COMISSÃO DE CORRETAGEM

COMISSÃO DE CORRETAGEM

 Uma breve análise sobre a interpretação jurisprudencial da comissão imobiliária

Não raras vezes, você corretor e imóveis teve sua comissão questionada, ou passou por alguma situação de um negócio não concluído por mera vontade das partes envolvidas, e que acaba sacrificando sua remuneração como consequência sem maior relevância para os envolvidos na negociação. Este cenário, infelizmente, acaba muitas vezes agravado pela falta de alguns cuidados essenciais no decorrer das negociações, ou até mesmo pela falta de conhecimento sobre a matéria.

Inicialmente, nos impõe desenhar o plano de fundo em que se dão os debates judiciais sobre a exigibilidade da comissão imobiliária. São dois os dispositivos legais principais que servem de alicerce para a cobrança dos honorários pela intermediação imobiliária. O primeiro deles é o art. 723 da Lei n.º 10.406 de 2002, que instituiu o Código Civil Brasileiro:

Art. 723. O corretor é obrigado a executar a mediação com diligência e prudência, e a prestar ao cliente, espontaneamente, todas as informações sobre o andamento do negócio. [1]

O referido dispositivo traça o padrão mínimo de qualidade na prestação do serviços de intermediação imobiliária que justifica a cobrança dos honorários. Quer isto dizer que não basta apenas a entrega do resultado final previsto pela contrato de intermediação (concretização do negócio), o legislador foi além e definiu como parâmetro base para a entrega do objeto contratual que seja o serviço de corretagem prestado com a diligência mínima de segurança jurídica do negócio intermediado.

Sobre isso, veja-se por exemplo a posição adotada pela voto da lavra do Ministro Marco Aurélio Bellizze, quando do julgamento do REsp n.º 1.786.726/TO:

  • RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. COMISSÃO DE CORRETAGEM. COMPRA E VENDA DE BEM IMÓVEL. RESULTADO ÚTIL NÃO ALCANÇADO. DESISTÊNCIA MOTIVADA DOS PROMITENTES COMPRADORES. EXISTÊNCIA DE GRAVAME JUDICIAL AVERBADO NA MATRÍCULA DO BEM. IMPOSSIBILIDADE DE ALIENAÇÃO DO IMÓVEL. ACÓRDÃO REFORMADO. RECURSO PROVIDO. 1. A questão discutida no presente feito consiste em saber se é devida a comissão de corretagem na hipótese em que, a despeito da assinatura do contrato de promessa de compra e venda de imóvel, não foi possível a transmissão da propriedade, por meio do registro da escritura pública, tendo em vista a existência de gravame judicial averbado na matrícula do bem. 2. Nos termos do que preceituam os arts. 722 e 725 do Código Civil, pode-se afirmar que a atuação do corretor, por constituir obrigação de resultado, limita-se à aproximação das partes e à consecução do negócio almejado entre o comitente e o terceiro, que com ele contrata, sendo que o arrependimento posterior de uma das partes, por motivo alheio ao contrato de corretagem, embora acarrete o desfazimento da avença, não é hábil a influir no direito à remuneração resultante da intermediação. 3. Entretanto, quando a desistência do acordo é motivada, isto é, quando há justificativa idônea para o desfazimento do negócio de compra e venda de imóvel, revela-se indevida a comissão de corretagem. 4. Na hipótese, conquanto o contrato de promessa de compra e venda tenha sido assinado pelas partes, o resultado útil da mediação não se concretizou, na medida em que a escritura de compra e venda não chegou a ser lavrada, em decorrência de gravame judicial averbado na matrícula do imóvel, razão pela qual não há que se falar em pagamento da comissão de corretagem no caso em apreço. 5. Recurso especial provido. [2]

Do trecho destacado se denota que, quando o corretor de imóveis não verifica com a profundidade devida a segurança do negócio, não atendendo, portanto, o preceito definido no art. 723 do Código Civil Brasileiro, a inexecução do contrato de compra e venda,

Do trecho destacado se denota que, quando o corretor de imóveis não verifica com a profundidade devida a segurança do negócio, não atendendo, portanto, o preceito definido no art. 723 do Código Civil Brasileiro, a inexecução do contrato de compra e venda, in casu, pela impossibilidade de transmissão da propriedade – que era o objeto principal do contrato de intermediação – a comissão de corretagem não pode ser exigida.

Outro dispositivo legal de suma importância, é o art. 725 também do Código Civil Brasileiro, este inclusive que é por vezes decorado pelos corretores de imóveis. Ao lidar com o mercado imobiliário, invariavelmente você irá se deparar com a remissão expressa a este artigo em contratos, ajustes de pagamento, recibos, propostas etc.:

Art. 725. A remuneração é devida ao corretor uma vez que tenha conseguido o resultado previsto no contrato de mediação, ou ainda que este não se efetive em virtude de arrependimento das partes. [3]

Contudo, a leitura aqui não pode ser fria. Como vimos, todo o regramento do contrato de intermediação ou corretagem imobiliário é voltado para a garantia da segurança jurídica. Se é certo que o resultado previsto no contrato de mediação deve ser alcançado, e sua entrega já justifica a cobrança da comissão, também é certo que a não prestação de um serviço minimamente qualificado é justo motivo para revisão da cobrança, total ou parcialmente.

A normatização tem intuito claro em modernizar as relações contratuais, concatenando a literalidade dos contratos e sua necessária função social,. Asseverou a comissão redatora do Código, em sua exposição de motivos:

  • Limito-me, pois, a lembrar os pontos fundamentais, sem ser necessário fazer referências minuciosas às novas figuras contratuais que vieram enriquecer o Direito das Obrigações, como os contratos de comissão, de agência e distribuição, corretagem, incorporação edilícia, transporte etc., aos quais foram dadas soluções inspiradas na experiência doutrinária e jurisprudencial brasileira, indo-se além dos conhecidos modelos das mais recentes codificações. Demonstração cabal de nosso cuidado em dotar o País de institutos reclamados pelo estado atual de nosso desenvolvimento está no fato de, ainda agora, já em terceira revisão do texto, acrescentarmos um conjunto de normas disciplinando “o contrato sobre documentos” de grande relevância sobretudo no comércio marítimo. Por outro lado, firme consciência ética da realidade sócio-econômica norteia a revisão das regras gerais sobre a formação dos contratos e a garantia de sua execução equitativa, bem como as regras sobre resolução dos negócios jurídicos em virtude de onerosidade excessiva, às quais vários dispositivos expressamente se reportam, dando a medida do propósito de conferir aos contratos estrutura e finalidade sociais. É um dos tantos exemplos de atendimento da “socialidade” do Direito. [4]

Outro julgado interessante de analisarmos é o REsp n.º 1.599.511/SP também do STJ. Este que ganhou especial atenção e relevância, inclusive de mídia especializada, tanto por ter sido decidido pelo procedimento dos recursos repetitivos, ou seja, que afetam todos os demais processos que versem sobre a mesma matéria indicada no tema.

E ao decidir o caso, o Superior Tribunal de Justiça, até surpreendendo parte da comunidade jurídica, entendeu por ser válida a transferência ao consumidor do dever de pagar a comissão imobiliária do corretor de imóveis em vendas de unidades autônomas pertencentes o regime da incorporação imobiliária, as chamadas vendas de imóveis na planta, consumadas nos estandes comerciais das incorporadoras. Vejamos:

  • RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA. VENDA DE UNIDADES AUTÔNOMAS EM ESTANDE DE VENDAS. CORRETAGEM. CLÁUSULA DE TRANSFERÊNCIA DA OBRIGAÇÃO AO CONSUMIDOR. VALIDADE. PREÇO TOTAL. DEVER DE INFORMAÇÃO. SERVIÇO DE ASSESSORIA TÉCNICO-IMOBILIÁRIA (SATI). ABUSIVIDADE DA COBRANÇA. I - TESE PARA OS FINS DO ART. 1.040 DO CPC/2015: 1.1. Validade da cláusula contratual que transfere ao promitente-comprador a obrigação de pagar a comissão de corretagem nos contratos de promessa de compra e venda de unidade autônoma em regime de incorporação imobiliária, desde que previamente informado o preço total da aquisição da unidade autônoma, com o destaque do valor da comissão de corretagem. 1.2. Abusividade da cobrança pelo promitente-vendedor do serviço de assessoria técnico-imobiliária (SATI), ou atividade congênere, vinculado à celebração de promessa de compra e venda de imóvel. [5]

A inovação jurisprudencial se dá, então não por razão do direito obrigacional, mas sim por assimilação necessária de uma dinâmica de mercado que justifica então a transferência de obrigações. Desde que, obviamente, atendidos os preceitos protetivos da legislação consumerista, como por exemplo o dever de informação.

O instituto base do tema, e que permeia toda discussão, é o resultado útil do contrato de intermediação imobiliária, ou seja, o objeto perseguido pela prestação do serviço pelo corretor de imóveis. nos valendo da mesma metodologia, pinçamos um julgado que, embora contido, nos traz nas palavras da Ministra Nancy Andrighi um conceito jurisprudencial importante do que podemos considerar como resultado útil do contrato de intermediação imobiliária:

  • PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. COMISSÃO DE CORRETAGEM. VENDA DE IMÓVEL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. VIOLAÇÃO DO ART. 489 DO CPC/15. INOCORRÊNCIA. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INADMISSIBILIDADE. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. SIMILITUDE FÁTICA NÃO DEMONSTRADA. SÚMULA 7 DO STJ. PREJUDICADO. CONSENSO ENTRE AS PARTES QUANTO AOS ELEMENTOS ESSENCIAIS DO NEGÓCIO. AUSÊNCIA. COMISSÃO INDEVIDA. HARMONIA ENTRE O ACÓRDÃO RECORRIDO E A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. 1. Ação de cobrança de comissão de corretagem em razão de venda de imóvel. 2. Ausentes os vícios do art. 1.022 do CPC, rejeitam-se os embargos de declaração. 3. Devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, e fundamentado corretamente o acórdão recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional, não há que se falar em violação do art. 489 do CPC/15. 4. O reexame de fatos e provas em recurso especial é inadmissível. 5. O dissídio jurisprudencial deve ser comprovado mediante o cotejo analítico entre acórdãos que versem sobre situações fáticas idênticas. 6. A incidência da Súmula 7 do STJ prejudica a análise do dissídio jurisprudencial pretendido. Precedentes desta Corte. 7. Só é devida a comissão de corretagem por intermediação imobiliária se os trabalhos de aproximação realizados pelo corretor resultarem, efetivamente, no consenso das partes quanto aos elementos essenciais do negócio. Precedentes. 8. Agravo interno no agravo em recurso especial não provido. [6]

O destaque especial vai para a expressão definida no item 7 da ementa. Pela leitura podemos concluir que o resultado útil da intermediação é a conquista do consenso das partes quanto à realização do negócio. Quer isso dizer que independentemente, inclusive, da assinatura de um instrumento do contrato, como um contrato particular ou mesmo uma escritura pública, estando demonstrado a conclusão do negócio pelo acerto comercial entre as partes, é devida a comissão. Em última análise, para fazer jus à remuneração basta ao corretor de imóveis conquistar o acordo das partes.

Obviamente, não é eficiente para o corretor de imóveis ou imobiliária confiar apenas na manifestação não formalizada dos seus clientes quanto aos termos do negócio.

Assim é que a conclusão desse breve estudo nos leva a pontuar e recomendar a adoção de quatro cuidados básico. Vamos a eles.

Elaboração de um contrato de corretagem. O ajuste entre corretor de imóveis e cliente (vendedor ou comprador) é fundamental para que se tenha clareza sobre as nuances do negócio imobiliário. Ajustes básicos como percentual da comissão, preço alvo do negócio, limites de publicidade e responsabilidades sobre o estado jurídico do bem são fundamentais e devem ser pactuados expressamente, preferencialmente antes do início da intermediação.

Aqui surge ainda mais uma pergunta. Quem é que deve pagar o corretor de imóveis? A resposta é tão simples quanto a própria indagação. Quem deve pagar a comissão imobiliária é a parte que contrata os serviços do corretor de imóveis. Pode ser o vendedor, como geralmente é, como também pode ser o comprador, quando este demandar a busca por um imóvel específico, valendo-se da assessoria do corretor de imóveis para tanto. Assim também com locadores e locatários, e também assim para qualquer dos agentes do mercado imobiliário. Daí porque a decisão sobre a transferência da comissão imobiliária ao comprador nos estandes de venda de incorporadoras é novidade e representa exceção à regra.

O segundo cuidado é documentar a aproximação e a intermediação. Como vimos, para fazer jus à comissão de corretagem basta ao corretor alcançar o “sim” das partes. Contudo, é fundamental para que possa perseguir o pagamento da comissão, especialmente em juízo, que todo o trabalho seja documentado de forma idônea. Elaborar um roteiro de visitas, colher proposta assinada, adiantar pagamento de sinal etc. são diligências menos burocráticas e que tem bastante eficácia na comprovação dos serviços e na exigência da remuneração pretendida.

A terceira orientação é redigir um bom contrato do negócio intermediado. Seja ele de venda ou locação, é fundamental que o instrumento particular que seja assinado pelas partes seja estruturado especialmente para cada negócio. Nesse ponto, a assessoria de um profissional capacitado é indispensável. É o advogado imobiliário que terá preparo e conhecimento para redigir uma minuta contratual que se encaixe perfeitamente à todas as características do negócio, dispondo com clareza todas as obrigações das partes, os limites de atuação no contrato e as sanções previstas para os casos de inadimplemento contratual, estas que quando bem pensadas trazem ainda maior garantia de conclusão do negócio, ao desincentivar o descumprimento.

E por fim, o último cuidado é efetivamente concretizar o negócio. Não raras vezes nos deparamos com profissionais que julgam ter direito ao recebimento da comissão imobiliária mesmo quando o negócio intermediado não é concretizado.

Um exemplo batido é a análise da documentação do imóvel e a realização da due diligence dos alienantes. Não raras vezes após todo o trabalho de ajuste comercial de preço e condições de pagamento, ao se analisar a documentação mínima e se fazer uma pesquisa superficial de disponibilidade patrimonial o comprador acaba verificando a existência de dívidas contra o alienante capazes de reduzi-lo à condição de insolvência, o que joga por água abaixo todo o trabalho, e autoriza o desfazimento do negócio, constituindo-se como justo motivo, inclusive, para recusa no pagamento da comissão imobiliária.

________________________

[1] Código Civil Brasileiro. Art. 723, vigente em 28 de junho de 2021.

[2] STJ. Terceira Turma. REsp n.º 1.786.726/TO. Relator Min. Marco Aurélio Bellizze. j. em 09 de fevereiro de 2021.

[3] Código Civil Brasileiro. Art. 725, vigente em 28 de junho de 2021.

[4] Novo Código Civil: exposição de motivos e texto sancionado. p. 41. Disponível em http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/70319. Consulta em 28 de junho de 2021.

[5] STJ. Segunda Seção. REsp n.º 1.599.51/SP1. Relator Min. Paulo de Tarso Sanseverino. j. em 24 de agosto de 2016.

[6] STJ. Terceira Turma. AgInt no AREsp n.º 1.626.556/MT. Relatora Min. Nancy Andrighi. j. em 24 de agosto de 2020.

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