AUTOGESTÃO: MAIS UM PASSO PARA A EVOLUÇÃO NAS RELAÇÕES DE TRABALHO
Em tempo de mudança de era, novos conceitos passam a ter mais espaço nas discussões. Influenciam o nosso modo de pensar. Exigem mudanças na nossa forma de relacionar, consumir e trabalhar. E, por falar em trabalhar, é no trabalho que temos visto grandes discussões, inquietações… e transformações.
Se por um lado temos executivos que enfim descobriram o valor das pessoas para o sucesso dos negócios, por outro lado, ainda temos a falta de sentido e os adoecimentos físicos e mentais como temas frequentes nas mesas de bar e nas terapias dos funcionários. Esses temas começam a chegar com muita intensidade nos escritórios e nas fábricas, indo além dos corredores e passando a integrar as pautas de reuniões estratégicas.
A hierarquia, representada pelo organograma que divide o pensar e o executar, e a burocracia, reforçada pelos processos rígidos e não atualizados, já não representam (ou nunca representaram) a complexidade das relações de trabalho entre as pessoas. Nos últimos anos, vimos conceitos como agilidade, experiência e compartilhamento ganharem espaço nas organizações ditas digitais. De alguma forma, realmente impactaram a lógica do trabalho.
Contudo, percebemos que mais um passo é necessário para agregar na evolução das relações de trabalho e ele vem ritmado por novos conceitos que estão ajudando a mudar nosso entendimento: integralidade, consciência, propósito, complexidade, polaridade, colaboração, inteligência coletiva, sense maker, entre vários outros. Se alguns desses conceitos já estavam sendo usados para pensar modelos de negócios e produtos, vemos agora serem aplicados nas relações humanas do trabalho.
E não podemos falar de evolução das relações no trabalho sem falar de autogestão, que, muitas vezes, é mal interpretada como a possibilidade de fazer o que se quer, sem regras ou prestações de conta. Autogestão é a gestão por si mesmo, em contraponto a heterogestão, que é a gestão pelo outro. Foi definida por Laloux no livro Reinventando as Organizações como um "sistema baseado em relações entre pares, sem a necessidade de hierarquia ou consenso". A TargetTeal resume bem como "a arte de fazer (e refazer) acordos (explícitos)". A grande mudança que a autogestão traz é a possibilidade de todos participarem dos processos de decisão das organizações, conciliando o pensar com o agir.
Mas como levar a autogestão para meu ambiente de trabalho?
Algumas premissas são importantes. Dentre as mais importantes é a descentralização do poder. Assim, aqueles que até então concentraram o poder de decidir, devem abrir mão deste poder (ou de parte dele), canalizando-o em duas estruturas: nos grupos de trabalho (círculos) que tem autonomia e recursos que necessitam para atingir seu propósito; e na divisão de papeis com responsabilidades e expectativas claras.
Em contraponto, quem não tinha poder formal até então, passa a energizar papeis que tem poder e responsabilidades explícitas, dentro dos círculos em que se inserem. Isso exige uma nova forma de atuação e de lidar com as consequências das decisões.
Outro ponto importante é integrar as diferenças, sejam elas de opiniões, modo de trabalho, preferências, conhecimento, estilo de comunicação, entre outras. Essa integração leva a diversidade e complementaridade nos grupo de trabalho, trazendo a inteligência coletiva. Busca-se equivalência, ou seja, todas as pessoas são consideradas, as necessidades de todas importam e tem valor, independente do papel que energizam. Esperar que todos pensem de forma igual, que haverá consenso e que não teremos tensões pode ser inocente.
A transparência e o fluxo multidirecional de informações também são essenciais para ampliar a compreensão, gerar igualdade de condições e possibilitar tomada de decisão ao longo do fluxo, evitando que poucos escolhidos decidam e muitos executem. Assim, tendo acesso a dados relevantes, quem executa passa a decidir sobre aquilo que tem autonomia.
As decisões passam a acontecer por quem detém a responsabilidade sobre cada tema. Para não correr o risco de serem arbitrárias, o tomador da decisão busca a contribuição de mais pessoas em um processo de aconselhamento. Nos casos de decisões de governança, as decisões acontecem em reuniões através de consentimento (ausência de objeções). Esse formato viabiliza que poucas pessoas tomem decisões em relação a cada tema (e não sempre as mesmas pessoas) e acelerem este processo.
Importante reforçar que a autogestão não exige que todos tenham o mesmo poder de decisão e autoridade. Essa distribuição vai depender dos metaacordos e design organizacional estabelecidos que explicitarão como as coisas acontecerão naquela organização e quem será responsável por cada atividade.
Mas será que autogestão é para mim?
A autogestão pode ser para todos, mas exige grandes mudanças internas, transformações pessoais.
Quando estamos trabalhando em grupo precisamos ter um objetivo comum. Para sustentar essas relações autogerenciadas é importante que um propósito maior seja buscado e que as pessoas compartilhem de valores semelhantes. Para isso, cada um precisa refletir sobre seu propósito e sobre seus valores. E você? O que veio fazer nesse mundo?
Fomentar uma cultura de colaboração e de ganha-ganha viabiliza que as interações entre as pessoas se torne mutuamente benéficas. Colaborar exige empatia e vulnerabilidade. Empatia pressupõe não julgamento, entendimento dos sentimentos do outro e escuta ativa. Para entender a outra pessoa, preciso antes me compreender e estar consciente de como reajo frente o outro. E você? Como tem sido seu processo de autoconhecimento?
Já a questão da vulnerabilidade exige mostrar-se como você realmente é, pedir ajuda quando precisar, dizer que não sabe tudo, assumir seu erros e pedir desculpas quando necessário. E você? Tem trabalhado a sua vulnerabilidade?
Frente a realidade de não ter um “chefe” que determine seus objetivos somos exigidos de autorresponsabilidade e abertura para receber feedbacks (de todos os lados) que levem ao desenvolvimento constante. E você? Tem buscado assumir responsabilidades, inclusive pelo seu próprio desenvolvimento?
Muitas reflexões que nos fazem olhar para dentro (“virar a máquina para nós mesmos”) e observar como podemos agir no mundo e como transformamos aquilo que nos incomoda. A autogestão não se trata apenas de um novo modelo para se trabalhar. Ela vem nos provocar a sermos mais consciente, a sermos mais humanos. Em tempos de coronavírus, quarentena e isolamento social, o que nos resta é apenas sermos humanos. A autogestão, com certeza, pode te ajudar!
Inovação Aberta, MKT Estratégico e comunicação, Transformação Cultural/ Mentora de startups e carreira tech
4 aEm tempos de reflexões sobre fatos, estatísticas e projeções do agora, pouco tenho visto sobre o pós Covid-19. Venho questionando dentro do jornalismo científico como os aspectos biológicos impactam um sistema mecânico e possibilita o emergir do resgate da nossa essência humana. O que chamo de “trabalho” também vejo se transformar em algo que o marketing, minha praia, tem na sua essência e pouco é praticado: propósito pela sociedade. A oportunidade está colocada. As suas palavras me abraçam.