A chave de meu coração
#ACHAVEDOMEUCORAÇÃO
Lembro-me, com riqueza de detalhes da casa estilo neoclássico do Dr. Epifânio, o prefeito da cidade, naquela ocasião. Na minha imaginação infantil, achava todo àquele ambiente fascinante e misterioso, desde a arquitetura arrojada da construção aos objetos decorativos: estantes, aparadores, mesas, cadeiras, quadros, abajures etc. e, em especial, as poltronas acolchoadas de padronagem floral, onde o desenho da peça se fazia através da repetição do próprio tecido. Ao sentarmos afundávamos, como se estivéssemos mergulhando em um colchão de penas de ganso. A casa exalava um aroma agradável amadeirado de sândalo que podíamos sentir logo que adentrávamos. Era tudo muito lúdico, aos olhos e a sensibilidade de uma criança de apenas 9 anos de idade.
No período de pré-eleições as portas eram, frequentemente, abertas aos seus pretensos eleitores que, poderíamos compará-los a abelhas de rapidez avassaladoras, invadindo o ambiente, até então, sossegado, ávidas para colher o pólen para fabricação de mel. Mal poderiam imaginar que, aquele espaço confortável de atmosfera positiva, escondia um verdadeiro alçapão, pronto para capturar às pobres presas indefesas. Eram abordados de maneira, maciça e persuasiva, por seus fiéis cabos eleitorais, diga-se: xeleleus, prometendo-os com promessas falsas de impossíveis realizações.
Em um desses dias de festa política, na casa do Dr. Epifânio o ambiente originalmente, grande, tornava-se exíguo devido a grande concentração de possíveis eleitores. Minha irmã, Marlene, e eu, mesmo crianças, não perdíamos a oportunidade de também participar dos eventos importantes que aconteciam na casa do Dr. Epifânio. Trocamos de roupa, rapidamente, colocando o que havia de melhor no momento, e partimos. Ao chegarmos lá, no meio daquela multidão insana, procuramos um lugar na sala de estar, para sentarmos. Queríamos, obviamente, se possível, sentarmos nas supostas confortáveis poltronas. Coincidentemente, Marlene, muito atenta, no meio de tanta gente, viu que havia um lugar em uma das poltronas, mais que de pressa, sentou-se, rapidamente. Porém, o desfrute desse conforto, durou pouco tempo. Naquele entra e sai de tanta gente, surgiu uma mulher, super eloquente, dirigindo-se a Marlene falando, gentil e educadamente:
A mulher: querida, me dê este lugar na poltrona, que lhe darei a chave do meu coração!
Eis que Marlene responde:
Marlene: o quê? pra que eu quero a chave do seu coração?
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Eu, como sempre ponderador, falei:
André: dá Marlene!
Ela retrucou:
Marlene: eu não vou dar meu lugar por uma chave de coração! O que eu vou fazer com a chave do seu coração?
A mulher: Nele você encontrará amor, paixão, amizade e felicidade...
Marlene: mesmo assim, não me interessa, não quero a chave de seu coração...
A mulher, sem mais argumentos convincentes, desistiu.
Acabou que, Marlene não deu o seu lugar na poltrona em troca da chave que, supostamente, abria corações, e ainda, dividiu comigo um pouco daquele conforto, que tanto almejávamos usufruir, mesmo que provisório. Entretanto, até hoje, fiquei sem saber, como era essa tal chave que abria corações!