Brasil: periferia do mundo?

Brasil: periferia do mundo?

O ano de 2017 nem bem chegou à sua metade e no campo do Direito as novidades são as mais variadas. Diariamente, uma série de novas teses são criadas e a jurisprudência nos tribunais superiores é modificada. No campo do direito penal e processo penal, as mudanças repentinas de entendimento dos magistrados, aliada à velocidade imposta por alguns membros do Ministério Público e Polícia Federal tem dado um novo ar para os antigos livros sobre as matérias, nas prateleiras empoeiradas das faculdades de direito espalhadas pelo Brasil.

O interessante é que tais mudanças surgem mais em razão de um novo ânimo dado pela sociedade a esses órgãos de controle e fiscalização do que propriamente de novas e mais arrojadas leis criadas pelos poderes executivo e legislativo.

Com exceção da lei que regulamentou a colaboração premiada (conhecida também como delação premiada), promulgada pelo governo de Dilma Rousseff no ano de 2013, a grande mudança partiu da forma de entender a legislação existente, por parte, especialmente, dos juízes brasileiros.

Tal afirmação se enquadra na maneira que o próprio juiz Sérgio Moro atua na aplicação das chamadas prisões preventivas, que têm se alongado no tempo e que, até pouco tempo, eram facilmente derrubadas nos tribunais superiores brasileiros.

Essa mudança de entendimento demonstra um certo esgotamento da paciência por parte dos magistrados brasileiros ao verem suas decisões, fortemente baseadas em provas, serem revertidas em instâncias superiores, muitas vezes por questões processuais de “baixa importância” perante o conjunto probatório que lhes é apresentado.

Como é importante lembrar, a posição do magistrado deve ser a mais isenta possível de qualquer paixão ou posicionamento político, todavia, é irrepreensível que o mesmo se sinta compelido pelo show de horrores que atualmente se estende pelos noticiários durante todo o dia e possa querer produzir, por meios dos instrumentos que possui, alguma mudança no cenário brasileiro.

Agora a dúvida que surge é a seguinte: se os instrumentos são os mesmos, por que somente agora foi possível desenhar novas soluções para antigos problemas brasileiros?

Uma das respostas possíveis é a consolidação do ambiente democrático brasileiro, que foi se fortalecendo desde a promulgação da Constituição Federal de 1988.

A Constituição não possibilitou de imediato o reforço nas instituições brasileiras, mas empreendeu uma série de mecanismos que foram trabalhados por alguns brasileiros muito empenhados em conseguir visualizar um horizonte mais limpo e transparente para o país.

Após a desastrosa presidência de Fernando Collor, o país teve a sorte de contar com valorosos republicanos que abdicaram por um período de suas vidas para identificar novas saídas para o Brasil, a começar para solucionar um dos graves problemas que assolava a nossa economia: a inflação.

O monstro da inflação havia sido objeto de diversos planos a partir da redemocratização brasileira, todavia, todos haviam falhado em função da falta de confiança por parte do mercado interno e externo. Tendo isso em mente, o presidente Itamar Franco optou em nomear um sociólogo para tentar dar cabo de um problema econômico grave.

Fernando Henrique Cardoso tomou posse como ministro da Fazenda brasileira há exatos 24 anos e trouxe consigo uma equipe de economistas com forte viés liberal e uma ideia na cabeça: tirar o Brasil da periferia do mundo.

Essa equipe foi responsável por uma verdadeira revolução no cenário econômico e jurídico brasileiro, sendo, até hoje, diretamente responsável por grande parte das novidades que vieram a surgir em termos de responsabilidade fiscal e legal da coisa pública. Pode parecer estranho, mas ali começaram a surgir algumas mudanças incentivadas e sentidas até hoje.

Combater a inflação, por mais simples que pareça, foi essencial para iniciar um processo de fortalecimento das instituições brasileiras proporcionando maior liberdade e, consequentemente, possibilitando a mudança de velhos hábitos da política brasileira por meio do Judiciário.

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