COMO FOI PROJETAR MINHA PRÓPRIA CASA AOS 21 ANOS
O primeiro croqui da planta de casa data de 24 de agosto de 2016. Na época eu tinha 21 anos recém-completos e uma Eurotrip marcada pro último mês do ano. Eu e Jonathan estávamos juntos há tanto tempo – começamos a namorar ainda muito jovens – que tudo o que queríamos era ter um espaço nosso. Nossa casa, nossas regras.
O estudo que originou a planta final de casa era totalmente diferente do que eu já havia projetado até então. Como há três anos nós éramos formados em técnicos em edificações – sim, eu e Jonathan somos técnicos! – o que não faltava era criatividade e conhecimento pra rascunhar o que poderia ser, um dia, nossa casa.
Os motivos pelos quais nós queríamos desde tão jovens ter nossa casa própria eram totalmente diferentes. Eu desejava estabilidade, um local com o qual eu me identificasse, uma vez que eu já havia passado por 4 casas diferentes até então – eu e minha família usufruíamos e nos adaptávamos a elas como dava: na antepenúltima eu tinha que dividir dormitório com meu irmão, na penúltima meu dormitório tinha acesso pela cozinha, o que me levava a diversas noites de insônia, além dos banheiros altos e desproporcionados que me faziam ter calafrios nos banhos nos dias frios; na última os ambientes eram apertados e pobremente ventilados, a casa antiga com recalque de fundação formava poças em lugares estranhos quando era lavada. Eu, uma projetista inveterada, ansiava por uma casa que, desta vez, se adequasse a mim.
As razões de Jonathan eram outras. Puramente matemáticas. Relacionamento estável + liberdade = sair da casa dos pais. Comparando o preço de aluguel de um apartamento mais condomínio com o financiamento de um apartamento e, por fim, o financiamento de uma casa, acabou que o financiamento da casa (terreno + construção) ganhou como o mais vantajoso, e assim entramos no programa de financiamento da Caixa Econômica Federal. Aqui também entra a vantagem de se morar no interior: imóveis não têm um valor de mercado tão inacessível para que alugueis acabem compensando; nem existe loteamento tão longe do seu local de trabalho que altere drasticamente a logística do seu cotidiano.
Há muito tempo perdemos os primeiros desenhos do que pensávamos que um dia seria nossa casa, mas eu consigo lembrar que sempre seguíamos o programa da “casa padrão” comum aqui na região. Sala de TV, sala de jantar, cozinha, três dormitórios (sendo um suíte), banheiro social, garagem coberta para dois veículos e, quem sabe, até uma varanda gourmet com lavabo. Totalmente desproporcionado. Totalmente inadequado para um casal de jovens que não pensa nem em filhos.
Isso eu fui aprender na faculdade de arquitetura, por volta do terceiro ou quarto ano. Foi aí que as plantas começaram a mudar. Quando fui introduzida a Mies van der Rohe em Teoria da Arquitetura, o programa reduziu-se ainda mais. Em Londres, nos últimos dias do ano de 2016, rascunhei para Jonathan uma planta muito diferente de tudo que já fizéramos. Ficaríamos a noite toda discutindo aquele croqui incomum, no topo daquela triliche, naquele quarto abafado no subsolo de um hostel numa casa padrão londrina. Mas tão logo rascunhei, um senhor francês que dormia abaixo perguntou “can I switch off the light?” e a discussão ficou para o dia seguinte. De volta ao Brasil, encontramos o que seria o terreno perfeito com um valor razoável. Só faltava a planta ser decidida. Foram pelo menos mais cinco meses de estudos e alterações. A construção em si só ficaria pronta dali há mais de um ano.
A planta tinha uma sala de jantar integrada com a cozinha, lavanderia interna, junto com a cozinha – como nos apartamentos –, uma sala de TV nem tão integrada assim, um hall que levava a dois dormitórios e um único banheiro. Nada de varanda ou garagem. O financiamento da Caixa era limitado e não dava pra gastar metros quadrados com um carro que a gente ainda nem tinha. A intenção do segundo quarto era ser um escritório, e no final do terreno ainda sobrava espaço para “emendar” nele um terceiro dormitório “caso precisemos vender a casa um dia, sabe como é, as pessoas só compram casas de três dormitórios”.
Jonathan detestou que a sala de jantar não tinha saída para o fundo do terreno, só para o corredor lateral. “Não tem amplitude”. E não tinha mesmo. Assim, o segundo dormitório foi dispensado. Ainda bem. Recentemente descobri que fazer home office não é minha praia, e eu detestaria me sentir presa a esse cômodo sobrante de casa. Mais algumas alterações e a sala de TV integrou-se ainda mais com a de jantar, de modo que as duas salas mais a cozinha formaram praticamente uma coisa só, um único grande espaço; a lavanderia, embora interna, ficou eclipsada atrás de uma parede-lousa. A abdicação do dormitório excedente nos creditou metros quadrados suficientes para uma pequena varanda, proporcional ao restante da casa.
Nossa casa possui mais que uma planta incomum. Eu e Jonathan projetamos e construímos sozinhos nossa bancada de concreto na cozinha que, junto com os muros de blocos de concreto aparentes mostram a verdade do material e trazem uma ideia de ambiente rústico-industrial; a área livre do nosso terreno é quase totalmente permeável e temos um jardim considerável para um casal de jovens (incluindo um pé de acerola); todas as esquadrias, e até mesmo o portão de entrada, foram projetados por mim e feitos sob medida; depois de alguns meses, quando adquirimos nosso primeiro carro, fizemos um pergolado metálico frontal coberto com tela solar para emular uma garagem. Ao longo dos quase dois anos vivendo aqui, observamos nascer ao nosso redor casas que reproduzem algumas características da nossa, seja a fachada azul, o janelão frontal vertical, os detalhes em preto ou o jasmim-manga e a trepadeira plantados no jardim da frente. Depois de quase dois anos, o programa enxuto continua sendo suficiente, e, quando eu e Jonathan limpamos nossa casa aos finais de semana, fazemos um balanço do que podemos alterar para simplificar ainda mais o processo de manutenção. Afinal de contas, como ele repete cada vez que invento de comprar um móvel novo ou pintar uma parede: não temos que viver pela nossa casa, e sim ela nos permitir viver.
Parabéns pelo texto, Isa! Muito legal da sua parte compartilhar aqui de forma tão honesta e singela como foi este processo. Sua casa para mim é uma inspiração, cheia de charme, única e aconchegante. Nem preciso falar quem será minha arquiteta quando eu começar a realizar este sonho também, né? Enfim... Desejo muito sucesso para você! ✨❤