COBRANÇA PELO SERVIÇO DE GESTÃO DOS RESÍDUOS SÓLIDOS
Por | Míriam de Fátima Soares
O princípio central da cobrança pela gestão dos resíduos sólidos urbanos é o do poluidor-pagador, que prevê que os responsáveis pela geração de resíduos devem pagar pela mitigação de seus impactos socioambientais. A cobrança pela prestação do serviço de manejo de resíduos sólidos urbanos é embasada pela legislação brasileira, como o artigo 145 inciso II da Constituição Federal, o caput do artigo 54 da lei 12.305/2010 e os artigos 29 e 35 da lei 11.445/2007.
Há que se falar também da Súmula Vinculante n° 29 do Supremo Tribunal Federal que diz que “é constitucional a adoção, no cálculo do valor de taxa, de um ou mais elementos da base de cálculo própria de determinado imposto, desde que não haja integral identidade entre uma base e outra”. Ou seja, em vários níveis do ordenamento jurídico há a previsão para cobrança da gestão dos resíduos sólidos urbanos.
Vale destacar, conforme Laureano, que a partir de julho de 2021, poderá configurar em ato de improbidade administrativa a omissão do gestor municipal em adotar medidas para implementação da cobrança pelo serviço de gestão dos resíduos sólidos.
Assim, é importante destacar a diferença entre taxa e tarifa, sendo que a taxa é um tributo compulsório instituído por lei podendo ser cobrada mesmo que não exista efetiva utilização do serviço, bastando apenas a sua oferta ao público. Já a tarifa é uma cobrança facultativa em decorrência da utilização do serviço público, feita indiretamente pelo estado, por meio de empresas que prestam o serviço em seu nome. Deste modo, a taxa se verifica como a melhor forma de cobrança dado seu caráter compulsório, além de que, para instituir a tarifa, deve-se mensurar a massa de resíduos produzida, o que não é simples.
A forma mais justa de se cobrar pela gestão dos resíduos sólidos é através da aferição da quantidade de resíduos produzida por cada residência, técnica de difícil adoção conhecida como PAYT – pay as you throw. Exemplos mundiais sobre essa forma de cobrança encontram-se em Kyoto, no Japão, onde os residentes pagam pelo número de sacolas usadas. Já em Barcelona, na Espanha, contêineres eletrônicos calculam o valor a ser cobrado conforme o volume de lixo inserido. Esse modelo permite a conscientização das pessoas para a redução na produção de resíduos.
Contudo, como o PAYT não é fácil de ser implementado, vários fatores podem ser utilizados a fim de se criar uma relação entre as características do imóvel e a produção de resíduos, como os citados por Dutra et al. (2018): unidades de área, faixas de área, zona de localização do imóvel, frequência do serviço prestado, uso do imóvel, área construída, testada do imóvel, padrão da construção, consumo de água, consumo de energia, valores fixos, coeficiente de produção de lixo, unidade fiscal do município e outros.
Conforme E&Y e SELURB (2020), existem três modelos básicos de cobrança pela gestão dos resíduos sólidos que são listados a seguir:
· Cobrança fixa: nesse modelo, os usuários pagam um valor pelos resíduos que são proporcionais a alguma medida adotada como a área do imóvel ou a sua testada, consumo de água ou de energia elétrica (proxy);
· Cobrança por utilização: são os modelos conhecidos como PAYT – pay as you throw, que se baseiam na quantidade de resíduos produzida pelo cidadão. Tais sistemas incentivam a separação dos RSU na fonte e a diminuição da sua produção.
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· Cobrança combinada: combinação entre a cobrança fixa e a cobrança por utilização, empregada, geralmente, no caso de ter que se cobrar de residências e de estabelecimentos comerciais. As residências podem pagar um valor fixo, enquanto que os estabelecimentos comerciais pagam pelo que de fato produzem, devendo-se assegurar a equidade horizontal no rateio para evitar que uma parte subsidie a outra.
Um modelo que também vale a pena destacar é o da moeda virtual “ecolones” da Costa Rica. Nesse modelo, ao entregar seus recicláveis em pontos de coleta determinados, os cidadãos ganham uma moeda virtual que pode ser trocada por alimentos e bebidas, serviços de veículos, tratamento dentário e acomodações de hotel.
Por fim, as principais formas de cobrança pelo serviço de gestão de resíduos sólidos nos municípios são a cobrança pela conta de água, a cobrança pela conta de energia elétrica, a cobrança em boleto específico e a cobrança pelo IPTU. Sobre o IPTU, é importante destacar que é vedada a cobrança pela gestão dos resíduos sólidos a partir de uma porcentagem deste imposto, pois esse método é inconstitucional, já que o cidadão será onerado duas vezes pelo mesmo tributo, ou seja, neste caso, as bases de cálculo das duas contribuições são integralmente iguais violando o disposto no artigo 145, § 2º da Constituição Federal conforme interpretação estabelecida pela Súmula Vinculante 29 do STF.
REFERÊNCIAS
DUTRA, Renato Meira de Souza; COIMBRA, Thatiana Carvalho; NASCIMENTO, Rafaela Mendes; CATTO, Jucelma Avanzi; SIMAN, Renato Ribeiro. Avaliação de metodologias de cobrança para o gerenciamento integrado de resíduos sólidos urbanos para municípios brasileiros. In: XIV Simpósio Ítalo-Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental, 2018, Foz do Iguaçu.
ERNEST & YOUNG BRASIL – EY Brasil; SINDICATO DAS EMPRESAS DE LIMPESA URBANA DO ESTADO DE SÃO PAULO – SELURB. A sustentabilidade financeira dos serviços de manejo de resíduos sólidos: Modelos de cobrança ao redor do mundo. São Paulo: EYGM Limited, 2020. 84 p.
FRANCO, Davide; CASTILHOS JUNIOR, Armando Borges de; SOUZA, Karina da Silva de. Estudo da relação entre a geração de resíduos sólidos domiciliares e o consumo de água e energia elétrica: alternativas de tarifação da coleta de resíduos sólidos. Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional, Taubaté, v. 10, n. 4, p. 201-224, 2014.
LAUREANO, Fernanda Greco. Como os municípios cobram pelo lixo? Um diagnóstico sobre a taxa para manejo de resíduos sólidos urbanos dos municípios do Rio de Janeiro. Revista Brasileira Planejamento e Desenvolvimento, Curitiba, v. 12, n. 01, p. 25-54, 2023.
STF – SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Aplicação das súmulas no STF – Súmula Vinculante 29. 17 fev. 2010.