A Cafeicultura Brasileira Ganha Com o EUDR.
À medida que o mundo avança em direção a práticas de produção mais sustentáveis, a Resolução da União Europeia sobre Desmatamento (EUDR) representa uma mudança importante no comércio global. Voltada a evitar o ingresso de produtos ligados ao desmatamento (e, claro, protecionismos comercial para ajudar a antiquada agricultura europeia), a medida oferece uma excelente oportunidade para o café brasileiro destacar-se internacionalmente, especialmente graças aos avanços ambientais e de rastreabilidade do setor. O Brasil já possui ferramentas robustas que garantem a sustentabilidade da cafeicultura, como o Código Florestal e o Cadastro Ambiental Rural (CAR), colocando-o em vantagem frente a outros países produtores de café, além de toda a tecnologia agrícola implantada e do manejo e qualidade da cafeicultura brasileira.
O Código Florestal Brasileiro, criado em 1965 e revisado em 2012, exige que propriedades agrícolas preservem, com raras exceções para pequenas propriedades familiares, no mínimo, 20% de sua área, sendo que em biomas como a Amazônia este número chega a 80%, um dos índices mais altos do mundo. Não entrando nessa conta as demais áreas de preservação permanente como leitos de rios, áreas de encosta acentuadas, nascentes, etc., sem nenhum tipo de ajuda governamental ou incentivo fiscal, o que é até difícil de ser explicado e compreendido pelas autoridades ambientais ao redor do mundo. Esse marco regulatório faz do Brasil um dos países com maior cobertura florestal (cerca de 60%) e de vegetação nativa protegida em áreas privadas do mundo, atualmente com cerca de 23,5% do território nacional, de acordo com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Na cafeicultura, isso se traduz em rigorosos controles sobre as áreas de cultivo, restringindo a expansão da fronteira agrícola em biomas vulneráveis e garantindo que o crescimento da produção aconteça de forma sustentável.
O CAR é uma ferramenta essencial para a transparência ambiental. Com mais de 7,6 milhões de imóveis cadastrados, ele cobre aproximadamente 98% das áreas rurais brasileiras (número extremamente difícil de ser atingido em qualquer país do mundo), permitindo que o Brasil rastreie a origem do café e comprove o cumprimento da legislação ambiental. Essa rastreabilidade atende diretamente aos requisitos da EUDR, que exige que produtos exportados para a Europa comprovem uma origem livre de desmatamento. A implementação do CAR coloca o Brasil à frente de países como Vietnã e Indonésia, onde a rastreabilidade de áreas rurais é menos robusta e, em muitos casos, inexistente para pequenas propriedades.
As certificações ou padrões sustentáveis também são uma fortaleza da cafeicultura brasileira. Iniciativas como a Rainforest Alliance, Fair Trade, Global Coffee Platform, Orgânicos, CAFE Practices, etc., reforçam as práticas de conservação e responsabilidade social. Atualmente, cerca de 20% das áreas cafeeiras no Brasil são certificadas por padrões sustentáveis, uma proporção superior à média global. Para comparação, no Vietnã, apenas cerca de 10% da produção é certificada de acordo com padrões internacionais, enquanto a Etiópia possui taxas ainda mais baixas, dificultando a rastreabilidade e o cumprimento de exigências de desmatamento zero.
O Brasil não se destaca apenas em termos de legislação e rastreabilidade, mas também no uso de tecnologias avançadas e técnicas que preservam e promovem a sustentabilidade. Técnicas como plantio em nível e utilização de cobertura verde são amplamente utilizadas na cafeicultura brasileira, assim como a utilização de fontes nutricionais orgânicas e técnicas de agricultura regenerativa. Essas técnicas ajudam a controlar a erosão, conservar a umidade do solo, melhora a fertilidade e ajuda a capturar carbono, contribuindo para a mitigação das mudanças climáticas. Máquinas mais eficientes e com menor consumo de energia estão se tornando comuns nas fazendas brasileiras, além de tecnologias avançadas na aplicação de insumos e defensivos, que reduzem o consumo de combustíveis fósseis e o consumo de água.
Diversas outras tecnologias de manejo poderiam ser citadas aqui, no entanto, deixariam o texto extremamente longo e acredito que a posição na vanguarda da tecnologia agrícola já é bem conhecida do Brasil. Essas tecnologias e técnicas não apenas aumentam a produtividade do café brasileiro, mas também minimizam o impacto ambiental, tornando-o um dos cafés mais sustentáveis do mundo.
Fazendo uma comparação ambiental ampliada com outros países produtores, na Colômbia, o café é tradicionalmente cultivado em áreas montanhosas com baixa interferência em florestas primárias. Porém, o país ainda enfrenta desafios na implementação de uma legislação equivalente ao Código Florestal, especialmente em zonas de conflito onde a governança é limitada. O país possui cerca de 2,3 milhões de hectares de café, mas com níveis mais baixos de rastreabilidade, o que dificulta a certificação e o controle de áreas livres de desmatamento.
A Costa Rica é um país com forte tradição ambiental e legislações que promovem a produção sustentável. Embora produza em menor escala que o Brasil, a Costa Rica mantém uma alta proporção de certificação sustentável, com cerca de 30% da sua produção seguindo normas internacionais. A cafeicultura costa-riquenha é pioneira em métodos de conservação e regeneração, mas a falta de uma ferramenta abrangente de rastreabilidade, como o CAR, limita a comprovação da origem para mercados exigentes como o europeu.
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No caso do Vietnã, a rápida expansão da produção cafeeira tem gerado preocupações ambientais, já que o país dobrou sua produção nos últimos 30 anos, frequentemente ocupando áreas naturais. Com pouca regulamentação ambiental em algumas regiões, o Vietnã enfrenta críticas por desmatamento relacionado ao café. A falta de um sistema de rastreamento como o CAR dificulta a comprovação de práticas sustentáveis, tornando-o vulnerável às restrições da EUDR.
A Indonésia enfrenta problemas semelhantes, embora o café seja majoritariamente cultivado em pequenas propriedades, a expansão de áreas cafeeiras em regiões de floresta tropical, como em Sumatra, está ligada a altos índices de desmatamento. Além disso, a rastreabilidade do café indonésio é limitada, e iniciativas de certificação ainda têm um alcance restrito.
A Etiópia, berço do café arábica, é um país onde o café é cultivado de forma mais tradicional e com baixo impacto ambiental nas florestas. No entanto, a expansão para áreas florestais para suprir a demanda global é um risco crescente. Com uma legislação ambiental menos rigorosa e uma governança limitada em áreas remotas, a rastreabilidade ainda é um desafio.
Outros países da América Latina como Honduras e Peru, têm investido em certificações de sustentabilidade, mas enfrentam desafios significativos em rastrear a origem de toda a produção, especialmente em regiões de floresta tropical andina. A falta de uma política de rastreamento como o CAR dificulta que eles atendam às exigências ambientais europeias.
Ao atender plenamente os requisitos do EUDR, o café brasileiro fortalece sua posição no mercado europeu, onde a demanda por produtos rastreáveis e sustentáveis cresce a cada ano. Segundo estudos internos da própria AgriCaffè – Soluções em Cafeicultura, o valor agregado do café certificado e sustentável pode ser até 25% maior, representando um diferencial econômico significativo para os produtores que investem em práticas ambientais.
Além disso, o cumprimento do EUDR reforça a imagem do Brasil como líder em produção sustentável e coloca o país em uma posição favorável para influenciar políticas de sustentabilidade globais. Isso beneficia tanto o meio ambiente quanto a economia, ao mesmo tempo que posiciona o Brasil como um exemplo para outros países produtores que buscam atender à demanda por sustentabilidade.
A Resolução da União Europeia sobre Desmatamento não apenas exige conformidade, mas também representa uma oportunidade para o Brasil mostrar seu compromisso com a sustentabilidade e consolidar sua posição como líder na cafeicultura ambientalmente responsável. Com o Código Florestal, o CAR, uma ampla adesão a certificações sustentáveis e as tecnologias implantadas na produção, o Brasil está preparado para atender e até superar os padrões globais de preservação ambiental, destacando-se em um mercado cada vez mais orientado para a sustentabilidade.
Project & Product Management | Travel Operations Specialist | Sales Strategy Expert | Business Administration | Customer Experience | Multicultural Experience
1 mExcelente texto! Ele ressalta com clareza o quanto o Brasil está à frente em sustentabilidade na cafeicultura, especialmente com o uso de ferramentas como o Código Florestal e o CAR. Esse compromisso com a rastreabilidade e a preservação ambiental é um diferencial forte que nos destaca no cenário global. É inspirador ver como essas práticas podem também servir de exemplo para o turismo sustentável no Brasil. Assim como o café brasileiro conquista o mercado europeu com certificações e respeito ao meio ambiente, o turismo pode seguir esse caminho, valorizando nossos biomas e incentivando um desenvolvimento mais responsável e alinhado com a preservação da nossa biodiversidade.
Diretor de ESG e Certificações socioambientais
1 mImportante esse debate Mauro Martini. Certamente o Brasil tem condições de adequação plena à EUDR para boa parte dos produtores/regiões. Importante avaliar se pequenos e médios produtores também estão nesse grupo. Vale destacar que existem paises que terão bastante dificuldade de adequação, trazendo grande desafio para o setor global. Excelente texto.