“Clima para a Copa é de preocupação e não deveria ser assim”, diz André Kfouri

Christh Lopes* | 05/06/2014 09:00

Carregando o "fardo" de ser filho de Juca Kfouri, um dos jornalistas mais consagrados no segmento esportivo, André Kfouri demonstra tranquilidade ao falar sobre sua experiência como repórter. Com três coberturas de Copas do Mundo no currículo, o profissional de imprensa revela um certo clima diferente na edição que será sediada no Brasil. “Eu acho que a poucos dias do começo do torneio, o clima no Brasil é de preocupação e não deveria ser assim”, disse. “Eu gostaria de estar pensando mais em Copa do Mundo propriamente dita, entende?”, alertando para os possíveis problemas de infraestrutura no evento.

Escolhido para ser setorista da Espanha pela ESPN, André sempre trabalhou acompanhando o cotidiano da seleção brasileira e afirma estar preparado para cumprir a função para a qual o canal lo escalou, cobrindo uma nova equipe. 

“Tenho afinidade e interesse e algum conhecimento de futebol espanhol, tanto de clubes quanto de seleção, por gosto pessoal mesmo. E, ao longo dos tempos, pude já fazer algumas coberturas especiais envolvendo campeonato espanhol, como naquela série de clássicos em 2011, que teve quatro jogos entre Real e Barça em 18 dias”, conta. 

O jornalista acredita que o desenvolvimento será fator determinante para a “Fúria”, que vem com o mesmo time que conquistou em sequência duas Euro Copas e também o mundial da África do Sul em 2010. “O que significa que, evidentemente, a espinha desse time está envelhecida”.

“O grande desafio da comissão técnica vai ser conseguir dosar a carga de trabalho dos jogadores a ponto de conseguir manter durante esse mês de competição o mesmo nível de futebol que eles eram capazes de manter. Isso não é fácil, mas não há outro caminho porque a Espanha não tem nesse momento condições de renovar sua seleção de uma maneira drástica a ponto de ter apetite novo”, declara. 

Vivenciando a emoção de mais uma vez ter a oportunidade de trabalhar durante a Copa do Mundo, o repórter lembra-se de um dos momentos mais marcantes da carreira, quando esteve na França, em 1998. “A gente que está nessa profissão e que trabalha com o jornalismo no esporte, sonha em colocar os pés nos grandes eventos, naqueles que a gente via quando era criança, adolescente, e imaginava como seria. Tanto que eu acho que a primeira marca muito pela coisa nova e por ter esse aspecto simbólico de 'enfim estou numa Copa'”.

No entanto, ele ressalta que a “mais legal” foi a de 2006, realizada na Alemanha. “A cada cidade você encontrava coisas novas e mais bacanas. Já ter passado por uma experiência antes me deu uma condição de olhar para a Copa do Mundo de outra maneira. Me senti um pouco menos pressionado por essa magnitude da Copa e pude aproveitar mais”. 

Apostando na visão diferenciada de seus funcionários, a ESPN Brasil prepara uma equipe repleta de especialistas no esporte para trazer as informações do dia a dia das seleções principais do campeonato para o fã de esporte. Integrado com o pensamento do veículo, Kfouri destaca o momento em que percebeu este outro lado do futebol durante a última edição do evento. “Uns colegas e eu fomos jantar numa casa de carnes em Johanesburgo e o motorista, que também fazia o trabalho de segurança, nos acompanhou. Nosso grupo se sentou. Lembro que nós começamos a conversar com eles sobre o filme 'Invictus', que conta a história da seleção sul africana de rúgbi, que ganhou a copa do mundo deste esporte realizada lá mesmo, na África do Sul”.

Em meio a conversa, um dos seguranças que participava do bate-papo falava sobre sua vida. Era um ex-oficial do exército do país sul africano, que estava trabalhando no setor privado de uma empresa contratada pela ESPN Estados Unidos para acompanhar toda a rede de emissoras que possuem a marca no mundo. “E ele começou a contar como a coisa foi e ele viveu muito de perto a Copa do Mundo de Rúgbi que a África ganhou em casa. Começou a nos dar detalhes, basicamente que o filme era muito real, que tinha uma relação muito próxima com as coisas que realmente aconteceram durante aqueles dias. E, lá pelas tantas, alguém perguntou que opinião ele tinha sobre o Mandela. E aí - é preciso entender, estamos falando de um militar sul africano branco, que viveu quando criança numa casa onde os negros eram tratados conforme o Apharteid determinava. Nesse contexto, resposta dele foi surpreendente, porque ele disse que ele via o Nelson Mandela como se fosse o avô dele”. 

O posicionamento do novo amigo impressionava não só a quem estava participando do encontro informal. “Quando percebemos, a nossa mesa estava cercada por mulheres que trabalhavam na cozinha do restaurante. A conversa toda se deu em inglês e começou a chamar a atenção delas, e elas se aproximaram, mas daquele jeito um pouco preocupado, um pouco constrangido, de não querer fazer parecer que elas estavam ouvindo a conversa dos outros, entende? Mas elas se interessaram muito mais, pois elas estavam ouvindo um branco contando sobre a questão racial do país. E duas delas começaram a chorar”. 

Assim que virou para trás, Kfouri viu a dupla claramente emocionada, um episódio que promete guardar com carinho. “São essas coisas que fazem com que você realmente aproveite a Copa do Mundo do ponto de vista pessoal”. Com a deixa, fica a pergunta: será que o povo brasileiro vai desfrutar do campeonato a ser disputado nos próximos dias? De acordo com o jornalista, sim, mas poderia ser melhor. 

“Com a maneira equivocada com que a organização da Copa do Mundo foi tratada aqui no país, as pessoas estão preocupadas com o que vai acontecer, se os estádios estarão prontos, problema organizacional, se vão ter problemas de violência envolvendo jornalistas estrangeiros. E eu também, infelizmente eu acho que esse clima é geral. O futebol tem coisas mais esportivas. Mas não dá para fazer isso. Ainda que eu ache que quando os principais nomes da Copa estiverem aqui no Brasil, o panorama vai mudar um pouco e poderemos falar mais sobre futebol”, relata. 

O sentimento negativo, já externado pelo ex-jogador Ronaldo, membro do Comitê Organizador local, é compartilhado pelo repórter, que destaca mais uma vez a questão do atmosfera nublada que estamos vivendo. “Eu acho que o mais triste é isso. As vésperas do primeiro jogo, o clima é de preocupação, e não de uma ansiedade pelo início do evento”, finaliza. 

Acompanhe o especial "A IMPRENSA na Copa do Mundo". Acesse o hotsite

*Com supervisão de Thaís Naldoni



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