Caminhando para fora da caixa! Como a comunicação não-violenta mudou a minha percepção.

Caminhando para fora da caixa! Como a comunicação não-violenta mudou a minha percepção.

Em 2016 eu tive o meu primeiro contato com a Comunicação não-violenta (CNV), ocasião em que conheci Dominic Barter, a experiência de conviver ainda que por um período curto com uma pessoa com a energia e visão de vida de Dominic, por si só já vale a pena.

Mas essa vivência trouxe-me grande aprendizado e de fato coloquei em prática, desde aquela época, algumas das coisas que aprendi.

Nos últimos meses revisitei esse universo e de fato mergulhei nos princípios aprendidos e hoje vivencio mais profundamente o meu aprendizado.

Resolvi escrever um pouco do que aprendi, compreendi e vivenciei nesses dois anos, inspirada no artigo da Eliete Oliveira publicado hoje, nada vem ao acaso faz dois anos que conheci Dominic e a CNV. 

Não pretendo fazer nenhuma transcrição do que foi dito e nem mesmo postar regras, apenas contar a partir da minha percepção qual o meu aprendizado.

A primeira questão que me ocupava lá em 2016 era a percepção de que CNV era falar mansinho, evitar o conflito e ter uma postura de aceitação. Quão errada eu estava!

CNV passa pelo processo de compreender o que faz sentido para nós e lutar para que haja mais vida, mais percepção e mais conexão. Passa por construir sentido colaborativo.

A partir disso percebo três níveis de interação, intrapessoal, interpessoal e sistêmico.

No nível intrapessoal percebemos como nossas expectativas, nossos sentimentos e nosso corpo se conectam e articulam para a formação do sentir e do pensar.

Na minha relação com o outro exercito o nível interpessoal, que é o que se mostra na sociedade e o mais experimentado por todos nós.

Também temos o nível sistêmico, que é vivido no dia-a-dia, mas pouco percebido a nível consciente uma vez que aqui se modelam, definem e são vivenciados os acordos implícitos.

Olhamos para os sistemas sociais, para como estão estruturados e fazemos parte deles, no entanto vivenciamos uma cegueira sistêmica pois, muitas vezes não nos responsabilizamos por fazer parte deles como, de fato, deveríamos.

Estes, estão modelados de uma maneira que nos faz pensar que sequer podemos ter uma ação ou atitude diferente perante o que se apresenta.

O milagre do ouvir

Vivemos tão ocupados em nossos mundinhos que pouco paramos para ouvir verdadeiramente ao outro e a nós mesmos.

Quantas vezes por dia eu e você dizemos: “Bom dia, como vai?” e ouvimos um “Bem e você?” que é respondido simples assim “Tudo bem também”. E voltamos para nossas telas, afazeres e pensamentos.

Um dos convites do curso era exatamente perguntar: Como vai? Para alguém que estava ali ao lado... e ouvir por 2 minutos sem interrupções o como a outra pessoa estava se sentindo. Há dois anos a minha pergunta interna foi: Nossa o que eu vou dizer?

E sem os joguinhos sociais pude dizer realmente como me sentia naquele dia. E o milagre maior foi escutar e criar uma conexão forte com alguém que não conhecia em apenas 2 minutos, tudo isso por me abrir e estar disponível para ouvir verdadeiramente.

A escuta ativa e empática me acompanha desde então, não apenas porque passei a dar atenção plena aos que me procuravam, mas principalmente porque passei a dar atenção plena a mim e passei a me escutar antes ouvir qualquer coisa do meu dia.

Essa prática me levou a outra tão importante quanto a primeira e capaz de mudar vidas.

Não rotular

“Nós não podemos nunca entrar no mesmo rio, pois como as águas, nós mesmos já somos outros”. – Heráclito de Efeso.

Nós temos uma desculpa básica para os rótulos, não adianta discordar todos nós temos. E usamos como atalhos para acessar o mundo, como guias para explicar algo, como gatilhos de memória ou como uma forma de nos adequar, encontrar ou ambientar....

Não importa a nossa desculpa, o fato é que, todos os rótulos são superficiais e insuficientes.

Melhor mãe, o chato da turma, o CDF, o gordinho, o burro, o encrenqueiro, o sabichão, o mais rápido... e por aí vai.

Quando não cuidamos da nossa percepção o rótulo é tudo que nos resta. E nós somos desconhecidos e inacabados, estamos em constante descoberta e mudança de nós mesmos. Como então somos capazes de afirmar que o outro é assim ou é assado, como diria minha avó?

Na minha vida estou sempre vigilante para não rotular e percebo com o exercício desses últimos anos que na minha atuação profissional isso é imprescindível. Não rotular aquele gestor por uma atitude Y, e nem o funcionário pela atitude Z, é necessário a todo momento.

Buscar compreender todo o contexto é fundamental, pois quando chego com uma ideia pronta, estou me relacionando com a minha expectativa, com a minha impressão, com o meu julgamento e o caminho é me relacionar com o que se apresenta e não com aquilo que eu acho que está se apresentando ali.

Somente assim serei capaz de contribuir verdadeiramente para o desenvolvimento de algo.

Na construção dos diálogos me percebo incompetente, e está tudo bem. Sou incompetente não por falta de capacidade e sim porque não compete a mim a razão, no diálogo me entrego ao mistério que outro é.

Nesta troca sincera pergunto sobre as necessidades do outro e quando essas são divulgadas e explicadas nós dois ganhamos clareza a respeito do caminho que precisamos seguir.

Assumir a minha incompetência frente ao mistério do outro, foi um passo necessário para criar conexão verdadeira e construir uma relação de empatia e propósito.

Meus sentimentos = Minha responsabilidade

Essa foi realmente uma mudança significativa para mim, eu já atuava na área de gestão há mais de 10 anos, com desenvolvimento humano há mais de 15 e como coach desde 2014, e somente naquele novembro de 2016 eu finalmente acolhi que meus sentimentos são minha responsabilidade.

Eu já sabia disso, anos de estudo, vivências, aplicação das ferramentas que eu aprendi na formação de coach... tudo isso me dizia que meus sentimentos são de minha responsabilidade, mas acolher isso em mim só aconteceu naquele 26 de novembro de 2016.

Durante aquele dia Dominic nos perguntou: “Quando foi a ultima vez que algo irrelevante de tirou do sério?” Ao que muitos responderam não lembro... Eu investiguei aquela pergunta internamente e também não me lembrava.

Sabe porquê?

Porque ainda que o evento fosse insignificante, se me tirou do sério foi em razão de algo que importava para mim.

Nós fomos ensinados a não expressar sentimentos. Fomos ensinados a ser lógicos, racionais, frios e certos. Fomos ensinados que sentimentos fragilizam e atrapalham.

O ato que dispara o gatilho do sentimento pode até ser protagonizado por outra pessoa, mas o sentimento pertence a mim, seja raiva, alegria, indignação, amor, tristeza, angustia, felicidade.

O sentimento é um sistema interno meu para me avisar quando algo está certo ou está errado para mim. Reforço que é para mim, pois para o outro aquele ato pode ser um gatilho para despertar um sentimento diferente daquele que eu estou sentindo.

Compreender e acolher que o que sinto é de minha responsabilidade me permitiu apoiar mais e de forma mais saudável aqueles que procuram meu apoio profissional.

Voltando para a questão da compreensão que tive sobre meus sentimentos serem minha responsabilidade, isso se deu ao entender que:

1º Só reagimos aquilo que importa para nós.

2º O outro pode protagonizar um ato que ativa meus gatilhos internos, mas ele não é o responsável por meus sentimentos. E,

3º Tudo aquilo que fazemos é para sanar uma necessidade que temos.

Afinal o que é uma necessidade?

É algo que não cessa.

É através dos nossos valores e princípios que percebemos nossas necessidades, eles funcionam como um guia nos alertando sobre aquilo que não nos pode faltar na vida.

A CNV me ajudou a perceber que necessidades são essas, e me trouxe para mais perto de mim e do outro.

Certamente comprar um super celular de última geração, recém lançado não é uma necessidade é no máximo um meio que eu decidi utilizar para sanar uma necessidade.

Para mim dentre tantas outras coisas, não pode faltar amor, liberdade, família, senso de propósito...

Eu poderia fazer uma lista quase interminável de necessidades, mas gostaria que você refletisse comigo e escrevesse nos comentários quais são essas necessidades.

O que não pode nos faltar na vida?

Certamente precisamos de apoio!

Esse é o pulo do gato... como diz o ditado, mas, que pulinho mais difícil né.

Reconhecer e aceitar que o sistema de apoio é uma das coisas que não pode nos faltar na vida não é nada fácil. A gente luta e reluta até perceber que existir cansa e cansa muito.

Nos armamos e lutamos para existir de verdade.

Diante disso nos isolamos, e muito desse isolamento se dá por não ter passado pelo processo de acolher nossos sentimentos como sendo nossa responsabilidade.

E para não cair na mais profunda exaustão necessitamos de um sistema de apoio. Mas afinal o que é isso?

É um conjunto de acordos previamente estabelecidos sobre como podemos conduzir situações da nossa vida diária.

Eu moro em uma cidade onde não tenho familiares, (lembrando que mesmo no caso destes os acordos precisam ser previamente estabelecidos de forma clara), e ter um sistema de apoio foi fundamental para que eu pudesse existir com mais tranquilidade leveza e alegria.

No meu caso, alguns acordos passam por ter previamente estabelecido com algumas pessoas o suporte caso tenha uma situação emergencial de saúde, por exemplo. Saber que posso contar com outra pessoa do meu sistema para me ouvir caso precise desabafar.

Como parte do sistema de alguém sou o suporte para ouvir e acolher quando essa pessoa precisa, sou o apoio para pegar o filho na escola quando aquela reunião não termina no horário e estar com ele até que essa pessoa consiga chegar em casa.

E assim com diálogo e trocas genuínas vamos construindo esses sistemas, essas relações.

E por fim a relação com o dinheiro...

Quando fiz a minha lista de necessidades naquele evento o dinheiro não estava na lista.

E eu conscientemente só percebi depois, ao reler o material em casa, e começar a praticar.

Confesso que aquilo me intrigou, me causou até certo desconforto, o pensamento ainda vivia na caixinha dos rótulos que descrevi lá em cima.

No percurso de CNV a relação com o dinheiro é construída de forma diferente do usual.

A responsabilidade partilhada recebe o nome de corresponsabilidade. Isto significa que essa responsabilidade é comum a duas ou mais pessoas, as quais partilham de um compromisso.

Eu atuo como coach de vida e carreira e tenho como missão:

Despertar nas pessoas a ampliação da consciência potencializando seus recursos emocionais, habilidades e competências, gerando assim sentido e significado para suas relações.

Me ancoro nas minhas crenças aqui traduzidas em:

Amor: Receber, acolher, respeitar e honrar a história de todos que me procuram. O amor me impulsiona.
Empatia: Ouvir na essência, criando uma conexão intuitiva e sem julgamentos. Acredito que pessoas e organizações evoluem significativamente quando escutam – a si mesmos e aos outros.
Propósito: Fortalecer a autonomia de pessoas e organizações, estimulando a identificação de seus valores essenciais integrando a tomada de iniciativa e desenvolvimento concreto.

 Meu propósito e minhas crenças, passam pelo incluir, pelo acolher, pelo ouvir. E quando cobrava um valor pré-determinado para um atendimento, ou um processo de coaching eu não via meu propósito completamente atendido.

Diante da necessidade de viver meu propósito, há alguns meses eu mudei a minha relação com o dinheiro em minha atuação como coach.

Utilizo o princípio da corresponsabilidade financeira e hoje meu trabalho como coach é acessível a todas as pessoas. É o meio que eu encontrei para contribuir e atender o senso de propósito.

A experiencia tem sido transformadora, quando tiramos a dinâmica de poder atribuída ao dinheiro o comprometimento, o engajamento e os resultados são expressivos.

Nessa relação de igualdade não há retribuição pelo serviço prestado, há sim a contribuição pelo objetivo alcançado.

Desde que comecei a praticar a corresponsabilidade financeira, meus coachees relatam que se sentem mais confiantes, mais engajados, mais comprometidos, mais envolvidos com o processo.

Eles se sentem mais responsáveis e eu também. A troca tem sido muito construtiva e o reconhecimento se dá com feedbacks genuínos para ambos.

Deixamos a dinâmica do “ou” e passamos para a dinâmica do “e”, pois a contribuição espontânea visa atender as necessidades e possibilidades do meu cliente e as minhas necessidades e possibilidades.

Sinto que ainda há muito o que falar sobre as vivências que tenho tido a partir do percurso de CNV, será tema para outros artigos sem dúvida, mas hoje...

Me entrego ao mistério de você é. E te convido a refletir e compartilhar comigo suas percepções a respeito desses dos temas que trouxe aqui. É valioso para mim perceber como esses temas ecoam em você. 

Paulo Brandão

Senior Consultant Specializing in Organizational Growth: Enhancing Business Outcomes through Culture, Coaching, and Accountability | Expert in Complex Sales Value Creation

3 m

Efigenia, obrigado por compartilhar.

Adriana Campiolo

Product manager | Product owner | Project analyst | Analyst of requirements | Business analyst | Scrum master

6 a

Texto sensacional! Obrigada por me marcar Mariana Aguiar

Rogerio Martins

Especialista em Liderança e Inteligência Emocional | Palestras | Treinamentos | Mentoria

6 a

Efigenia Pinheiro Neves, conteúdo denso e muito bom. Parabéns pela clareza e até leveza de seu texto. A comunicação é um dos grandes desafios das relações humanas. Talvez o maior deles. 

Luciana Viviani

Gestão e Desenvolvimento de Novos Negócios | Gerente de P&D | Pesquisa e Desenvolvimento | Gestão de Projetos | Gestão de Assistência Técnica | Engenharia | Químico | Inovação | KPIs | PMO | Business Cases

6 a

Efigenia, Estou realmente tocada pelo seu artigo. Faz todo o sentido pra mim e tudo que vivi e estou vivendo nesta etapa de vida. É de uma sensibilidade incrível, e realmente me fez pensar em coisas muito simples das minhas relações pessoais , em como posso melhorar e potencializar as minhas relações, como ser humano. Me remete aos ensinamentos de Deus, quando você fala da necessidade de servir e de dar amor às pessoas. Esse para mim é o real sentido da vida, da minha vida, ao menos eu quero que seja. Ser capaz de despertar todo o amor genuíno de dentro e ser capaz de não rotular, não julgar e realmente estar aberta será um grande desafio, mas não há melhor caminho, o de me relacionar de forma mais íntegra com o outro. Acredito que milagres diários são capazes de acontecer quando você se entrega a este ponto. Fiz algumas terapias no decorrer da minha vida, e conheci pessoas realmente iluminadas, como se fosses colocadas aqui na Terra para ensinar, e ouvi delas muitas coisas  que estão relacionadas ao seu artigo. Espero ter o prazer de te conhecer pessoalmente, te ouvir e aprender contigo. Parabéns!!!!  Luciana Viviani

Mariana Aguiar

Head of product | Driving Product Strategy | Product Lead | Mentor | Group Product Manager | Fintech

6 a

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