Como inovar no setor portuário e quais os primeiros passos
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Como inovar no setor portuário e quais os primeiros passos

Nos últimos 12 meses tive a experiência mais marcante da minha carreira como head de inovação de um dos maiores portos brasileiros. No começo, eu via o projeto com muito ceticismo, pois como acreditava até então, seria impossível inovar em uma empresa pública e em um setor bastante conservador como o portuário.

Encerrei esse ciclo com relativo sucesso e, além de confirmar que é possível, agora quero ajudar outros líderes que desejam começar uma jornada de inovação em seus portos e terminais. Por isso publicarei artigos sobre inovação no setor portuário e na logística em geral, com a expectativa de iniciar um diálogo que também inclua outros grupos, como profissionais de mercado, consultores, acadêmicos e empreendedores. 

Nesse artigo você vai ler sobre:

  • Do embarque e desembarque ao digital: as quatro gerações dos portos
  • A geração de valor no setor portuário: low tech vs. high tech
  • Primeiros passos para a inovação

DO EMBARQUE E DESEMBARQUE AO DIGITAL: AS QUATRO GERAÇÕES DOS PORTOS

Nos últimos 60 anos os portos passaram por quatro gerações, cada uma com um foco: a primeira foi o porto de carga e descarga, com enfoque nas operações portuárias; depois veio o porto industrial, em que foram atraída grandes indústrias para as suas retroáreas; em seguida o porto da supply chain, com orientação a todos os agentes econômicos das cadeias logísticas, e por último, a geração dos portos inteligentes que surge com era da digitalização.

Grandes players das indústrias marítima e portuária já apresentam alguns novos serviços digitais baseados em tecnologias emergentes, como a PortXchange, uma plataforma digital baseada em inteligência artificial nascida no Porto de Rotterdam, que cresceu e se tornou independente otimizando processos portuários como o port call; o Trade Lensjoint-venture entre IBM e Maersk que aplica blockchain  para otimizar a logística de carga de ponta a ponta com dados que conectam transportadoras, portos, terminais e alfândegas quase em tempo real; e a Dock Tech, startup da Wilson Sons que utilizou digital twin para aumentar a disponibilidade de informações e melhorar a tomada de decisão na comunidade portuária de Santos.

O principal desafio para desenvolver soluções inovadoras como essas é a integração digital entre os diversos agentes de uma comunidade portuária, o que já funciona quanto aos serviços físicos tradicionais, mas que deve evoluir quanto aos novos serviços digitais em resposta à crescente demanda dos usuários dos portos por acesso à informação de forma cada vez mais rápida e confiável. Para navegar na onda da digitalização, portanto, os portos podem iniciar por dois pontos: desenvolver uma cultura de inovação, tanto em nível de empresa quanto em nível de comunidade portuária, e criar estratégias claras não só para lidar com as tecnologias emergentes da indústria 4.0

Antes disso, é necessário evidenciar a relação entre geração de valor, uso de tecnologia e a cultura no setor portuário.

A GERAÇÃO DE VALOR NO SETOR PORTUÁRIO: LOW-TECH VS HIGH TECH

A cadeia de valor é dividida em três níveis no setor portuário: atividades primárias, composta principalmente por operações portuárias, armazenamento e transporte terrestre; atividades de suporte, dividida em gestão de pessoas e gestão de contratos em áreas como manutenção, projetos, qualidade e comunicação; e as tecnologias facilitadoras como as engenharias, tecnologias de informação de comunicação (TICs) e desenvolvimento de processos.

Assim os outros modais de transporte, os portos são um setor de baixa intensidade tecnológica (low-tech), e o que para eles é uma tecnologia facilitadora, é considerada atividade primária em indústrias de alta intensidade tecnológica (high-tech). Há então uma diferença fundamental na relação entre viabilidade financeira vs. inovação nos dois casos, sendo que no primeiro inovar é uma questão de diferenciação no setor, enquanto que no segundo é um fator de sobrevivência para indústrias como a de desenvolvimento de softwares.

Por isso, focar em métricas consagradas em  atividades high-tech, como investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D), novas soluções lançadas e quantidade de patentes, pode não ser o melhor caminho para os portos no curto prazo. As pessoas que utilizam recursos e executam processos nos portos são usuárias de tecnologia, e não produtoras, por isso talvez o maior desafio seja adaptar o modelo de gestão dessas organizações à realidade low-tech do setor.

PRIMEIROS PASSOS PARA A INOVAÇÃO

1. Comece observando a sua cultura.

A inovação tem sucesso nas high-techs porque parte do encorajamento da alta liderança, o que cria uma atmosfera favorável ao trabalho compartilhado e ao desenvolvimento de soluções em conjunto. Por isso, uma hierarquia centralizada e composta por departamentos especialistas pode ser uma barreira cultural, já que nesses contextos equipes tendem a se isolar em seus escopos de trabalho e a colaborar pouco, portanto, há uma oportunidade de adotar modelos alternativos para gestão de projetos inovadores. 

Imagine um projeto para criar um novo processo de amarração de navios em um determinado porto, considerando o potencial de diminuir os riscos de saúde e segurança para os amarradores e de reduzir o tempo e o custo necessários. Além da operação portuária, poderiam participar dessa “startup corporativa” pessoas de outras áreas, como tecnologia da informação, engenharia ou comercial, agregando olhares diferentes ao projeto. 

2.  Entenda que inovação e gestão tradicional devem coexistir.

A inovação antecede a execução, por isso as high-techs criam espaços para experimentar de forma segura, rápida e barata, entregando posteriormente novas soluções para o time de operações. Ou seja, ao invés de aplicar ferramentas consagradas pela gestão tradicional, como ciclo PDCA, gestão de projetos ou kaizen, que funcionam melhor em cenários previsíveis e já conhecidos, você pode aplicar o ciclo construir-medir-aprender para, por exemplo, inovar no processo de amarração de navios.

Com base em uma ideia, monte uma equipe multidisciplinar e construa a primeira versão (ou MVP), teste-a e depois meça as informações e feedbacks obtidos. Se forem positivos, altere o procedimento operacional padrão e comece amarrar os navios da nova forma estabelecida, caso contrário, utilize os aprendizados da primeira versão para construir novas, até que uma delas seja validada pelos clientes.

3. Separe a "problemática" da "solucionática"

As high-techs sabem que ninguém conhece os problemas melhor do que as equipes que neles trabalham diariamente, porém, também sabem que talvez elas não saibam como solucioná-lo. Se o problema pode ser resolvido por meio de tecnologias, a oportunidade de produzir algo inédito unindo os conhecimentos internos sobre os problemas com os externos sobre as possíveis soluções. 

Voltando ao caso da inovação em amarração de navios, o porto poderia colaborar com universidades, startups ou até com outros portos para resolver esse desafio por meio da inovação aberta. Essa é uma forma interessante de ter acesso a desenvolvimento tecnológico ou processual sob demanda, a um custo muito inferior e muito mais rápido do que o encontrado em soluções “de prateleira” no mercado.

OK, MAS E AGORA?

Esse artigo focou em reflexões que antecedem o início de uma jornada de inovação no setor portuário. Depois de tomada a decisão é preciso seguir em frente e sair da inércia, e esse é o tema do próximo artigo.

Olá Raul, muito prazer. Me deparei aqui com seu artigo, muito interessante. Permita me perguntar, você conhece alguma iniciativa em andamento no Porto de São Sebastião?

Caio Cunha

Gerente de Relações Institucionais e Governamentais | Gestão de Crises | Gestão Unidade de Conservação - Reserva Caruara

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Raul, interessante seu approach. Parabéns pelo artigo. Vamos aos próximos. Abs

Nilvan Vieira da Silva

Mestre em Direito, Advogado e Consultor em Compliance Empresarial na Advocacia autônoma

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Parabéns Raul pelo artigo. O Brasil precisa de inovação para que possa se desenvolver. O grande dilema, ao meu ver, é ter uma equipe pensante,de inovação, numa estrutura de gestão matricial.

Lucas Simões

Supervisor na Autoridade Portuária de Santos | Excelência Operacional | Gestão de Projetos e Processos I Operações Portuárias I Gestão de Pessoas

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Muito bom o artigo, Raul! Consegui correlacionar os conceitos que você traz no artigo com nosso trabalho. Concordo que a transformação cultural é fundamental e percebemos que posicionar-se no mercado como empresa que apoia iniciativas inovadoras já fomenta uma série de projetos até o ponto em que, espero, consigamos evoluir para um ecossistema inovador que cresça organicamente. E falando em MVP, em nossa experiência, o simples fato de alterar uma interpretação de norma trouxe ótimos resultados, mostrando que inovar nem sempre envolve um software revolucionário. Ansioso pelos próximos artigos, abraço!

Prof. Sérgio Cutrim

Doutor em Engenharia Naval e Oceânica pela USP | Portos| Planejamento e Governança Portuária | Sustentabilidade Portuária e ESG

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Raul, muito bom seu artigo. O aspecto da cultura organizacional é trabalhado em uma das nossas pesquisas no LabPortos. Ainda encontramos dificuldades e oportunidades de .elhoruas na cultura organizacional. Antes das empresas investirem em IA devem se preocupar primeiro em desenvolver uma cultura voltado para a inovação.

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