Briga de Lula com o mercado afeta custos da dívida
Após mais de 30 dias ‘batendo’ no presidente do Banco Central dia sim e no outro também, o presidente Lula mudou o foco na semana passada. Os assessores mais próximos de Lula comentam que o presidente continua com a mesma postura de que ‘juros altos fazem mal ao país’, mas não houve manifestações públicas contra Roberto Campos Neto na semana passada. Essa ‘calmaria’ pode ter sido ajudada pela decisão do presidente do BC de antecipar as suas férias e estender sua estadia na Europa. Quando retornar, ficará mais claro se a trégua é temporária ou se prolongará a partir de agosto.
Outro sinal de que talvez a postura aguerrida esteja mudando foi o anúncio feito pelo próprio Lula de que o seu governo será aderente à estabilidade fiscal e equilíbrio nos gastos públicos. Essa postura ficará mais evidente daqui a 15 dias, mais precisamente no dia 22 de julho, quando o Tesouro Nacional divulgará o relatório bimestral sobre a evolução das contas públicas, como determina a Lei de Responsabilidade Fiscal. Os novos dados indicarão se o Tesouro conseguirá alcançar o equilíbrio nas contas públicas e se haverá algum anúncio sobre cortes nos gastos públicos, conforme o “mercado” aguarda de forma ansiosa.
Os ataques de Lula e a ‘leitura’ de que a reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) de maio estaria indicando mudança no foco de controle de gastos públicos trouxeram estragos relevantes na conta de juros e outros indicadores de macroeconomia. Quem acreditava na manutenção da queda nas taxas, por exemplo – e se posicionou nessa estratégia nos títulos públicos – amargou pesados prejuízos em suas aplicações financeiras. Os papéis mais longos chegaram a registrar quedas de até 30% nos preços nos últimos 12 meses.
Outro sinal de decepção do mercado em relação à política econômica foi captado pela pesquisa Focus, divulgada semanalmente pelo Banco Central. Ao todo o BC capta cerca de 140 indicadores envolvendo cinco dimensões da economia nacional para os próximos quatro anos (inflação, taxa Selic e câmbio, contas públicas, balança comercial e índices de preços). Na última pesquisa as expectativas ‘piores’ representaram 35% das mais de 100 instituições financeiras pesquisadas, enquanto as ‘melhores’ atingiram 26% e “igual” ficou em 39% dos pesquisados. Em relação ao registrado há um mês, o índice de “piores” ficou em 49%, apenas 23% de “melhores” e 28% iguais (ver gráfico na abertura deste texto).
As perdas efetivas e potenciais do Tesouro Nacional também não foram pequenas já que juros altos implicam mais despesas da dívida pública. Conforme análise do Banco Central, cada um ponto de oscilação na taxa Selic há uma economia (ou acréscimo) de R$ 50,3 bilhões nos custos da Dívida Líquida do Setor Público. Se a Selic continuasse em queda com redução de mais um ponto percentual, essa seria a economia do Tesouro ao longo de 12 meses. Como o mercado passou a considerar que a Selic deverá continuar no atual patamar de 10,5% ao ano, essa eventual economia se esvaneceu.
Os dados do Tesouro Nacional sobre os leilões de títulos públicos também ilustram os impactos negativos. No leilão da semana passada, até as Letras do Financeiras do Tesouro (LFTs) sentiram a pressão. Esse papel se adapta de forma instantânea em relação às oscilações dos juros e por isso tem pouca variação ao longo dos meses. No último leilão, porém, as LFTs de três anos deram um salto, saindo de um patamar de cerca de 0,8% (mais a Selic), para quase 0,12% ao ano. O leilão registrou alta expressiva também dos papéis prefixados e dos vinculados à inflação (IPCA) (ver gráfico).
As perdas foram registradas também no mercado de títulos soberanos (bonds). O Brasil paga taxas extremamente elevadas para os seus papéis e as tensões das últimas semanas ficaram evidentes na piora nas cotações. O título brasileiro de 10 anos costuma ser negociado por pouco mais de 30% do valor de face, enquanto os bonds dos Estados Unidos são cotados por quase 70% do valor nominal. Nos últimos meses, os papéis brasileiros vinham se recuperando gradativamente em relação aos títulos do tesouro americano, mas nas últimas semanas houve uma forte tendência negativa. Em dezembro de 2022, o papel de 10 anos do Brasil era cotado pelo equivalente a 39% de um título semelhante dos Estados Unidos e chegou a atingir 55,2% em março, com ganhos expressivos. As turbulências derrubaram a cotação para 47,9% na relação entre os dois bonds na semana passada.
Os movimentos pendulares de Lula e outros integrantes do Partido dos Trabalhadores deixaram claro de que o governo terá de conviver de forma harmônica com o ‘mercado’, caso queira manter a economia em ordem. É mais um ‘choque de realidade’ que Lula 3 está tendo em relação aos governos anteriores, quando não havia a autonomia do Banco Central e na administração da política monetária. Na política partidária, o ‘choque’ ficou evidente já no ano passado, quando várias propostas do governo foram derrotadas no plenário do Congresso e o Executivo ainda trabalha para formar uma base parlamentar estável para os seus projetos.
A mudança na postura de Lula em relação ao BC teria sido costurada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Ele conseguiu reunir o presidente Lula com diversos economistas identificados com a linha econômica do PT para um jantar em sua casa, em São Paulo, na sexta-feira, dia 28 de junho. Na reunião, segundo comentários de alguns dos presentes veiculados por repórteres ao longo da semana passada, os presentes teriam observado que bater em Campos Neto seria contraproducente.
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Estiveram presentes, entre outros, o ex-ministro da Fazenda no governo Dilma, Guido Mantega, o ex-presidente do BNDES, Luciano Coutinho, Luiz Gonzaga Belluzo e o economista Eduardo Moreira, que mantém um canal no YouTube de enfática defesa do governo. O diretor de política monetária do BC, Gabriel Galípolo, também esteve presente. A costura foi complementada em reunião reservada entre Haddad e Lula no Palácio do Alvorada, na manhã da última quarta-feira. Como o presidente já se declarou uma ‘metamorfose ambulante’, nada impede outras mudanças nos próximos meses, mas há sinais de que Haddad (e Campos Neto) talvez tenha vida mais fácil nas próximas semanas.
Além das fortes oscilações nos juros dos títulos públicos, o real também perdeu poder de compra em relação ao dólar. Entre as 26 principais moedas do mundo, o real foi o que registrou o quarto pior desempenho nos últimos 12 meses. Conforme dados da plataforma Trading Economics, o dólar subiu 25,19% ante a lira turca, 16,85% sobre o peso chileno, 11,59% sobre o iene japonês e 10,96% sobre o real. Pelas simulações do Banco Central, cada um ponto percentual na oscilação do dólar tem impacto de R$ 8,6 bilhões na dívida líquida ao longo de 12 meses.
Essas oscilações negativas nos ativos financeiros e nas pesquisas conduzidas pelo Banco Central contrastam com o bom momento vivido pela economia real, especialmente na questão do emprego. Tanto os dados do IBGE, que afere o comportamento geral das contratações e demissões no país, quanto do Ministério do Trabalho (que monitora apenas o mercado formal, com CLT), mostram que a economia vai bem. Por isso, o mercado deveria ser menos crítico em relação à política econômica, reclama o Palácio do Planalto.
Além disso, não há sinais de insolvência da dívida pública. Ao longo das últimas décadas, o Tesouro Nacional construiu uma série de controles e indicadores que permitem que qualquer cidadão acompanhe as contas do governo com defasagem de poucos meses. Um dos indicadores é a chamada “Suficiência da Regra de Ouro” que limita os gastos que o governo pode ter nas despesas correntes, como a remuneração do funcionalismo, os benefícios da previdência, juros da dívida pública e o custeio da máquina pública. Esse indicador indica um quadro difícil, mas estável, e pode ser encontrado no endereço eletrônico (ver um exemplo no final deste texto).
De uma forma geral, porém, a situação brasileira não é tranquila. O Brasil tem um endividamento muito elevado em relação ao produto interno bruto (PIB), no grupo dos países em desenvolvimento, e os custos da dívida pública são extremamente elevados, tanto em termos absolutos quanto relativos. Isso fica claro quando se compara a taxa de referência no Brasil (Selic) com as taxas de outros bancos centrais, como nos Estados Unidos, Europa, China ou Japão. As diferenças entre essas taxas eram menores até 2021, mas desde 2022 o hiato cresceu muito. Hoje a Selic brasileira é o dobro da registrada nos Estados Unidos e Europa. Naqueles países há expectativas de redução das taxas, enquanto no Brasil esse movimento foi colocado em xeque.
A vitória que o Brasil alcançou no controle da inflação, efusivamente comemorada nas efemérides dos 30 anos do Plano Real, mostra que o país pode superar os seus problemas. As fortes oscilações nos preços dos ativos financeiros e nas expectativas do mercado apontam, porém, que ‘bater no mercado’ talvez não seja a melhor estratégia.