Como desenvolver autonomia e planejar as férias de pessoas com deficiência intelectual?
Um dos focos do meu trabalho é colaborar na promoção da autonomia das pessoas com deficiência intelectual. E uma das formas de colocar isso em prática é por meio de vivências com os grupos que eu e Cátia Macedo, psicóloga e parceira de trabalho, mediamos (fazemos mediação de grupos de adultos com deficiência intelectual).
Na nossa experiência, as férias ou momentos de lazer não são momentos simples e fáceis de serem planejados. Viajar, sair para jantar, ir ao cinema, entre outras atividades, exigem uma série de tomadas de decisões que algumas pessoas com deficiência intelectual precisam de apoio.
No mês de julho deste ano, assim como em outros momentos, buscamos exercitar estratégias de planejamento de férias. Incluímos também o exercício do uso da cidade para o lazer, para o exercício da autonomia no ir e vir, no uso do dinheiro, no autocuidado e, acima de tudo, saber planejar ações que se deseja fazer.
Trabalhamos a ideia com o grupo Adultos com Autonomia, que conta com a participação de Mariana Amato, Julio Dini, Raquel Karube, Eduardo Rodrigues, Dominic Cowell, Bruno Sturlini. Adulto nem sempre tira férias em janeiro ou julho, não é? Mas em junho conversamos sobre termos um tempo para descansar e fazer atividades culturais.
Fizemos um planejamento de dias de encontros e de descanso e focamos em pensar nas ações que adultos fazem quando estão de férias em uma cidade como São Paulo. Pudemos exercitar isso, escolher uma programação, planejar o transporte, gastos, horários das programações e, acima de tudo, aproveitar sem correria, pois estávamos em um período de férias.
Como trabalhamos a programação
Ao todo, fizemos dois dias de encontros presenciais. Todas as pessoas participantes foram envolvidas na escolha dos locais e das formas de acesso. E todo o processo de escolha tem alguns pontos importantes: o interesse por locais, mas acima de tudo como chegar até o local. O grupo é muito mobilizado a usar o transporte público, principalmente o metrô.
Começamos com uma visita à Pinacoteca, que fica próxima à Estação da Luz. Vimos a exposição da Adriana Varejão e foi muito interessante entender a subjetividade das obras. Na Estação da Luz, ficamos um tempo e admiramos o local. Essa primeira parada foi muito legal. Percebemos pontos que envolvem que alguns gostaram mais do que outros, alguns deles têm mais experiência em museus que outros, alguns se permitiram observar as obras mais do que outros. O que vale é como vivenciamos esses locais como adultos.
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A região da estação da Luz é um local que precisa de atenção com relação a segurança. Por isso, fizemos alguns combinados para que pudéssemos estar juntos e cuidarmos uns dos outros. Saímos de lá e fomos direto para o metrô. O destino foi o Shopping Eldorado.
No Shopping, decidimos comprar ingressos para o cinema. Escolhemos um filme que agradasse a todos e que fosse acessível em relação à a linguagem. Decidimos por um filme dublado. Após a compra, fomos almoçar.
No segundo dia de encontro, a programação envolveu outros meios de transporte e outros locais. Parte do grupo iria para o primeiro destino usando o trem e a outra se deslocou de metrô e ônibus. A primeira parada foi almoçar no Shopping Vila Olímpia. Lá escolhemos o almoço, a forma de pagamento, um momento de tranquilidade para comer sem correr. Tudo com muita conversa e risada. Na sequência, uma caminhada até o Parque do Povo, lá mais uma escolha para relaxar, sentir o sol, caminhar, sem muita pressa. Encerramos o encontro com três meios de transporte: trem, metrô e ônibus.
Observações sobre a experiência
Durante toda a programação, foi importante perceber o impacto das escolhas com atividades que agradam uns e não outros. E qual é a reflexão quando isso acontece? O grupo está com o objetivo de estar junto, então inclui não gostar de tudo, mas ao mesmo tempo se permitir experimentar.
Foi interessante notar como é preciso trabalhar a acessibilidade na comunicação tanto no museu quanto no cinema, principalmente quando são informações com muita subjetividade. Neste momento é importante mediar a partir do que cada um entendeu. No museu, apesar de informações nas obras, o acesso à compreensão ainda era complexo.
Por isso, trocar com cada um sobre o que sente e o que compreende faz parte de introduzir a informação e combinar a continuação da visita. O filme escolhido era dublado, mas a sequência de diálogos muitas vezes não favorece a compreensão completa. É preciso estar atento, conversar a respeito para saber qual foi a compreensão de cada um.
Acredite: é desafiador compartilhar esses encontros em palavras porque a vivência que tivemos realmente vai muito além. Vivenciamos os encontros com tranquilidade de tempo, de forma intensa e contato com a participação mais ampla possível. O resultado disso? Muitas possibilidades de desdobramentos para a vida de quem participou dos encontros e também para nós que os facilitamos.
A sugestão é que mais pessoas conheçam sobre o tema e que, assim, possamos fazer com que mais pessoas com deficiência intelectual tenham autonomia nas suas atividades. Usar o planejamento prévio ajuda muito nos desafios da autonomia. Comece com uma ação pequena, como usar a praça do bairro. Esse seria um ponto para começar. Agora trabalhe as seguintes perguntas: “Quando? Como ir e vir? O que tem lá? Iremos consumir algo? Iremos levar algo para comer? O que? Quem irá fazer?”. Essa ação ajuda em muitos desdobramentos para a conquista de autonomia e faz com que a experiência tenha um impacto maior.