Biogás no semiárido: energia acessível e verde

Há 3 meses tive a oportunidade de passar alguns dias com a equipe dos projetos de convivência com o semiárido da Diaconia em Pernambuco e Rio Grande do Norte, uma ONG com mais de 50 anos de história na promoção e defesa dos direitos humanos e com forte atuação no nordeste brasileiro. Conheci o trabalho incrível deles em 2015 quando estava realizando o levantamento de plantas de biogás junto ao CIBiogás.

A Diaconia já instalou mais de 700 biodigestores sertanejos no Brasil, principalmente na região nordeste. São biodigestores baseados no modelo indiano (cúpula móvel), mas adaptado aos materiais e técnicas de construção disseminadas na região, como a de construção de cisternas com placas de concreto. Esses biodigestores são muito pequenos se comparados aos que vemos quando falamos em "setor de biogás" do Brasil e, por sua função de produção de biogás para cocção para uma família, considera-se que são de escala doméstica.

O custo estimado de instalação de um biodigestor sertanejo, considerando materiais e mão de obra, é de R$ 2 mil. São abastecidos com os dejetos de animais, normalmente gado leiteiro, coletados manualmente pelas famílias em um ou dois baldes diários. Têm 6 m³ de volume para o substrato e produzem cerca de 0,5 m³/dia de biogás, segundo pesquisas da equipe do Prof. Sérgio Peres, do Laboratório de Combustíveis e Energia da Escola Politécnica da Universidade de Pernambuco (POLICOM). O manual para construção está disponível para download gratuito em português e inglês.

Essa tecnologia traz benefícios ambientais (redução do desmatamento na caatinga, redução de emissões de carbono, melhoria da fertilidade do solo pelo biofertilizante, etc.), benefícios econômicos e sociais (a família "ganha" cerca de 1h diária de trabalho que deixa de ser aplicada na coleta de lenha, a saúde das mulheres e crianças melhora, pois os fogões a lenha pouco eficientes produzem fumaça dentro das casas, etc.) e são imprescindíveis quando se trata do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 7 – Energia acessível e limpa, tema que tratei em um artigo em 2018: Desafio para o setor energético mundial: acesso à energia.

O biodigestor sertanejo faz parte de uma estratégia para dar meios aos agricultores se adaptarem ao clima da região, reduzindo o êxodo rural e a pobreza. Nisso estão incluídas as cisternas para captar água de chuva do telhado para consumo e as cisternas para captar água de chuva para irrigação, tecnologias de tratamento e reuso de água para irrigação, terraços para reduzir erosão do solo, recuperação de nascentes, incentivo a agroecologia, e claro, apoio na organização e mobilização das famílias.

Além disso, é uma das tecnologias implantadas pelo programa de habitação rural do Governo Federal e já foi premiada como tecnologia social pela Fundação Banco do Brasil. Reconhecimento merecido para uma equipe que trabalhou muito para desenvolver essa solução.

Tenho orgulho de ver projetos como esse, executados por brasileiros determinados em mudar a realidade da sua região e melhorar a vida das pessoas. Foi uma experiência maravilhosa a de conhecer o semiárido e os projetos da Diaconia, e especialmente, de encontrar pessoas especiais, como Dona Joselita, que se emociona falando sobre como o biogás mudou sua vida, já que não precisa mais gastar horas subindo a serra para coletar lenha.