Bermudas no LinkedIn e batatas que assam diferente.

Bermudas no LinkedIn e batatas que assam diferente.

De repente, minha consciência mandou um alerta; um desses pensamentos que a gente não sabe direito de onde vem:

“Você está de bermuda no LinkedIn. Como você quer construir uma reputação usando bermudas?”

Assim que essa luz amarela piscou no meu painel de controle, fui até minha timeline e brinquei:

“Fui advertido sobre estar de bermuda no LinkedIn. É permitido trabalhar de bermuda por aqui?”

Achei divertido. Apesar de às vezes suspeitar que minhas piadas já estão na Categoria Tio, pensei que logo, logo alguém acharia graça e eu me sentiria um cara mais legal no LinkedIn.

Fechei o laptop e fui preparar meu almoço.

Aqui em casa a gente ama batata. Mas não é qualquer batata. É aquela que primeiro você cozinha e depois frita. Sabe qual, né? Batata de respeito.

Coloquei o feijão para esquentar, amornei uma água pra fazer um cuscuz e comecei a tirar as batatas cozidas da panela de pressão.

No momento em que eu tirava as batatas, uma nova luz de alerta piscou no painel de controle. A mensagem dessa vez dizia:

“Se estar de bermuda no LinkedIn não é uma boa ideia, fazer piada com isso também não deve ser.”

Um comprimido de Paracetanóia pro rapaz.

Pensei em checar a rede social para ver se já tinha acontecido alguma interação. Desisti. “Que bobagem, foi só um post bem humorado. Não tem nada de errado nisso.”

Larguei as batatas. Fui checar o post.

Nenhuma interação. "As pessoas não devem gostar desse tipo de brincadeira aqui".

Fechei o LinkedIn e voltei para as batatas, mas o sossego não me acompanhou. Voltei para o computador e deletei o post.

Insegurança instalada com sucesso.

Minha vinda oficial para o LinkedIn aconteceu há menos de dois meses. Decidi usar a rede de forma mais contundente depois de dois inputs de pessoas diferentes:

O primeiro veio de uma redatora e ex-colega de trabalho sugerindo que  eu usasse o LinkedIn para publicar meus escritos. Ela enviou pra mim um link com alguns Top Voices para me mostrar que tinha gente se destacando na plataforma.

Pesquisei um pouco mais e notei a brilhante estratégia do LinkedIn: dar o título de Top Voice às pessoas mais relevantes da rede e ensinar a todos como se tornar um.

“Seria o Top Voice um novo Ego boost profissional?” - pensei.

Despi-me de preconceitos e recalques, achei a ideia interessante, mas não rolou aquela vontade genuína de entrar na dança. Apenas fiquei com aquilo na cabeça, como um post-it colado ao lado do painel de controle - “gerar conteúdo no LinkedIn”.

Meses se passaram e, do nada, um outro amigo me envia uma mensagem perguntando porque diabos eu não era ativo no LinkedIn.

“Preguiça”, respondi de bate-pronto.

Eu, como coach perspicaz que me esforço para ser, mantenho meu detector de respostas prontas sempre ligado.

Respostas prontas são aquelas que saem rápido, sem muito processo mental. Geralmente, essas respostas não trazem uma verdade, mas tentam camuflar alguma outra verdade desconfortável.

O meu desconforto, nesse caso, era que, além de não saber usar a rede, eu tinha receio de assumir isso e me expor. Afinal de contas, em ambiente profissional não é lugar de expor fragilidades, é lugar de manter a compostura e ser profissional, não é mesmo?

Problema identificado. Era “hora de lidar com isso.”

Até pouco tempo, o LinkedIn representava pra mim tudo o que eu não queria mais para a minha vida. A opressão do ambiente corporativo, as formalidades, as inseguranças travestidas de autopromoções, lições sobre o mercado e sobre a economia, objetivos e metas de vendas sendo comemorados como se fossem o bem maior para o futuro da humanidade.

No coaching trabalha-se bastante com a adequação da linguagem e do mindset para criar a realidade que desejamos. Apliquei em mim o que costumo recomendar quando um problema difícil surge: mudar a perspectiva.

Entrei na plataforma e tentei enxergá-la como alguém que pode usá-la para gerar valor ou falar com pessoas que possam se interessar por assuntos afins. Fui me familiarizando.

Comecei a perceber que existem, sim, pessoas e empresas com as quais eu não me identifico, como em qualquer lugar. Mas notei também que tem muita gente querendo fazer diferente. Tem muita gente querendo trabalhar de bermuda, mas ainda não sabe como fazê-lo.

Do arrependimento sobre um post covardemente deletado, de uma resposta pronta dada há meses atrás e da vontade de mudar a perspectiva e não ter medo do desconforto, nasceu este texto - que, mesmo gerando algum desconforto, está sendo publicado.

Quando eu apaguei o post, eu estava reforçando em mim o medo que eu tinha antes de entrar no LinkedIn. Se eu me comportar assim, com medo de expressar minha voz (mesmo ela não sendo Top) vou continuar reforçando meu pé atrás com a plataforma.

A gente sabe que há um código de conduta por aqui, como em qualquer lugar. Talvez, o que meu desconfiômetro me dizia enquanto eu estava com a batata quente na mão era “trabalhar de bermuda até pode, mas não precisa fazer piada disso na frente da galera.

Mas e a minha identidade, onde fica? Também não é legal deixarmos de ser quem somos por conta de uma opressão que todo mundo sabe que é só um código. Se você brincar de mudar a perspectiva sobre esse código, podemos ver um cenário hilário, às vezes até bizarro.

Todo mundo só quer ser feliz, ter uma vida leve. Esse texto é um recado pra mim mesmo e pra quem mais se identificar com o ocorrido.

Desde que você reconheça que pode melhorar sempre, abraçar e rir das próprias fragilidades nos aproxima, gera empatia e muda o jogo pra melhor.

Ninguém precisa sentir que a batata está assando porque chegou atrasado na empresa, no LinkedIn, na reunião; ou porque cometeu um deslize, ou falou algo meio fora do manual de conduta.

Aqui em casa, até as batatas hoje em dia assam diferente. Depois de cozidas, em vez de jogar na gordura quente, a gente coloca na AirFryer. 10 minutinhos. Ficam super crocantes e sequinhas. Muito melhor pra saúde.















Desencana! Até o BB liberou o dress code nas agências. Eu fui trabalhar outro dia com camisa da mulher Maravilha e uma colega perguntou o que era- respondi que era minha legenda!!! E lembrei à ela que a DIREÇÃO do Banco liberou, e que Sim, isso não interferia na minha produção. Fui até com camisa da Nairóbi, da casa de papel(ironia de leve) kkkk. Gde abraço!!!

Sensacional! 😄👏🏻 Para mim, esse texto e essa reflexão merecem etiqueta Top. Mas quem sou eu aqui, afinal de contas?🤣 Obs. 1: esta é minha minha primeira descontração no LinkedIn Obs. 2: minha foto de perfil está (quase) séria mas não fico nem 2min sem sorrir😄 Registrado.

Tânios Acácio

Especialista em Google Ads | Criador do Portal Rush Brasil | Criador do JuizdeFoda

6 a

Crônica certeira das incertezas perturbadoras que envolvem batatas suculentas e nossos dilemas protocolares sociais. O texto é ainda mais delicioso quando você acaba de perceber que ele foi publicado assim que você sai de uma loja de bermudas. 

  • Não foi fornecido texto alternativo para esta imagem
Caroline Farinazzo

Head de Engajamento & Transformação do Grupo L'Oréal no Brasil | Membro do Comitê de Comunicação & Relações Públicas | Membro do Comitê de Sustentabilidade

6 a

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