BRASIL - ESPORTES - OLIMPÍADAS
Os jogos terminaram e há regozijo pelo que foi a melhor campanha brasileira em jogos olímpicos a partir do número de medalhas conquistadas, havendo aqueles que afirmam que isso é o legado do investimento feito para as Olimpíadas de 2016 e que estão dando frutos.
Aplausos são devidos aos atletas, medalhistas e não medalhistas, mas não há como acreditar que o esporte no Brasil está trilhando rumos mais acertados, senão vejamos.
A primeira observação a ser feita é que o Brasil levou atletas para competir em mais de 100 modalidades diferentes (categorias onde conseguiram resultados para participar das Olimpíadas), porém obteve medalhas em apenas em 16 delas, o que não demonstra avanço, até mesmo se for considerado que 3 modalidades jamais haviam sido competidas antes (skate street, park e surf).
Uma das categorias, o futebol, não tem suas atividades atreladas ao Comitê Olímpico Brasileiro, mas sim à CBF, sendo esta entidade privada com cofres cheios e que, no caso do masculino, seus atletas chegaram ao cúmulo de se negar a usar o uniforme oficial da delegação. No caso do time feminino, uma vez mais mostrou-se que a própria CBF não ampara o time como o faz para o masculino.
Duas outras categorias refletem esportes de elite em razão de suas naturezas e de seus altíssimos custos e que têm seus investimentos fortemente bancados pelos atletas. De qualquer forma, ressalvado o excepcional bicampeonato na vela feminina, no geral nota-se um rendimento decrescente do país, o mesmo valendo para o hipismo.
Esporte vitorioso, o vôlei, perdeu-se pelas mais variadas causas, que passam inclusive pelo inexplicável caso de possível doping de jogadora que só foi formalizado às vésperas das semifinais. No caso do vôlei de quadra veja-se a situação drástica de grande parte das equipes, a redução do investimento, o calote que foi dado em atletas etc.
A ginástica masculina e feminina, em que pesem as medalhas, mostram retrocesso de desempenho, o mesmo valendo para o handebol masculino e, sobretudo o feminino (lembrando que no caso dessas duas últimas modalidades sequer há campeonatos nacionais conhecidos).
O boxe manteve sua boa participação, mas é um esporte que já demonstra sofrer inúmeras restrições, inclusive o risco de vir a ser retirado do programa olímpico por razões extra ringues.
O judô trouxe medalhas, mas manteve o nível mediano de sempre.
No atletismo, com a maior delegação e onde participamos do maior número de modalidades os resultados foram pífios, o que se demonstra pelo baixo número de semifinais alcançadas.
O mesmo pode ser dito da delegação de natação.
Outras modalidades devem seus resultados mais à excepcionalidade de seus atletas, como no caso da canoagem de velocidade quanto na maratona aquática, do que a um investimento palpável.
Curiosa é, ainda, a situação do tênis, onde a dupla medalhista somente foi chamada a participar dos jogos às vésperas de seu início, uma dupla que jamais jogara junto!
E o basquete, por onde anda?
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O fato de termos conseguido 21 medalhas e ficado com a 12ª posição no ranking das nações é louvável, mas por si só não indica que há uma evolução geral nos esportes. Medalhas por si só não são a expressão da evolução. Evolução se dá pela maior participação em mais modalidades e, nesses casos, chegando-se a quartas de finais, semifinais, o que não ocorreu.
E existe uma razão para isso, o investimento é feito de maneira errada. O esporte integra a formação dos jovens, é parte de um processo educacional. Assim, só haverá crescimento na medida em que os recursos forem aplicados na base e não no topo.
Se o investimento em esportes é feito especialmente para atletas formados, que é o modelo brasileiro, certamente a formação será deficiente e, assim, ao invés de serem gerados rendimentos crescentes, o que haverá é um rendimento decrescente. Em outras palavras, só haverá atletas de alto rendimento devidamente competitivos se eles forem trabalhados desde as bases, e este é o erro brasileiro, igual ao que ocorre na educação em geral, pois há muito investimento no ensino superior e muito pouco no básico, fundamental e médio. Com o perdão da comparação, é claro que se alimentarmos alguém que foi desnutrido a vida toda ele até poderá conseguir bons desempenhos, mas isto será exceção e não regra.
Num país com a população do Brasil não há razão pela qual a quantidade de jovens não possa gerar uma boa dose de atletas de qualidade em inúmeras modalidades, mas isso, como já disse, requer inversão da prioridade no investimento e ela deve se dar onde a base está mais disponível, isto é, nas escolas, mas onde está o esporte nas escolas, públicas ou privadas? Onde estão as piscinas, as pistas de atletismo, o material para a prática do esporte?
Não se trata, aqui, de se dar atenção a tudo, mas na realidade brasileira cabe mais atletismo, natação, badminton, tênis de mesa, judô, ginástica.
Investir no esporte é parte do investimento na educação, esporte é parte da educação formal, sendo isso mais lógico do que investir em confederações, clubes etc. Aliás, chama atenção, também, o fato de que, conforme notícias, 38% dos medalhistas são apoiados por recursos financeiros das forças armadas, o que certamente é um desvio de atribuições.
Todos os países que têm alto desempenho esportivo, e isso não significa obter um número elevado de medalhas, pautam sua atividade no esporte via educação, via escolas públicas, universidades etc., sem necessidade de verbas publicitárias de "bancos do brasil, correios, caixa econômica federal, sesi, sesc" etc., mas sim numa correta alocação de verbas orçamentárias públicas e privadas.
Os países que fazem isso podem não obter muitas medalhas, mas certamente estão se capacitando, cada dia mais, a conseguirem melhores resultados. Esse é caminho que levou a China a ser a segunda maior potência em todos os esportes, que está crescendo no Irã, que norteia o trabalho cubano, o canadense, holandês, belga, que está levando à retomada do esporte britânico, italiano e francês, e que sempre foi o caminho da Suécia, Dinamarca, Suíça e dos países balcânicos.
Não se estranhe, então, que duplas norueguesas e suíças ganhem medalhas no vôlei de praia, e que em breve japoneses e chineses sejam os mais vitoriosos no surf.
Fato é que se o foco for apenas na medalha o resultado será sempre menor do que aquele que seria possível e desejável a partir de uma universalização do esporte como parte do desenvolvimento humano pela educação. Nessa linha, é constrangedor continuarmos a ouvir, após tantos anos, que os atletas precisam de "vaquinhas" para cobrirem suas despesas, os esforços que passam para poder se manter ativos. Afinal, estamos já no primeiro quarto do século XXI e lá se vão 21 anos desde as Olimpíadas da Grécia de 2000!
Triste é, também, ouvimos ser tocada a música da vitória para uma segunda colocada, que foi brasileira, porque estamos desconsiderando a real vencedora, como se o segundo lugar não fosse honroso por si só. É pretender que os louros são apenas nossos, que a prova era apenas nossa.
Enfim, parabéns aos atletas, mas que as medalhas não mascarem a realidade de um esporte que continua sem estrutura, sem investimento, sem projeto de longo prazo.
José André Beretta Filho