Como criar em tempos de empatia?
A criatividade combinada com a intuição é uma ferramenta poderosa dos seres humanos. Juntas elas nos dão a capacidade de resolver problemas, promover mudanças, imaginar e criar o futuro. Por meio delas disseminamos ideias e podemos gerar novas formas de olhar e viver o mundo. Seja na arte ou na publicidade, a criatividade tem um papel fundamental para nossa evolução, especialmente em tempos de transformação.
Muito se fala dos desafios que surgiram para quem trabalha com criatividade na era do “politicamente correto”. É importante entender do que isso se trata. Para começo de conversa, não gosto do termo “politicamente” aqui, usado muitas vezes para diminuir a importância de uma causa justa. Prefiro falar na era do correto ou, talvez melhor, da empatia. Estamos passando por uma profunda transformação social em resposta a um histórico de discriminação racial, violência contra homossexuais, autoritarismo político e objetificação feminina. Apesar de comportamentos intolerantes que ainda persistem, nossa sociedade parece caminhar para um diálogo mais aberto, democrático e vigilante. É um caminho sem volta e, por mais árduo que seja, não podemos mudar de direção.
Se pensarmos que há menos de cinco anos era normal ver anúncios de cerveja com mulheres de biquini estampados em outdoors pelas cidades, não há como negar que estamos evoluindo. Seja nos 30 segundos da TV ou nos terríveis pop-ups, a publicidade sempre recorreu a ícones e estereótipos da nossa sociedade para lidar com a escassez de tempo. Sim, esses fragmentos de informação carregam muito significado e podem comunicar muita coisa em poucos segundos. Mas são também “bengalas criativas” de uma indústria cada vez menos inspirada, sufocada por pensamentos ultrapassados e pressões crescentes por resultados de curto prazo.
O que acontece quando esses ícones e estereótipos tão convenientes passam a ser rejeitados pela sociedade? Para muitos, significa uma afronta à criatividade e à estética convencional da propaganda. Por que eu não posso mais utilizar a ‘mulher-gostosa-objeto’ no anúncio de bebida ou colocar apenas pessoas brancas e de olhos claros num comercial de alimentos populares? “Como está ficando chato este mundo!”, exclamam. Talvez porque você esteja ignorando a realidade brasileira? Talvez porque esteja desprezando o papel central da mulher em nossa sociedade? Ou ainda porque simplesmente está criando uma péssima campanha?
No fundo, para departamentos de criação de agências formados majoritariamente por homens brancos da elite brasileira, este é um desafio que amedronta e coloca em cheque sua capacidade profissional de criar para o mundo de hoje. E isso também vale para humoristas, compositores, escritores e todos os criadores que construíram seus estilos e fórmulas baseados em nossas doenças sociais, e não na busca da sua cura.
Criar na era da empatia é criar com bom senso. É abrir-se para o mundo e desenvolver a capacidade real de se colocar no lugar das pessoas. É perceber sua posição privilegiada e deslocar seu ponto de vista para enxergar todas as dimensões da realidade. A publicidade seguirá utilizando estereótipos como recurso criativo, e esse não é o problema. O nosso papel é conseguir substituir essas imagens nocivas e antiquadas por códigos positivos, que gerem desejo pelas coisas certas e justas e que busquem liberar ao menos um pouco do sofrimento ao invés de aprofundá-lo. Está na hora de criar os novos estereótipos da propaganda. E que sejam milhares!
Talvez eu seja um otimista, mas consigo imaginar esse futuro em que a criatividade passará a impulsionar o novo, ao invés de contribuir para a manutenção e resistência dos velhos modelos de pensamento e negócios. As pessoas já estão cobrando, a sociedade está se mobilizando. As corporações aos poucos entendem que isso pode ser um bom negócio, ou simplesmente uma questão de sobrevivência de longo prazo. Mas, para que a mudança aconteça de fato, precisamos todos morrer um pouco. Temos que descartar nossas velhas verdades, rever nossos pontos de vista e até alguns valores, e sair em busca do que realmente importa, do que fará a diferença nas nossas empresas, nos nossos clientes, em nossas vidas. Eu consigo enxergar isso, e você?
B&GA CEO & Founder | PLANET-PANGEA CKO | Psychologist | ACSTH Coach & Mentor | Change Mgr. | M&A & Cultural Facilitator | C+ Suite Advisor | DEI & EcoActivist
6 aChegou a hora !
Facilitador em processos de desenvolvimento humano e organizacional. Finanças Empresariais. Coach. Filho, marido e pai.
7 aExcelente artigo, Parabéns
Designer na Serasa Experian
7 aDar um salto ético implica, invariavelmente, abrir mão de algo. O que não significa, nem de longe, perder algo. Fazendo uma analogia com o veganismo (que é minha praia), é como apresentar um queijo de castanhas a pessoas que estão habituadas e gostam de comer queijo de origem animal. No primeiro momento vão esbravejar: Isso não é queijo!! Ok, dizemos. Não é queijo, queeeijo, mas é um novo produto gostoso também! Um novo conceito de alimentação e sabor. E a pergunta recorrente é: E porque eu trocaria um produto que eu já gosto por este outro que lembra, mas não é igual? Porque não tem crueldade envolvida na sua produção e é gostoso. Se a pessoa está aberta à empatia vai, no mínimo, colocar na balança o que perde e o que oferece. Isso mesmo, OFERECE, pois empatia não é sobre ganhar ou obter alguma vantagem. Ainda que sejamos beneficiados de alguma forma, no final. Tenho absoluta convicção de que a criatividade encontrará o caminho neste contexto. É sua atribuição natural.
Senior Manager | Social Marketing @ Netflix Brasil
7 a<3