A caça às bruxas brasileira de 2017
Primeiro, vejam o vídeo e leiam a matéria da Ponte Jornalismo.
Eu estava lá, participando do contra-protesto em reação ao protesto conservador contra a filósofa americana Judith Butler, que falaria na terça, 07/11/2017, no ciclo Os Fins da Democracia, organizado pela USP e pela Universidade da Califórnia - Berkeley, no Sesc Pompeia.
Esse cara de boné preto que aparece no vídeo com uma barra de ferro escondida e, segundo relatos, também estava portando um canivete, ficou meia hora dando uma espécie de entrevista coletiva pra imprensa que estava cobrindo o protesto, além de estar gravando a gente do outro lado o tempo todo. Também teve um momento em que um grupo de jovens que estavam do lado de lá tentaram chegar perto do nosso microfone e pediram o direito de falar no nosso som, o que foi negado. Esses moleques tinham toda a pinta de pertencer a grupo neonazi, e o cara de boné disseram que é da Igreja Universal.
Não tenho certeza de nada disso e precisava duma apuração jornalística mais profunda pra descobrir quem são esses caras, como se organizam, como se financiam e quais os interesses por trás. Mas basta à nossa imprensa mostrar os cartazes e palavras de ordem deles e, claro, mostrar eles queimando a "bruxa" que representava a Judith Butler. Mostrar que tinha muito mais gente do outro lado protestando contra esses malucos obscurantistas e a favor da liberdade de pensamento não interessa à maioria dos veículos, claro que com exceções como a própria Ponte Jornalismo e o EL PAÍS Brasil, que fez uma cobertura mais equilibrada. De qualquer forma, a exposição das ideias e métodos desses grupos talvez deixem mais claro o tamanho do absurdo, e do perigo, da auto-ficção que eles criaram e tomam como realidade.
Eu, apesar de ser formado em jornalismo naquela que ainda é considerada uma das melhores faculdades do Brasil, sei há tempos que não vou ter nunca um emprego nas "grandes" empresas de mídia brasileira, e nem quero trabalhar pra eles. To aqui, com 35 anos, desempregado, me virando com frila e fazendo comida pra sobreviver, mas decidi que não vou mais ficar me lamentando e entrar em depressão. Resolvi lutar. Me juntei a um coletivo de gente foda, o Além das Sombras, to articulando com diversos grupos como o Pompeia Sem Medo e daqui até a eleição de 2018 vou lutar, vou fazer minha parte pro Brasil não descambar pro fascismo. Se o pior acontecer, as opções serão o exílio ou a clandestinidade, mas vou fazer tudo que estiver ao meu alcance pra derrotar essas forças da escuridão.
O Brasil tem muito problema que a gente tem que enfrentar e resolver, e além dos problemas reais temos que lutar contra esses espantalhos que, embora sejam criados pra desviar o foco dos problemas reais, geram consequências muito reais para os grupos que sempre foram e são subjulgados nesse país. As mulheres, os negros, os LGBTs, as crianças (as crianças reais, não as cranças idealizadas que esses caras alegam defender), os índios, enfim, os alvos de sempre, e também os artistas, os intelectuais, os professores, os cientistas.
A nossa geração se ressentia de não ter uma "causa" comum pra dar um sentido à nossa vida, como foi a luta contra a ditadura, por exemplo. Bem, agora temos. O sentido da minha vida agora é lutar contra o fascismo e obscurantismo que mostra suas garras. Pode vir pra cima que eu to armado com a força do amor, da paz, da alegria, mas também sei me defender.
Uma das armas que eu tenho pra me defender é meu conhecimento teórico e experiência de 15 anos fazendo comunicação nesse Brasil. Quero trabalhar, voluntariamente mas eventualmente até fazendo disso meu ganha pão, pra utilizar as ferramentas que eu conheço pra promover uma comunicação menos nociva nas redes sociais e uma imprensa que reflita melhor a realidade e não amplifique a voz de grupos pequenos, mas que gritam muito. Se você tem algum projeto na área ou trampo pra mim em fact-checking, criação de conteúdo que agregue coisas boas em vez de fomentar o ódio tribal nas pessoas, enfim, qualquer coisa, entre em contato. Juntos somos mais fortes que eles.