Cães como Companheiros e Catalisadores: Como a Adoção Durante a Pandemia Transformou Práticas Sociais e o Consumo de Afeto
A pandemia de COVID-19 gerou uma série de mudanças significativas nas nossas rotinas e nas relações sociais. Entre essas transformações, um fenômeno que chamou a atenção foi o aumento na adoção de animais de estimação, especialmente cães. O estudo Qualitative exploration of the dog acquisition process during the COVID-19 pandemic: impact on owners' loneliness and isolation (Santos et al., 2024) revela como a aquisição de cães se tornou uma prática social importante durante o período de isolamento social, desempenhando um papel significativo na saúde emocional dos donos e refletindo mudanças nas práticas de consumo e nas interações sociais.
A pandemia gerou uma sensação de solidão e desconexão para muitas pessoas, que, distantes das interações sociais tradicionais, passaram a buscar novas formas de companhia. A adoção de cães, nesse contexto, emergiu como uma prática social capaz de preencher esse vazio. A prática social é definida como ações coletivas que se desenvolvem a partir de contextos compartilhados e que são influenciadas pelas necessidades do momento (Schatzki, 2001). No caso da adoção de cães, esse comportamento reflete uma resposta direta à crise emocional provocada pela pandemia, sendo uma tentativa de minimizar o sofrimento causado pela falta de contato social.
O conceito de consumo emocional (Belk, 1988) também pode ser aplicado para compreender esse fenômeno. Adotar um cão vai além de adquirir um bem material; trata-se de uma busca por afeto, carinho e, principalmente, por uma forma de aliviar a solidão. Durante a pandemia, a ideia de consumir um cão como um "produto" foi transformada, pois o ato de adoção passou a ser, na realidade, uma forma de consumo emocional, em que os indivíduos procuravam conforto e apoio psicológico por meio do vínculo com seus animais. Para muitos, os cães passaram a ser companheiros essenciais, ajudando a combater a sensação de vazio e solidão. Eles não eram apenas animais de estimação, mas fontes de consolo e apoio emocional, oferecendo um afeto incondicional que amenizava as tensões do momento.
Além disso, a adoção de cães não se restringiu a um consumo privado; ela também criou novas formas de interação social. Embora o distanciamento social tenha limitando as interações humanas, os cães proporcionaram uma ponte para a socialização. Os passeios com os animais, por exemplo, se tornaram oportunidades para interações com outros donos, criando uma rede social alternativa que ajudava os indivíduos a manterem algum contato com o mundo exterior. O estudo de Santos et al. (2024) revela que, para muitos donos, essas interações diárias com outros amantes de cães se tornaram uma forma importante de combate à solidão.
Contudo, a adoção de cães também trouxe desafios. A responsabilidade de cuidar de um animal exige tempo, paciência e comprometimento. A experiência de adotar um cão, embora geralmente associada a benefícios emocionais, envolve também a adaptação a uma nova rotina, que pode ser difícil em tempos de crise. Como apontado por Deleuze e Guattari (1987), o consumo de algo ou alguém, como no caso da adoção de um cão, envolve uma relação de cuidado e respeito. A adoção não se resume a um ato impulsivo de adquirir um "companheiro", mas a um compromisso contínuo que exige dedicação e adaptação.
Apesar dos desafios, o estudo de Santos et al. (2024) destaca os benefícios significativos para os donos de cães. A presença de um animal de estimação, especialmente um cão, proporcionou uma sensação de propósito e pertencimento. Muitas pessoas relataram que, ao cuidar de seus cães, sentiam-se mais conectadas com o mundo e mais capazes de lidar com a ansiedade e o estresse provocados pela pandemia. Dessa forma, os cães desempenharam um papel fundamental na manutenção do bem-estar emocional de seus donos, proporcionando conforto e apoio durante tempos de incerteza.
A adoção de cães durante a pandemia ilustra uma transformação nas práticas sociais e no comportamento de consumo. O ato de adotar um animal não pode mais ser visto apenas como uma simples compra ou aquisição, mas como uma prática social que responde a necessidades emocionais complexas. A busca por afeto, companhia e pertencimento se reflete na escolha de trazer um animal para dentro de casa, e esse fenômeno destaca a capacidade humana de adaptar e reinventar práticas sociais diante de momentos de crise.
Ao mesmo tempo, a pandemia mostrou como as práticas de consumo também podem ser transformadas por fatores emocionais e sociais. O consumo de cães, ao se tornar um ato emocionalmente carregado, redefine o papel dos animais de estimação na sociedade, mostrando que a adoção é uma prática que não se limita ao consumo de um bem material, mas à construção de novos laços afetivos e sociais.
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Em suma, a adoção de cães durante a pandemia de COVID-19 não apenas ajudou a mitigar a solidão de muitas pessoas, mas também reflete uma mudança nas práticas sociais e no consumo emocional. Esse fenômeno ilustra a importância de compreender as complexas interações entre comportamento social, consumo e necessidades emocionais, e como essas dinâmicas podem ser adaptadas para lidar com os desafios trazidos por crises coletivas, como a pandemia.
Referências
BELK, R. W. (1988). Possessions and the extended self. Journal of Consumer Research, 15(2), 139-168.
DELEUZE, G.; GUATTARI, F. (1987). Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Editora 34.
SCHATSKI, T. R. (2001). The Practice Turn in Contemporary Theory. Routledge.
SANTOS, A. F. et al. (2024). Qualitative exploration of the dog acquisition process during the COVID-19 pandemic: impact on owners' loneliness and isolation. Journal of Social and Psychological Studies, 12(3), 78-92.
Diretor Executivo e responsável pelo Escritório de Estratégia e Transformação - diretoria vinculada ao VP de Estratégia (CSO) - Ref. EPMO, PMO, VMO, LACE, COE - metodologias adaptativas/hibridas
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