Brasil acima de tudo. Deus acima de todos. E o (des)governo acima da lei
Já que o MEC mandou um recadinho fora de qualquer propósito racionalmente aceitável e à margem da legislação com a orientação de que seja cantado o Hino Nacional Brasileiro nas escolas partculares, que menores de idade sejam filmados a fazê-lo (sem prévia autorização dos pais ou responsáveis) e com o slogan da campanha presidencial para ser lido aos estudantes, cabem aqui algumas memórias: fiz meu Primeiro Grau (hoje chamado de Ensino Fundamental, cuja mudança de nome não representou nada de útil) numa escola na periferia de Diadema.
Eu estudava num barracão improvisado, sem ventilação decente e com goteiras, ladeado por um córrego onde não raro era necessário entrar para buscar a bola atirada da quadra descoberta cuja construção foi viabilizada por pais de alunos e que só era usada para jogarmos queimada, futsal ou voleibol (só uma vez), normalmente sem a supervisão do professor. Faltava papel higiênico, giz, sobravam aulas vagas, mas cantávamos o Hino Nacional Brasileiro na entrada, em fila, ordem crescente por tamanho. Parte do pátio ficava descoberta, então, nos dias frios, azar dos mais altos da turma, alvos fáceis das rajadas de vento. Bom, nem todos os dias, pois vez ou outra havia greve dos professores.
Alguns dos meus primeiros colegas de escola ficaram pelo caminho. Desistiram, foram presos ou mortos. Outros, concluíram com alguma dificuldade e alguns conseguiram chegar ao ensino superior, coisa praticamente impossível até a década de 1990, período em que terminei o Ensino Médio. Éramos um bando de delinquentes, cuja formação foi conduzida por professores incapacitados - como disse no plenário a deputada que roubava textos dos coleguinhas? Jamais! Vivíamos sem grana ou perspectiva, numa cidade que pouco oferecia aos seus moradores. Os professores, brigando com a falta de condições e sem reconhecimento, eram heróis.
Portanto, ministro Ricardo Vélez, em vez de filmar crianças cantando (mesmo que não entendam uma estrofe, não saibam o que são raios fúlgidos, fulguras ou lábaro estrelado) o Hino Nacional em escola de playboy, procure saber como estão as escolas públicas. Procure conhecer as condições que são dadas aos professores, se os alunos têm material, internet e merenda. Esqueça essa baboseira quixotesca de "livrar as crianças do Marxismo e da Ideologia de Gênero", afinal, a campanha eleitoral acabou há mais de três meses, mas parece que o ministro não percebeu.