A busca pela naturalidade e os universais da tradução

A busca pela naturalidade e os universais da tradução

Todo(a) tradutor(a) profissional procura atingir a naturalidade em seus textos, isto é, fazer com que seu público-alvo não consiga perceber que se trata de uma tradução. Mas, será possível atingir 100% de naturalidade? Será que existem características comuns entre as traduções que permitem diferenciá-las dos textos escritos originalmente em uma determinada língua? 

Mona Baker (1993) foi uma das primeiras pesquisadoras a desenvolver a ideia de que existiriam atributos comuns que caracterizam os textos traduzidos, independentemente das línguas envolvidas, e os diferenciam dos textos elaborados originalmente em uma determinada língua. Citando diversos trabalhos prévios, Baker afirmou que seria possível perceber algumas características nos textos traduzidos que seriam resultado do próprio processo de tradução, e não das línguas envolvidas. Essas características ficariam conhecidas dentro dos Estudos Descritivos como universais da tradução. Laviosa (1998) definiu esses universais da seguinte maneira: “Os universais da tradução são características linguísticas que estão presentes tipicamente em textos traduzidos, em lugar de nos textos originais, e se considera que são independentes da influência dos pares de línguas específicos envolvidos no processo de tradução".                                                                                                                 Inicialmente, Baker detectou cinco universais:

  1. O primeiro é uma elevação evidente no nível de explicitude com relação tanto ao texto fonte como a textos elaborados na língua de destino. Ela oferece um exemplo, tirado de um livro sobre o assassinato do Sadat, presidente do Egito, onde aparece a seguinte frase (no original): “O exemplo de Truman sempre esteve presente no meu pensamento”. E a tradução em árabe ficou da seguinte maneira: “No meu pensamento sempre esteve o exemplo do presidente americano Harry Truman, que sucedeu a Franklin Roosevelt a finais da Segunda Guerra Mundial”. Esse é só um exemplo das diversas formas que a explicitação pode adotar, como resultado de um esforço didático do tradutor. Muitas vezes ela é amplamente justificável por motivos culturais, mas convido vocês a pensarem quantas vezes fazemos intervenções no sentido de detalhar ou adicionar informação, e em quantas dessas oportunidades isso é realmente necessário.
  2. O segundo universal é uma tendencia à desambiguação e simplificação. Por exemplo, simplificar a sintaxe mais complexa, colocar aspas e outros signos de pontuação para deixar o texto mais compreensível, etc. Mais uma vez, muitas dessas intervenções são necessárias devido a deficiências no texto original, mas também acontece que o tradutor acaba simplificando excessivamente o texto e, com isso, se afasta do estilo ou da intenção do próprio autor.
  3. O terceiro universal é uma preferência sólida pela gramaticalidade convencional, como finalizar frases incompletas, corrigir expressões que se desviam das regras da gramática e omitir autocorreções, mesmo que sejam propositais, entre outras. Quem nunca fez uma intervenção desse tipo?
  4. O quarto universal proposto por Baker é uma tendência a evitar as repetições presentes nos textos originais, seja omitindo-as ou parafraseando-as. Isso é algo que pode ser observado em muitos textos técnicos, onde a repetição é realmente necessária e o uso de sinónimos não faz mais que complicar a compreensão por parte do usuário.
  5. O quinto, e último, universal é uma tendencia geral a exagerar as características das línguas de destino.

Baker afirma que essas características distintivas dos textos traduzidos, condensados nos universais, seriam resultado da confrontação entre a língua de origem e a língua alvo.

Diversos autores continuaram aportando novos elementos ao debate a partir desse texto da Mona Baker. Toury (2004), por exemplo, prefere falar em leis em lugar de universais, na medida em que uma lei considera a possibilidade de exceções, que por sua vez podem ser explicadas por outra lei, que opera em outro nível. Além disso, Toury salienta que “a questão toda dos universais da tradução não tem a ver com a sua existência no mundo, por dizer de alguma maneira, mas do seu poder explicativo”. Isto é, só vale a pena pensar na existência dessas leis na medida em que ajudam a explicar algum fenômeno.

Chesterman (2004) também destaca a importância de procurar e descobrir generalidades a respeito das traduções. Essas similaridades, regularidades ou padrões, diz ele, não negam as diferenças entre casos, mas aumentam a compreensão de um quadro geral.

Para finalizar, muitos autores salientam que, mesmo que existam essas características universais nos textos traduzidos, que de certa forma seriam inevitáveis, as marcas delas são mais ou menos profundas a depender da experiência e habilidade do tradutor. Isto é, a experiência e habilidade do tradutor são essenciais para determinar em qual grau os universais estão presentes em uma tradução, de modo de que não impactem negativamente na naturalidade.

Aqui é importante assinalar que a procura por demonstrar a existência de características universais nas traduções foi impulsionada fortemente pelo surgimento da metodologia de pesquisa que utiliza análise de corpora eletrônicos. Isso se dá devido à possibilidade de trabalhar com grandes conjuntos de textos paralelos e o desenvolvimento de ferramentas informáticas permitem refinar as buscas, o que revolucionou, de certa forma, o campo dos Estudos Descritivos. Ou seja, os universais algumas vezes podem ser detectados em uma observação a olho nu, mas hoje contamos com muitas pesquisas que se apoiam em grandes volumes de dados, ou corpora bilíngues, onde isso seria impossível. Assim, o desenvolvimento de conceitos teóricos – como leis ou universais da tradução – ganhou muito quando as pesquisas começaram a se basear em grandes corpora e o uso de ferramentas informáticas. 

Chegando no final desse breve artigo, quero destacar, mais uma vez, a importância de tomar um tempo para pensar no nosso trabalho, o que não é uma coisa fácil, considerando o ritmo exigente que demanda o mercado atual. Também espero que esse texto seja capaz de despertar nos(as) profissionais da tradução o interesse pela linguística e pelos Estudos da Tradução, ou pelo menos, para abrir a cabeça e não condená-lo com uma postura preconceituosa. É claro que não é necessário ser um linguista ou um acadêmico para traduzir, mas desprezar o conhecimento que a linguística e os estudos da tradução nos trazem é comparável a uma espécie de terraplanismo linguístico e tradutório, algo que, infelizmente, vemos com demasiada frequência nesses tempos peculiares em que estamos vivendo.  

Durante muito tempo os estudos da tradução, ou pelo menos uma boa parte deles, consistiam em acadêmicos produzindo resultados pouco interessantes para pessoas fora da comunidade formada pelos próprios acadêmicos. Isto é, eram acadêmicos que falavam entre eles e que estavam longe do mundo real dos tradutores. Mas os tempos mudaram.

Para nós, tradutores profissionais, os trabalhos teóricos são úteis na medida em que nos oferecem elementos para pensar no nosso trabalho, na maneira como traduzimos, nas operações mentais que fazemos, nos resultados que obtemos, entre outros. Assim, eles permitem um certo distanciamento do nosso trabalho para pensar no que fazemos e como o fazemos.

Bibliografia

BAKER, M. Corpus linguistics and Translation Studies: Implications and Applications. In: Baker, M.; Francis, G.; Tognini-Bonelli, E. (eds). Text and technology: In Honour of John Sinclair. Amsterdam/Filadelfia: Benjamins, 1993.       

CHESTERMAN, A. “Beyond the Particular.” Pages 33-49 in Translation Universals: Do They Exist? Edited by Mauranen Anna, Kujamaki Pekka. Philadelphia: John Benjamins, 2004.

LAVIOSA, S. The English Comparable Corpus: A Resource and a Methodology. In: Bowker, L., Cronin, M., Kenny, D., Pearson, J. (eds.) Unity in Diversity: Current Trends in Translation Studies. Manchester: St. Jerome, 1998. 101–112.

TOURY, G. 2004. “Probabilistic explanations in translation studies. Welcome asthey are, would they qualify as universals?” In: Translation Universals. Do they Exist?, Anna Mauranen and Pekka Kujamäki, eds. Amsterdam and Philadelphia:John Benjamins. 15-32

Rodrigo Bonjour

Tradutor no par Inglês<>Português Brasileiro I Designer Gráfico, Infografia e Diagramação I Área Industrial Metalúrgica

1 a

Olá, professor Davidson. Achei o texto muito interessante e pertinente. Obrigado por compartilhar!

Fatima Stigliani

Patents, Medical, Life Sciences, Chemical and Pharmaceutical Translator

1 a

Texto didático e muito interessante. Obrigada Jorge

Muito bom o texto e superimportante para uma tradução de qualidade. Mas, como você mesmo aponta, é muito importante determinar em qual grau os universais estão presentes em uma tradução, pois, no universo que reutiliza segmentos de tradução de forma massiva, variações do texto original, poderiam ser um problema. O que você acha?

Giovanna Lester

Intérprete || Tradutora português (BR) x inglês - ajudo empreendedores, indivíduos, advogados e empresas a se comunicarem.

1 a

Que lindo, Jorge! Eu desconhecia os universais da tradução e achei o conceito super interessante. Me fez refletir sobre os trabalhos que tenho feito. No dia 9, assisti a uma mesa redonda onde se discutia categorias ou graus de tradução, e a leitura destes universais me remeteu às conversas dos painelistas.

Elisabete Köninger

KOENINGER & PARTNER - Certified translator, interpreter, trainer

1 a

Ótimo, Jorge. De fato, há muitos pontos ali em que a gente se reconhece. Sempre que leio reflexões como essa sobre a tradução penso no que ouvi de uma pesquisadora da neurociência. Ela dizia que sempre que um pesquisador entendia algo novo sobre o cérebro já estava, na verdade, atrasado, pois aquela descoberta tinha acabado de criar uma nova sinapse e alterado o seu próprio cérebro. Às vezes, sinto isso com a tradução. A gente faz uma nova descoberta que gera novas perguntas e é um constante aprender.

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