunidades dignas para seus filhos, e pessoas com habilidades extraordinárias sendo subaproveitadas ou invisibilizadas.
A Linha Tênue entre Demissão Discriminatória e Justa Causa
A recente decisão judicial destaca uma questão sensível: a demissão de um colaborador com deficiência pode facilmente ser vista como discriminatória. No entanto, é inegável que as empresas têm o direito de tomar decisões em relação a colaboradores que não correspondem às expectativas. Este é um ponto onde as regras de desligamento de pessoas com deficiência precisam ser claras para evitar injustiças e desentendimentos.
Cultura Organizacional
Líderes empresariais enfrentam uma pressão constante para entregar resultados, mas muitas vezes perdem a oportunidade de explorar o potencial de colaboradores com habilidades diferentes — como a atenção aos detalhes e o foco profundo, características frequentemente associadas ao autismo, além de incontáveis outras habilidades acima da média.
A inclusão só é eficaz quando vai além de uma simples exigência legal. Empresas precisam criar políticas que garantam a integração plena de pessoas com deficiência em todos os aspectos do ambiente de trabalho — desde o processo de contratação, passando pelo treinamento humanizado até as práticas e regras claras de desligamento quando forem necessários.
Contratação Adequada: A Base para uma Inclusão Verdadeira
A inclusão no ambiente de trabalho começa antes mesmo da contratação, com uma avaliação cuidadosa sobre como a empresa pode receber uma pessoa com deficiência, especialmente no caso de pessoas com autismo.
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Não basta apenas preencher uma vaga — é fundamental criar um ambiente propício para que essa pessoa possa prosperar e contribuir com suas habilidades únicas.
Para isso, o processo de contratação deve ir além da análise técnica e documental. Ele precisa ser conduzido com sensibilidade e empatia, considerando fatores como o local de trabalho adequado, a preparação do ambiente e a conscientização das equipes que irão interagir diretamente com esse colaborador.
Preparar o Ambiente e as Pessoas
A recepção de uma pessoa com deficiência envolve preparar o espaço físico e ajustar a dinâmica do time. Desde adequações arquitetônicas até a implementação de recursos tecnológicos ou adaptações sensoriais. É essencial que a empresa ofereça as condições ideais para que o novo colaborador tenha a autonomia necessária e sinta-se acolhido.
Avaliação e Sensibilidade Humana no Processo de Contratação
É importante que a contratação seja conduzida por alguém que não apenas saiba colocar as qualificações no papel, mas que tenha sensibilidade e empatia para lidar com as necessidades humanas. Esse responsável precisa ter uma visão ampla das necessidades do colaborador com deficiência e da cultura organizacional, garantindo que o processo não seja apenas técnico, mas verdadeiramente inclusivo.
Capacitação e Sensibilização da Equipe
Não menos importante é a sensibilização das equipes. O time precisa estar preparado para receber esse novo colaborador, com treinamentos que incluam desde a compreensão do que é o autismo ou outras deficiências até as melhores práticas para criar um ambiente inclusivo. A inclusão verdadeira só acontece quando a empresa inteira está envolvida no processo e há uma preparação genuína para acolher esse indivíduo
Regras Claras para Desligamento
Não podemos fechar os olhos para a realidade. Todo negócio precisa ser sustentável, de forma que, se não voltarmos a atenção para a preocupação das empresas quanto aos problemas com o desligamento da pessoa com deficiência, o aumento das contratações seguirá sendo utopia.
Ainda que haja previsão legal, as empresas continuarão encarando a contratação de PCD apenas como uma obrigação de cumprir cota, atribuindo funções desprivilegiadas e encarando esses profissionais como um custo. Uma triste realidade!
Inclusão: Um Caminho de Equilíbrio e Respeito
A verdadeira inclusão só ocorre quando há equilíbrio entre os direitos do colaborador e as necessidades da empresa. Isso exige transparência desde o início até o possível encerramento do vínculo. É preciso criar políticas que gerem acolhimento e desenvolvimento, e ao mesmo tempo, respeitem a sustentabilidade do negócio.
inclusão não deve ser vista como um fardo, mas como uma oportunidade para as empresas. Quando bem implementada, ela resulta em benefícios para ambos os lados — e isso é o que devemos buscar: ambientes onde a diversidade floresça e todos saiam ganhando.