Carta aos Novos Terapeutas Junguianos: Orientações sobre o Desejo do Analista e a Contra-transferência

Carta aos Novos Terapeutas Junguianos: Orientações sobre o Desejo do Analista e a Contra-transferência


Caros(as) colegas,

É com profundo apreço que compartilho com vocês uma reflexão essencial para nossa prática como terapeutas junguianos: o papel do desejo do analista e o manejo da contratransferência. Esse tema, tão presente em nossa formação e atuação, carrega nuances que não podem ser ignoradas. Trata-se de uma questão vital para todos os que se dedicam à análise psicológica, seja no início de sua jornada profissional ou já com experiência.

O desejo do analista, afinal, é algo que existe? Como isso impacta a relação terapêutica? Jung nos diz claramente que sim, o analista também deseja. Para alguns, pode ser surpreendente, mas Carl Gustav Jung foi muito direto ao abordar essa questão. Ele reconheceu que o analista, sendo humano, também sente, deseja, ama e até rejeita seu paciente em determinados momentos. E mais: ele deve estar consciente disso e saber lidar com esses sentimentos para que o processo terapêutico flua de maneira saudável.

De acordo com Sigmund Freud, a contratransferência, ou seja, o conjunto de reações emocionais que o analista experimenta em resposta ao paciente, deve ser mantida sob controle. Ele escreveu: "O analista deve se manter neutro, uma tela em branco, onde o paciente projeta seus próprios sentimentos e desejos" (Freud, 1912, Sobre a Dinâmica da Transferência). Essa postura de neutralidade era vista como uma condição essencial para evitar que o desejo do analista interferisse no processo.

No entanto, Jung apresentou uma perspectiva mais complexa e, diria, mais humana. Para ele, não era apenas o paciente que projetava seus sentimentos no analista, mas o analista também vivia essa interação emocional. Jung afirmou que “é impossível estar numa relação com alguém sem sentir. O que A sente, B também sente” (Jung, 1954, A Prática da Psicoterapia). Ou seja, as emoções são um campo de trocas mútuas. Se o paciente está com raiva, o analista sente essa raiva. Se o paciente está deprimido, o analista experimenta essa tristeza, mesmo que de forma sutil.

Essa visão mudou completamente a forma como a contratransferência era vista. Jung propôs que o analista não deve reprimir seus sentimentos, mas sim reconhecê-los, entender suas origens e usá-los para enriquecer o processo terapêutico. O analista deve aprender a discernir o que pertence a ele e o que é reflexo do que o paciente está vivendo. Como Jung observou: "O amor pertence a quem ama; o desejo pertence a quem deseja, e o analista deve respeitar profundamente essa dinâmica sem agir de acordo com seus próprios sentimentos" (Jung, 1946, A Psicologia da Transferência).

Isso nos leva a uma importante orientação: o trabalho do analista não termina com o entendimento intelectual da teoria. Ele deve ser analisado, supervisionado, e estar constantemente em um processo de autoconhecimento. Somente assim poderá separar o que é seu desejo e o que é projeção do paciente. Jung propôs que todos os analistas deveriam ser analisados, justamente para poderem trabalhar com a contratransferência de forma responsável e respeitosa.

Vale ressaltar que, tanto para Freud quanto para Jung, a transferência – o fenômeno em que o paciente projeta seus sentimentos e desejos no analista – é um poderoso instrumento de trabalho. Contudo, Jung inovou ao reconhecer a contratransferência como igualmente poderosa, afirmando que “o que o paciente sente é um reflexo do que está acontecendo também dentro do analista, e isso pode ser usado para compreender melhor o processo inconsciente” (Jung, 1954, A Prática da Psicoterapia).

É importante estarmos atentos também ao que o paciente expressa de maneira não verbal. Jung era um grande defensor da observação de sinais sutis, como a cor da pele, a postura corporal e até mesmo o nível de vitalidade. Para ele, esses aspectos revelam tanto quanto as palavras e precisam ser compreendidos como parte da comunicação emocional que acontece no espaço terapêutico.

Em nossa prática como terapeutas junguianos, devemos sempre nos lembrar de que não apenas ouvimos o que o paciente diz, mas sentimos o que ele sente. É uma conexão profunda e rica, que nos exige maturidade emocional e autoconhecimento constante. A forma como lidamos com essa interação será fundamental para o sucesso do processo terapêutico.

Se você deseja explorar esse tema de maneira mais profunda, convido-o(a) a participar de nossos cursos de formação em psicologia analítica, onde discutimos detalhadamente a teoria e a prática da transferência e contratransferência. É uma jornada de autoconhecimento e crescimento, tanto pessoal quanto profissional.

A psicoterapia é um caminho de constante aprendizado, e eu fico feliz em poder compartilhar essa caminhada com vocês.

Com afeto e respeito,

Dr. Antonio Maspoli Analista Junguiano

Referências:

  • Freud, S. (1912). Sobre a Dinâmica da Transferência. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Vol. XII. Imago Editora.
  • Jung, C. G. (1946). A Psicologia da Transferência. Princeton University Press.
  • Jung, C. G. (1954). A Prática da Psicoterapia. Princeton University Press.

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