Brasil. Onde a roda gira ao contrário.
No Brasil a roda gira ao contrário. E por que digo isso?
Em uma sociedade de consumo, quando a oferta é menor que a demanda, criam-se empregos, aumenta-se a produção, e supre-se a demanda.
Como efeito “colateral”, ao criar empregos, gera-se também renda e aumenta-se o público consumidor, novamente aumentando o consumo. E o resto da história já sabemos.
Isso mantem essa roda girando para frente, melhorando a vida das pessoas, dando oportunidade de trabalho e renda, melhorando a autoestima do povo que passa a viver com mais dignidade.
E essa espiral crescente ocorre em todas as camadas da sociedade de consumo.
Legal né?
E no Brasil?
Bom, no Brasil a coisa é mais ou menos assim:
Quando a oferta é menor que a demanda, aumentam-se os preços para inibir o consumo. Isso resulta em inflação, as pessoas consomem menos, as empresas produzem menos porque estão vendendo menos. E produzindo menos, demitem funcionários para equilibrar a balança. Pessoas sem emprego deixam de consumir e a oferta passa a ficar maior que a demanda.
Assim, alguns preços recuam (coisa rara, mas acontece a cada passagem de cometa) e o consumo volta a dar sinais de retomada.
As empresas não têm capacidade de produção rápida para atender a demanda crescente porque demitiram pessoas e novamente a oferta volta a ficar aquém da demanda. Os preços sobem (mesmo os que nem tinham caído), e as pessoas passam a consumir ainda menos.
Vendendo menos, as empresas produzem ainda menos. E para equilibrar, novamente demitem. E o resto da história já sabemos.
Girando a roda da nossa economia para trás.
Toda a nossa cadeia produtiva, empresarial de todos os ramos e tamanhos, da mercearia de bairro à nossa Estatal do Petróleo, não desejam mudar o cenário, pois assim conseguem fazer muito dinheiro com baixa produção e baixo número de funcionários.
Enriquecem gastando pouco.
Não ganham dinheiro no volume, mas sim na falta dele.
Exportamos nossa produção (a preço de banana, embora essa expressão nem seja mais tão verídica porque até a banana, nosso símbolo, está cara) e tentamos abastecer o mercado interno com o excedente que não conseguem exportar.
Por isso temos produtos de qualidade inferior, em pouca quantidade e consequentemente com preços elevados.
O mais triste é que vivem recorrendo a crédito federal de várias formas. E este dinheiro que o governo empresta é nosso, porque governo não produz. Governo vive às custas de impostos.
Então, de forma resumida:
O governo cobra impostos da sociedade em tudo e várias vezes no mesmo produto ou serviço. Além de impostos sobre a renda.
Depois ele pega nosso dinheiro, que ele acha que é dele, mas não é, e empresta para produtores agrícolas, empresários de vários setores da economia.
Esses empresários e produtores do agronegócio usam esse dinheiro para melhorar seu maquinário, automação, produção (mais com menos), aumentam sua margem de lucro e, quando colhem os frutos (alguns literalmente), exportam tudo (ou quase tudo) para outros países na forma de commodities com preços baixíssimos porque nossa moeda vive (muito) desvalorizada frente ao dólar.
E o que sobra, “devolvem” para a sociedade com qualidade ruim e preço elevado, além de pouca oferta.
Ou seja, a sociedade que sustenta toda a cadeia, ainda é lesada por aqueles que, através do governo, pegam o nosso dinheiro para aumentar seus lucros.
Já repararam que em um supermercado quase todos os itens agora têm novos tamanhos, novas medidas, sempre menores, e com os preços maiores ou iguais, para melhor nos atenderem?
Exemplos que me ocorrem agora:
a. um frasco de shampoo que antes tinha 200ml, agora tem 175ml
b. As barras pequenas de chocolates estão do tamanho que eram os bombons na década de 90
c. As caixas de bombons têm cada vez menos unidades, e sempre daqueles que geralmente sobrariam porque ninguém gosta
d. Os cremes dentais chegaram aos ridículos 70g (recentemente estive nos EUA e a menor que encontrei no Walmart tinha 170g)
e. Potes de sorvetes também estão menores
f. Pacotes de salgadinhos só com “vento” dentro (se a Dilma não sabia como estocar, a gigante dos salgadinhos deu um jeito)
E os exemplos tendem ao infinito. Ontem, por exemplo, me espantei com a nova embalagem de torradas de uma marca famosa pelos panetones da caixa azul. Agora em tamanho menor para caber melhor na boca. Ah, tenha santa paciência né?!
Vendemos pedras e compramos mármore e granito.
Vendemos laranja e compramos suco.
Vendemos nossos minérios e compramos peças, carros, maquinário.
Vendemos petróleo e compramos gasolina. Somos autossuficientes na extração, mas só esqueceram que precisa refinar antes de colocar no tanque do carro). Aliás, combustíveis mereceriam um artigo a parte.
Vale um parêntese:
Nessa mesma passagem recente pelos EUA, senti o que é utilizar um combustível de qualidade. É incrível abastecer o tanque de uma SUV com apenas 30 dinheiros (moeda local de lá) e ver esse combustível render absurdamente porque o governo não manda encher de álcool na fórmula.
Tente abastecer seu carro com apenas 30 dinheiros (nossa moeda local) para ver até onde o ponteiro chega.
Aí você pode dizer: “Ah, mas converte isso da moeda deles para a nossa!”
Ok. Vamos desvalorizar um pouco mais e arredondar para R$ 130,00. Consegue encher o tanque de uma SUV com gasolina por esse valor? Acho que não. Isso porque nossa gasolina nem é boa. Então teria que ser uma aditivada para diminuir um pouco a diferença da qualidade (mais ou menos).
A indústria automobilística sempre viveu de lobbies em todas as esferas de governo, lucrando no Brasil para sustentar operações deficitárias ao redor do globo.
Vivem reclamando que os pátios estão cheios, que precisam demitir, e o governo corre feito cachorrinho para salvar as montadoras, que são um termômetro da nossa economia.
Se os pátios estão cheios, reduzam a margem, abaixem os preços, e vendam. Brasileiro é apaixonado por carro. Quem não gostaria de ter um carro novo, ou maior, ou melhor (de acordo com seus próprios critérios de preferência)?
Num país onde um caro popular “pelado” começa próximo dos 40 mil, elas querem reclamar de pátio cheio? Tenha dó!
Essa semana passei em frente à vitrine de uma loja de grife norte americana, famosa no Brasil, fundada em 1985 em NY, e vi uma camiseta por “apenas” R$ 169,99 (já com desconto de troca de estação). Camiseta esta que comprei por USD 7,99, dia desses nos EUA.
Essa mesma grife estava vendendo um vestido por apenas R$ 999,99. Uma verdadeira pechincha não é mesmo?
Pois minha esposa comprou o mesmo por USD 20,00.
E eu poderia passar horas, dias, falando das diferenças que vi na relação com o consumidor por lá. De como o consumidor é respeitado.
E você acha que as empresas lá não lucram? Claro que lucram. Mas lucram no volume. Entupindo o mercado interno com ofertas de tudo e com preços competitivos. E ganhe quem tiver a melhor qualidade.
Ah. Lembram da SUV que comentei? O aluguel dela ficou por 29 dinheiros. Desafio você a procurar alguma locadora e conseguir algum carro por 29 já com seguro, e tudo o mais que envolve a locação de um veículo.
Aliás, quando fui devolver a SUV na locadora, ainda recebi um reembolso de 38 dinheiros, porque havia informado que entregaria o carro com o tanque vazio e na inspeção, viram que havia mais 1/4 de gasolina.
Aí fica a dúvida: até quando seremos tratados com todo esse desrespeito?
Aliás, fica uma outra dúvida. Até mais intrigante que a anterior: se eu, que “sou apenas um DBA latino-americano” (como diria Belchior), percebo esse tipo de coisa, será que as pessoas com poder de mudar isso não enxergam?
Quality Assurance
5 aTenho que compartilhar. Sensacional. Parabéns pelo texto e triste em ler a nossa realidade. Sabe o que é o pior? Eu acho que isso nunca mudará...