Big techs invadem o mundo financeiro: qual será o papel dos bancos?
*publicado originalmente na minha coluna infomoney em 20/jun/20
Não é de hoje que a posição de hegemonia dos bancos no controle de investimentos, meios de pagamento e crédito está sendo ameaçada. De Fintechs pequenas às grandes empresas de tecnologia, o escopo e diversidade de incursões no mercado financeiro é enorme.
A mais recente no Brasil veio pelo anúncio na última segunda-feira do WhatsApp permitindo transferências e pagamentos via sua plataforma.
A meu ver essa incursão é quase que inevitável. O mercado financeiro brasileiro é um dos mais rentáveis de mundo e com uma grande escala em termos de clientes. Os grandes bancos têm retornos sobre capital superiores a 15% a.a. há anos e números de clientes de dar inveja a grandes bancos no exterior.
Mercado com altas margens e com escala é um sonho de consumo de qualquer empreendedor que trabalhe com tecnologia e daí decorre meu ponto de que esse aumento de concorrência no setor bancário é inevitável.
A grande barreira para que isso aconteça está na regulamentação. Essa também era a barreira a ser vencida pelo UBER, quando fez a disruption do setor de taxis mundo afora, com a diferença que do o setor bancário é tido como essencial na economia, é muito mais centralizado, com órgãos de classe mais organizados e fortes e com uma regulamentação muito mais complexa.
Mas isso são somente barreiras a serem ultrapassadas e nenhuma delas instransponível, ainda mais quando temos várias iniciativas apoiadas pelo Banco Central do Brasil para aumento de competitividade, como o open banking e pagamentos instantâneos (PIX), por exemplo.
Falando das Big Techs, todas tem carteiras digitais desenvolvidas (Applepay, Googlepay, Amazonpay, facebookpay e Microsoftpay).
Grande parte delas são plataformas utilizadas pelos clientes, mas ancorada nos sistemas tradicionais de pagamentos, quero dizer em cartões de débito e crédito.
Com isso elas, ao mesmo tempo que deixam as questões de regulamentação bancária aos bancos, provêm uma experiência de pagamento única para seus clientes e não concorrem diretamente com as instituições financeiras, que são grandes clientes em utilização de nuvem, licenciamento de software e outros produtos.
A dúvida é até quando essa relação de dormindo com o inimigo perdura.
Outra grande discussão sobre essa incursão das Big Techs no mercado financeiro tem a ver com a utilização dos dados gerados nas movimentações financeiras.
Pouco ou mal utilizado pelos bancos, esses dados têm um nível informacional importantíssimo para as Big techs que querem controlar toda a experiência do consumidor e oferecer produtos que sejam cada vez mais customizados.
Europa é a líder na regulamentação de utilização de dados e seus princípios têm se espalhado mundo afora, inclusive para o Brasil que tem sua lei geral de proteção de dados (LGPD) sendo implementada.
Vale colocar aqui que os grandes bancos não estão parados esperando serem devorados. Eles têm feito várias parcerias com Fintechs, adquirido algumas e tentado transformar suas estruturas em estruturas ágeis o suficiente para o cenário que se apresenta. Eles têm a seu favor uma regulamentação e um regulador que define as regras para que o sistema seja o mais estável possível, e isso não se deve ignorar.
Cada vez mais o que parece ser o ponto de discussão está no contato com o cliente. Muitos analistas preveem que os bancos e instituições financeiras passarão em breve a ser provedores de serviços para as grandes Techs que terão o controle total da relação com o cliente. Cenário esse bastante complexo, para não dizer perigoso, já que poucas empresas no mundo seriam as detentoras dessa relação e as demais seriam satélites delas. Grande concentração, a não ser em setores considerados monopólios naturais (fornecimento de água por exemplo), normalmente não são benéficos para o consumidor no longo prazo.
Se chegaremos a esse cenário ou não é difícil prever, mas que as big techs estão invadindo o mundo financeiro, isso já é uma realidade.
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