Como garantir a credibilidade da ciência em tempos de prosumer?
Cientista analisando um líquido alaranjado. Foto de Artem Podrez no Pexels

Como garantir a credibilidade da ciência em tempos de prosumer?

Eis um dilema moderno: como valorizar a ciência numa época em que todos somos, ao mesmo tempo, produtores e consumidores de conteúdo (prosumer)?

As informações circulam livremente pela web e não há o menor controle sobre o que o 5G leva de um lado para outro. Contraditoriamente, nunca estivemos tão à deriva.

É um paradoxo previsível que na era da informação, seu lado B - a desinformação - também ganhe espaço. E foi nessa onda de liberdade de expressão e “eu posso falar o que eu quiser porque o Facebook é meu” que vimos crescer uma onda de informações mentirosas, distorcidas, exageradas ou incompletas.

O resultado é uma galera duvidando da ciência, colocando em xeque pesquisas sérias e, consequentemente, arriscando a própria vida e a dos outros – vide o movimento antivax que está trazendo de volta doenças já erradicadas e o show de horrores que estamos vivendo em relação ao combate ao novo (velho) coronavírus.

A grande questão é: como fugir disso tudo?

Eu já venho dando algumas dicas por aqui, mas achei prudente trazer um aprofundamento maior desse tema para esta rede com o intuito de chamarmos a atenção para a gravidade dessa situação.

Houve um tempo em que só a fé se contrapunha à ciência, hoje qualquer um faz isso, baseado em achismos quando a gente precisa trabalhar com evidências.

Acredito que o único caminho para recuperarmos a credibilidade perdida é a informação. O primeiro passo é contextualizarmos os saberes:

  • Comunicador fala sobre comunicação
  • Médico sobre saúde
  •  Professor sobre educação
  • Psicólogo/psiquiatra sobre saúde mental
  •  Profissional de RH sobre recolocação profissional

E por aí vai...

Já diz a cultura popular: cada um no seu quadrado. Todo o resto é achismo.

O fato de a pessoa ter um diploma garante idoneidade e excelência? Obviamente, não!

Mas você há de convir que um nutricionista sabe mais de alimentação infantil do que eu que sou jornalista e educomunicadora aprendiz, certo?

E aí eu entro num ponto importante.

A minha ideia neste artigo é trazer algumas saídas para o dilema proposto no título tendo como base meus estudos sobre educação midiática e a participação em eventos virtuais ao longo de 2020, ouvindo pessoas que dedicam a vida a esse estudo.

O que você vai ler aqui é um compilado de conhecimento embrulhado na minha visão pessoal sobre o tema, certo?

Não tirei nada de trás da minha orelha.

Aprender e ensinar sobre gêneros textuais

Esse é o principal ponto para começarmos a separar o joio do trigo.

Por quê?

Porque tem muito artigo de opinião sendo tomado como reportagem, muita crônica interpretada como notícia e isso é uma porta aberta para confusão.

Se você sabe bem a diferença entre os diferentes gêneros textuais, use todas as oportunidades que tiver para ensinar para as pessoas próximas.

Se você ainda tem dúvida, não tenha vergonha, busque esse conhecimento. Ninguém é obrigado a saber tudo nessa vida.

Quando a gente consegue identificar que determinada postagem é uma propaganda e outra é um editorial fica bem mais fácil interpretar do jeito certo.

Incentivar cientistas a usarem as redes sociais

Ainda existe certo preconceito do meio acadêmico em relação ao uso das redes sociais e isso é um erro porque abre espaço para a desinformação, entende?

Se você é ou conhece algum professor, mestre, doutor ou phD em qualquer área das ciências humanas, sociais, biológicas ou tecnológicas, incentive-o a desmistificar a ciência.

E aí eu vou dar uma super indicação. O Erivaldo Carneiro faz um trabalho incrível nessa área com a sua Escola de PhDs, ajudando acadêmicos a trazerem seus saberes para o universo digital para além da publicação de artigos científicos. 

Por que isso é importante?

Porque são os cientistas que detêm o saber sobre temas sensíveis, questões importantes para a nossa sociedade. E eles precisam estar onde a população está para democratizar o acesso à informação em tempos em que o jornalismo está em descrédito.

E isso nos leva ao próximo ponto.

Valorizar o jornalismo profissional

Não há como negar que o jornalismo é uma ferramenta indispensável à democracia. Você pode não querer dar audiência aos grandes conglomerados de comunicação, mas jamais deve desacreditar o trabalho jornalístico.

E não falo isso para fazer autopromoção, não! Já estou longe das redações há muito tempo e não pretendo voltar. Pelo menos não nos moldes de antes.

Só que esses profissionais são essenciais para escancarar escândalos, trazer dados e divulgar a ciência. Quanto mais a gente valoriza essa atividade mais ela cresce e se fortalece.

E quanto mais forte for o jornalismo mais forte é a nossa democracia. Silenciar jornalistas é silenciar a população.

Não gosta do canal X, assista o Y. O jornal A é tendencioso, leia o B, o C, o D... aliás, quanto mais jornais com linhas editoriais distintas você acompanha, mais ampla será a sua visão de mundo.

Para garantir que você está lendo um veículo sério, avalie:

  • Se a informação tem fonte
  • Se são cometidos erros grosseiros de português, layouts mal feitos entregam uma produção pouco criteriosa e nada profissional.
  • Se os textos estão em primeira pessoa (eu vi, eu penso, eu acho) e palavras como “perspectiva” ou “editorial” revelam artigos de opinião.
  •  Lembre-se de que a opinião do colunista e do veículo pode divergir. Os melhores veículos, inclusive, fazem questão dessas vozes divergentes.
  • Veja onde o texto foi publicado. Se a informação só aparece em um site específico, provavelmente, não é real. A imprensa segue uma agenda mais ou menos similar.
  • Desconfie de textos com muitos adjetivos, letras maiúsculas ou exclamações. Esses são recursos emocionais, usados para atrair a atenção e conquistar a confiança do leitor.
  • Saiba que peças de humor muitas vezes reproduzem conteúdos jornalísticos
  • E campanhas que divulgam uma causa devem estar claramente assinadas por alguma organização ou entidade e jamais devem vir como notícia.

Essa lista foi compilada pelo pessoal do MidiaMundo.org e é extremamente importante ter tudo isso em mente sempre que uma informação chegar até você por qualquer meio.

Cobrar responsabilidade dos influenciadores

Esse é um ponto importantíssimo. Precisamos falar até o canto da boca espumar com qualquer pessoa que produz conteúdo para web sobre a responsabilidade em relação ao que divulga.

Em maior ou menor escala somos todos influenciadores porque estamos sempre falando para alguma audiência e temos zero controle sobre o impacto do que vamos escrever na vida dessas pessoas.

Dessa forma é importante cuidarmos para evitarmos polêmicas, discursos de ódio, espalhamento de boatos e informações sem evidência.

Uma das primeiras regras da produção de conteúdo é o domínio do assunto a ser abordado e a análise do público para o qual se fala.

Do outro lado, enquanto consumidores de conteúdos digitais é preciso cobrar atitude e responsabilidade daqueles influenciadores já consagrados. Eles não chamados de influenciadores à toa.

Seu youtuber favorito teve uma atitude duvidosa, deixe isso claro para ele. Chame-o para uma análise daquela situação. Às vezes, nem foi por mal e um comentário seu pode abrir os olhos dele.

Não rolou? Deixa de seguir. Pode ser que o seu unfollow não faça nem cosquinha na audiência dele, mas se centenas e milhares de pessoas fizerem o mesmo, com certeza, ele será forçado a uma auto avaliação.

Nem que isso seja imposto pelos seus patrocinadores.

Juntos somos mais fortes, lembra?

Popularizar a educação midiática

Por último, mas não menos importante, precisamos falar sobre educação midiática. Este artigo todo trouxe informações de educação midiática e a gente precisa levar esse conceito para todos os espaços.

A BNCC (Base Nacional Comum Curricular) contempla o a educação midiática de forma transdisciplinar, mas nem toda escola conhece o conceito. Conheço uma doutora em Educação que nunca tinha ouvido falar sobre o assunto até eu chamar sua atenção.

E isso é grave.

As crianças que hoje estão nos bancos escolares nasceram conectadas e precisam ser educadas para usar esses meios de uma forma mais eficiente para que sua voz seja ferramenta da paz e não agente do caos.

E não é só na escola que devemos falar sobre isso.

Pesquisas revelam que quem mais espalha desinformação atualmente são os idosos, então, precisamos levar a educação midiática para esse público também.

E se você ficou curioso, indico alguns perfis incríveis que tratam a educação midiática com maestria no Instagram e no Facebook:

  • Educamídia
  • Redes Cordiais
  • Vaza Falsiane
  • Midia Mundo

Isso só para citar alguns. Da minha parte, tento abastecer a Mídia na Família sempre que possível para levar o debate para dentro de casa também.

Quanto mais a gente fala sobre um assunto, mais popular ele fica. Ou você nasceu preocupado com o mecanismo de ação das vacinas?

Se academia, sociedade civil e jornalismo estiverem alinhados, não tem pra ninguém!

O que você faz, como produtor e consumidor de conteúdo digital, para valorizar a ciência?

 

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Marinella de Souza acredita na comunicação e na educação como ferramentas de transformação social, não a toda encontrou na educomunicação uma missão de vida. Escreve desde que se entende por gente e precisa disso para existir. É jornalista de formação, educomunicadora aprendiz, escritora em construção e autora do blog Mídia na Família. Adora ler e cozinhar. E é viciada em açúcar. A maternidade é a sua melhor parte.

 

Dimitri Vieira

Escrita Criativa & Storytelling • Coordenador de Marketing • Copywriting • CRM • LinkedIn para Marcas Pessoais • Mentor • Palestrante • @dimivieira no Instagram

3 a

Não faz uma semana que estava conversando justamente sobre esse tema com o Erivaldo! É um tema que precisa demais ser abordado, principalmente numa rede com tantos "especialistas em tudo". E você soube trazer ele bem demais nesse artigo, Marinella!

Erih Carneiro, PhD 🏳️🌈

Marathoner | Founder at Gombo Agency | Speaker | Business Influence Specialist | Creator Economy | ESG | Influence Marketing | Lecturer | Columnist | Curator | Instagram and TikTok @erihcarneiro

3 a

Mari, este teu artigo e um primor de tão bem escritor e cheio de conceitos. É um mapa para qualquer pessoa da ciência que quer começar a criar presença digital!

Alexandre Freitas Campos

Doutorando em História, mestre em Mídia, pós em Sociologia Política e Comunicação Pública, graduado em Jornalismo e Cinema/Audiovisual, assessor de comunicação em políticas públicas. Pesquisa divulgação científica

3 a

Muito bom texto!! Muito a ver com o que venho pesquisando. Abçs e obgd!

Nanci Contarini

Comunicação Corporativa | Estrategista de Marca | Palestrante e Trainner | Especialista Linkedin | Personal Branding Executivo | Idealizadora da RealizaMulher

3 a

Adorei seu artigo Marinella de Souza, principalmente porque acredito que nós como jornalistas, temos um papel importante na educação da nossa rede de relacionamento. Eu tento fazer a minha parte, já fiz artigos aqui no Linkedin falando sobre isso e ajudo minha família a esclarecer fatos que muitas vezes são distorcidos pelos gurus na internet. Vamos assim tentando separar o joio do trigo.

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