Como o Brasil está construindo o caminho do hidrogênio

Como o Brasil está construindo o caminho do hidrogênio

Por Samara Santos, Especialista em Energia, e Ricardo Fujii, Especialista de Conservação no WWF-Brasil.

O hidrogênio é o combustível que pode salvar o mundo do aquecimento global? Por que países desenvolvidos estão apostando muitas de suas fichas nesse tipo de energia e estimulando sua produção em todo o planeta? As discussões sobre hidrogênio e seu marco regulatório no Brasil começaram a ganhar dimensão a partir da instauração das comissões relacionadas ao tema no Senado e Câmara federais. Com datas de instauração próximas e reuniões semanais alternando temas ligados a esse combustível, as casas têm se debruçado boa parte do ano de 2023 para tentar dar ao hidrogênio a entonação necessária que vem sendo cobrada de partes interessadas desde 2020, quando o Brasil começou a surgir no cenário internacional como um potencial exportador de umas das peças-chave para transição energética, além de auxiliar no combate às mudanças climáticas. 

O ponto focal da discussão do hidrogênio gira em torno da sua produção por meio de fontes renováveis, razão do porquê o Brasil ter se tornado central nos debates sobre a exportação de hidrogênio. Em contrapartida, mesmo com o Plano Nacional do Hidrogênio (PNH2) instaurado pelo Comitê de Pesquisa Energética (CNPE), os textos sobre o marco regulatório do vetor ainda buscam adotar uma classificação (taxonomia) que seja plausível deixar abertura para o uso de outras fontes e tecnologias atreladas. 

As propostas de projeto de lei para o marco regulatório de hidrogênio da Câmara e do Senado apresentaram textos semelhantes em diversos artigos e embarcam para instauração de programas para o hidrogênio. Um setor interessado e que tem lugar nas discussões é o industrial, que atua para criar um pacote de incentivos e subsídios. Em ambas as casas, as questões socioambientais relacionadas à produção de hidrogênio tomam caminhos similares ao tratarem sobre o uso da água, principal insumo para a produção do hidrogênio pela rota da eletrólise, de forma simplificada, dando ao Poder Executivo Federal a função de estabelecer locais de conflito de uso de águas, algo que poderia ser mais especificado nos textos, deixando claro quais metodologias seriam aplicadas para minimizar possíveis problemáticas futuras.  

Outro ponto que aparece no primeiro artigo é o estabelecimento da quantidade de carbono emitida na produção, usando como base premissas internacionais, sem considerar a vocação regional. A nota técnica do WWF-Brasil, Rotas Para a Produção de Hidrogênio Sustentável no Brasil, demonstra que por meio de eletrólise com energia eólica cerca de 1,8 kg de CO2 são emitidos por kg de hidrogênio produzido. De acordo com o Ministério de Minas e Energia junto a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), o potencial técnico brasileiro para produção de hidrogênio é de 1,8 gigatonelada por ano, sendo que a eólica offshore apresenta o maior potencial: 350,4 mt/ano. Além disso as rotas da eletrólise por meio de energia solar e a produção por meio da reforma a vapor do etanol apresentam 2,3 e 3,3 kg de CO2 por kg de H2 produzido, respectivamente, deixando espaço para que o fomento de pesquisa e desenvolvimento de tecnologias possam ser exploradas para reduzir ainda mais a pegada de carbono. Já a quantidade indicada como mínima de emissão da União Europeia e Estados Unidos – usadas como balizadores pelos projetos de lei brasileiros é de 4 kg de CO2 por quilo de hidrogênio. Em resumo, nossa realidade é mais propícia para estabelecimento de emissões mínimas do que desses países, mas nossos legisladores se pautam por cenários externos e mais desvantajosos. Essa é uma premissa equivocada para o Brasil, sendo que a nossa realidade de produção é mais vantajosa em comparação aos Estados Unidos e países da Europa. 

A discussão do hidrogênio é acompanhada de perto pelos atores interessados: somente na comissão da Câmara dos Deputados foram 240 contribuições recebidas pela mesa para apreciação, no Senado o mesmo interesse também foi expressivo com 146 contribuições levantadas. Atualmente, em paralelo aos trabalhos, o Ministério de Minas e Energia apresentou seu próprio projeto de lei para hidrogênio, com divergências com os textos do legislativo. A proposta do MME adota uma classificação diferente para o hidrogênio e dá mais ênfase aos sistemas de certificação, ponto crucial para um mercado exportador que se dedicará a obter o hidrogênio mais próximo de baixa emissão possível. 

A transição energética é necessária para interromper o aquecimento global. Ela já pode ser vista nos investimentos em fontes renováveis, como a substituição do gás natural nas caldeiras, no uso de cogeração no setor produtivo, na conversão de usinas de carvão em usinas de biomassa. A Transição Energética Justa só é possível, se implementada em duas frentes: pelo uso justo das energias renováveis e, simultaneamente, o abandono dos combustíveis fósseis (que demanda a interrupção de subsídios para esse setor).  

O WWF-Brasil trabalha pela justiça socioambiental, e na agenda de Transição Energética Justa contribui com o fomento de conhecimento científico e proposições de políticas públicas. Para isso é preciso envolver toda a sociedade, o setor produtivo, legisladores e tomadores de decisão, propiciando inovação no uso de formas de energia renováveis e limpas. Dentro dessa forma de atuação, trabalhamos com o incentivo do hidrogênio de baixo carbono, combustíveis alternativos e promoção do uso de energias renováveis. 

Parabéns pelo trabalho incrível! Texto super claro e explicativo.

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